Quarta-feira , 31 de Janeiro DE 2007

Narrar et Audire II: Revelações...

  

A magia do conto intemporal (http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/4700.html) contínua. A viagem pelos terrenos abertos ou de floresta densa pára e dá lugar – ou tempo – às incursões em trajectos pela alma e pelo coração…

 

A jornada decorreu sem percalços durante os primeiros dias. O silêncio dava o tom e o ritmo aos passos dos companheiros de fortuna, que somavam, metro a metro, quilómetros de pensamentos e diálogos internos, mais ou menos inflamados. Aqui e ali, um suspiro. Por momentos, pequenos reencontros de olhares, algo dispersos, algo perdidos no vértice da paisagem, nos palmos de céu.

O descanso sobre a margem verdejante de uma ribeira acolhedora e tagarela criou o ensejo de dar voz ao desejo de expor o ardor do peito com a arte tão líquida, transparente e pura como as águas que logo próximo corriam em risos trepidantes.

Algo anormalmente intranquilo, Gondorilhus deixou fugir em timbre, finalmente audível: - “…falar que é o coração que sente, é apenas uma forma bonita de se falar nestas coisas. Mas, na verdade, sente-se mesmo, fisicamente, uma concentração de energia no peito do lado esquerdo, que, de alguma forma, está em conexão com o cérebro, provocando uma tibieza de felicidade e tristeza: Felicidade por ser o resultado de entrarmos num quadro de luz imensa, tépida e reconfortante; Tristeza porque, quando longe e ausentes, somos assaltados por uma atribulação de distância, que abana consecutivamente a nossa atenção e lança o olhar para os espaços mais longínquos do pensamento... já não estava habituado a estar assim fragilizado e com as defesas por terra...”.

Coleana, surpreendida pelo desabafo, baixou a cabeça, como querendo contar os inúmeros seixos daquele chão tremeluzente. E, num arrepio de energia há tanto contida, respirou fundo e deixou sair o magma tenso que a custo suportava num verdadeiro vulcão interior: - “Meu querido Gondorilhus, depois de decidir partir, senti um vazio enorme que me assustou. Não tinha a certeza de que me acompanharias… E, assustou-me porque não estava à espera de tal reacção. Hoje, ontem, e todos os dias desde que te conheci são dias especiais. São especiais porque tu és especial. "Apanhaste-me" no ponto onde ninguém nunca teve a sensibilidade de tocar e no que eu menos protegi. A armadura que uso para não me magoar não protege tal ponto! Não sei se falaste sério quando, sob a macieira dos pomos de seda, me disseste que eu "faço parte da tua vida", mas uma coisa é certa, tu, mesmo sem o forçares, fazes parte da minha! É bom acordar e saber que estás próximo, para falar comigo! Gostava no entanto que não entrasses em conflito contigo mesmo por minha causa. Tens um mundo onde eu não tenho entrada e eu também não sou nada. E, se por algum motivo, algum dia, tu entenderes que eu deva "desaparecer", é só dizer-mo, porque apesar de me custar muito não te quero causar nenhum mal. Fiquei, no entanto, – depois da nossa conversa mais séria –,  com a ideia que sentes falta "daquilo" que insistes em não dizer o nome. Estou certa? Não sei… Posso estar a dar largas à imaginação, mas sinceramente foi o que senti. Gostaria que estivesses noutra situação, porque aí sempre teria a hipótese de te dizer: "Estou aqui e vou dar-te tudo o que de melhor tenho para dar", mas os condicionalismos da vida infelizmente impedem-nos de certas atitudes. Continuo a dizer: se te sentires perdido na encruzilhada da vida, pára e pensa se vale a pena insistir no mesmo trilho. A saída pode estar à distância de um olhar. Qualquer mulher se sentiria feliz ao teu lado. Eu acho! Eu sinto! Apesar do "nosso amor" se ficar só pelo lado espiritual. Amor? Sim! Tu sabes amar, tu sabes definir o amor e principalmente tu sabes fazer amor! Eu senti os teus lábios nos meus e a tua mão a explorar o meu corpo! E nem sequer foram precisos movimentos que o materializassem.... É por tudo isto que continuas e vais continuar, não sei por quanto tempo nem como, a ser muito especial para mim. És, como já te disse, alguém que gostaria de ter ao meu lado (e não só para jogos florais e de amizade, nem para me acompanhar nesta empreitada!). Veremos qual o destino traçado nas estrelas para nós. Afinal eu sou daquelas pessoas que acredita que nada acontece por acaso na vida. E, se me cruzei contigo, por alguma razão foi. Espero também que tenha valido a pena conheceres-me, afinal sou aquilo que vês e apesar de todos os meus defeitos (que são muitos) acho que consigo manter o coração puro. Mesmo quando decidi partir para descobrir as minhas origens, para me sentir mais feliz, lá estavas tu. Mesmo antes de te conhecer, já te havia escolhido para parceiro do destino! Desculpa estes meus desabafos e todo este tempo que te tomo. Gosto muito de ti… E não te preocupes que, se o vento te levar para bem longe dos meus olhos, eu não vou nunca esquecer-me de ti!”.

