Carrossel
Milton Dacosta: Carrossel
Hoje escrevo sobre a forma como se têm impregnado no tempo as marcas das minhas vivências, o meu sentir directo sobre todas as coisas físicas e imateriais que me envolvem.
Os dias são rotineiros; os dias são uma sucessão de provas que perfazem um círculo que, a cada etapa, é um porto de chegada e um porto de partida. À semelhança das viagens pelo globo terrestre, estamos limitados e confrangidos ao espaço finito da nossa circunscrição. Percorremos a cintura do destino, volta sobre volta. Passamos vezes sem conta pelos mesmos sítios, pelas mesmas experiências, pelos mesmos céus áureos, pelas mesmas valas nefastas…
Olhar para a vida é admirar um carrossel. Um carrossel com as figuras (não alegóricas; mas do mais intenso verdadeiro) dos diferentes sentimentos, das diferentes sensações e soberbamente adornadas com as mais belas ilusões para os sentidos.
Enquanto o carrossel gira, nós, parados em contemplação ou caminhando em seu torno (na direcção contrária) em peregrinação, vamos absorvendo as energias e a “personalidade” da figura da extremidade que nos passa rente naquele instante, naquele momento, naquele período, definidos pelo eixo da sorte.
Eis que passamos triunfantes pelo cavalo da Vitória; Eis que se achega, arrasadora, a carroça da Derrota. Logo nos acercamos do avião sonhador da felicidade; Logo sentimos o abeirar do náufrago navio da desgraça. Ali ao lado o carro pujante da alegria e do amor, à espera de condutor; Ali ao lado o trólei abatido da tristeza e do desdém, em chamamento para alguém o timonar.
Sucedem-se as voltas. Ora com passagens rápidas e ventosas por figuras ininterruptas, quase sem respirar e por estados tão díspares como a euforia e o desfalecimento moral. Ora com passagens lentas e tão moidamente sentidas, que nos avassalam da pele até ao osso, inebriantes e motivo de desejo de que seja um arrastar de situações boas ou de bem. Porque se forem contrárias, o tempo longo só as agrava ainda mais…
E assim segue o curso e o corso do acaso.
E podemos nós saltar deste fado de inconstância repetitiva e afastarmo-nos da atracção enfeitiçada do carrossel? É difícil. A simples tentativa de desviar o olhar é já uma ousadia delicada…
E se nos libertarmos desta rotina, o que será de nós? Saberemos existir de outra forma?
Utopia ou não, eu vou tentar! Desprender-me das forças que me mantêm sugado para o centro do carrossel e estalar as barreiras das dimensões de tempo e espaço. Ensaiar uma nova feição no relacionamento com o universo. Procurar ser mais participativo e menos expectante sobre aquilo que nos é determinado pela roda da fortuna.
Felicidades para todos,
Um Feliz Natal!
Andarilhus
XIV : XII : MMVI