- “Fogo!”– balbuciou rouco, Gondorilhus, cada vez mais trémulo e saqueado de vontade por tão forte emoção – “Tremo e – talvez seja uma reacção pueril – se não são pequenas lágrimas, então os meus olhos transpiram perante tamanha visão... Sim, afinal tu existes, Coleana... Que belas palavras, rasgadas em carinho por sentimento certeiro! Descubro, para gáudio do meu ser, que as minhas palavras não são em vão: entende-as, não te esqueces delas e correspondes com a nobreza de uma mente consciente que, apesar de eventualmente se mutilar, disciplina o coração, não o deixando desbaratar impunemente.

Neste sol de contentamento acalento-me de duas maneiras: Uma porque te dizes feliz comigo, como sou, assim diferente, e porque consegui despertar em ti algo tão belo como esta tu revelação de... amor; depois porque ME ENTENDES, para além da fronteira do socialmente correcto e da aparência oportuna. O poder caminhar a teu lado, mesmo que seja em silêncio é a alegria mais ensurdecedora deste homem, neste momento...

Este é um bom conflito: é com estes conflitos que se apuram as almas e se ultrapassa a barreira da "morte" prematura. Sem promessas, pergunto-te mais uma vez: tens tempo?

Hoje deixas-me sem palavras... ainda bem que existem este lugar e este momento de tempo sagrado, para nós...

Abraçaram-se e um pequeno afloramento granítico fica como testemunha de um beijo singular, primeiro no toque, primeiro no sentimento…

A demanda prossegue agora sobre a sela de novos pressupostos, de novos horizontes…

 

Andarilhus "(ºoº)"

XXXI : I : MMVII

música: The Mission: Love me to Death
publicado por ANDARILHUS às 08:48
Terça-feira , 23 de Janeiro DE 2007

O Quadro

O Quadro aberto; o Quadro inacabado...

Em processo de pintura... Será algum dia considerado como satisfação plena dos sentidos e do espírito? Será considerado terminado e, então, deixado em repouso e a salvo do pensamento sôfrego?

 

É-me cara a imagem, costurada na memória, daquela manta de serapilheira que servia de tela para a fotografia pontilhada da mais bela aldeia semeada na escola secundária. Ano após ano, os alunos cumpriam o horário estabelecido para os “trabalhos Oficinais – têxteis”, fazendo correr a linha de lã atrás da agulha – como num jogo de traquinice de recreio – na proeza engenhosa de construir mais uma rua, mais um jardim, mais uma casa daquela aldeia fantástica. E enquanto crescia a manta, na rotina pontuada, cresciam em número os farrapos das histórias e das aventuras imaginadas naquele lugar nunca acabado, nunca preso a uma só verdade. Toda a sua beleza e força residiam nesta cornucópia de soluções, enquanto espaço aberto e de conclusão indefinida.

Assim é também a nossa experiência do real…

A nossa vida é um quadro. Um quadro inacabado e sempre em mutação. Se for dado por terminado, então é porque alguém, por nós, deu a última pincelada e o assinou postumamente.

Todos os dias, ao acordar, olhamos para a tela e procuramos precisar o ponto da pintura que vamos acrescentar ou retocar. Temos espaços próprios para cada uma das nossas vivências. O espaço da família, o espaço dos amigos, o espaço do trabalho, o espaço dos sonhos… o nosso espaço íntimo. A qual acudir hoje? E quando se baralham e misturam todos, como aplacar a oxidação das cores!?

Não raramente, não são os olhos que vão ao encontro do quadro, é o quadro que se impõe aos olhos. Mesmo quando estes se fecham na vã tentativa de embarcarem na balsa da cegueira… E sempre que têm êxito na fuga, estão lá os ouvidos para escutar o impertinente quadro!

Tintas brilhantes irradiam o sol dos dias felizes. Mas prontamente a moldura engrossa-se e começa a reduzir a pintura sob a sua sombra. Por vezes, fica tão escuro que não se enxerga nada: Nem se consegue encontrar o buraco negro que tudo absorve para o adoçar com a simpatia do pastel.

Dêem-me um estilete e eu rasgo por completo esta miséria de quadro!

E damos largas à composição. Adicionamos as figuras, os momentos, os lugares e tudo o que vamos marcando à nossa volta. Primeiro os contornos, depois o preenchimento colorido. Ficamos tão soberbos do muito que acumulamos e reunimos que decidimos comprar uma moldura nova, uma parede nova para acomodar, bem alto, a nossa bela pintura, a nossa triunfante vida. E quanto mais juntamos, mais elementos temos para sonhar novas metas, novas molduras, novas paredes.

Pensamos então: Está quase! O quadro completa-se segundo o curso de pintura social que frequentei desde que nasci. Já tenho quase tudo para a pintura perfeita!

E quando o artista se prepara para encomendar a cadeira, onde se sentará em repouso e contemplação definitiva em frente à sua obra, cai o quadro lá do ponto bem alto em que foi colocado e perde-se na mancha suja do chão. O peso era tanto que o prego do destino não o segurou. Remende-se o que for passível de remendo ou inicie-se uma tela nova.

Em segredo, também vos digo que o próprio artista, cansado das imagens de sempre, decide, em certos casos, dar um encosto descuidado ao quadro e provoca a sua queda no caos… para renascer.

 

E quando pensamos já ter tudo alcançado…

Talvez a minha busca ainda não tenha terminado…

 

Andarilhus “(ºoº)”

XXIII : I : MMVII

 

 

música: Dead Can Dance: I Can See Now
publicado por ANDARILHUS às 08:48
Terça-feira , 16 de Janeiro DE 2007

Cogito, Ergo Sum! Será assim? E basta?...

http://www.hypnosisforyou.com/images/THINKER.jpg

 

Um pensamento para de-lirar e uma lira para com-pensar…

 

O Pensamento:

Quando já não te olhas ao espelho há algum tempo, estranhas-te um pouco com o teu reflexo; Quando regressas a um sítio onde já não passavas há muito tempo, familiarizas-te com as tuas memórias; Quando acordas, esqueces-te de todos os teus sonhos; quando adormeces lembras-te de tudo aquilo que ainda subsiste em sonho; Quando dizes “Amigo”, sucumbes nos braços do abraço da felicidade; Quando dizes “Amor”, rendes o coração à paragem do tempo e do espaço; Quando dizes “Vida”, saltas de ousadia e de convicção; Quando dizes “Morte”, desfaleces de respeito e de medo…

E quando dizes “EU”, quem vês? Conheces-te? Consegues descrever-te? Acreditas naquilo que pensas que és ou equivocas-te quanto àquilo que pensas que és? Já meditaste bem sobre ti?

 

A “Lira”:

“Jamais e Sempre: palavras de ontem

 

Orgulho duro de granito.

Vontade frágil e por vezes serva.

Sonhos perdidos no infinito...

Corpo nu, embebido na erva.

 

Ciúme indomável e afogueado,

Desejo avassalador e obcecado.

Amor ao ideal floreado

Em paixão independente da razão...

 

Palavra una e indivisível.

Coração ingénuo e paciente.

Alma a poucos revelada, de susceptível,

Espírito inconsciente...

 

...!...

AD-Deus

 

XVII : VIII : MCMXCVII

J Pópulo

 

 

… dizem os botões para mim que existir só para suportar a existência não é existência sustentável…

Andarilhus “(ºoº)”

XVI : I : MMVII

música: Heroes del Silencio: Hologramas
publicado por ANDARILHUS às 08:43
Segunda-feira , 08 de Janeiro DE 2007

Epifania

http://208.50.7.148/nlcpc/angel/angel44.jpg

 

Acerca de anjos humanos…

 

E pela alva do novo ano, perfilam-se os anjos em formatura no aguardar de indicação SUPERIOR para as tarefas que lhes couberem em sorte.

Alonga-se a espera da revelação da lista de destinos a acompanhar. Os anjos, muitos e nervosos afincam as orelhas perfeitas, logrando conceber no ar o vozeirão do ministro das causas desprotegidas.

Já correm rumores: vão ser horas de leitura de infortúnios e mortes lentas.

A lista aumenta a cada ano que passa e neste derradeiro ciclo a degradação da vida humana incrementou sem tempo. Os anjos, esses, são cada vez mais... em número menor. Uns desistem por cansaço; outros caem nas tentações por impregnação contagiosa daqueles que deveriam salvar.

Desde que foi permitido aos humanos o sopro da invenção das aeronaves, os anjos de agora já não fazem questão de usarem o, outrora, valor acrescido das asas. E, assim, passam despercebidos entre as colmeias da sociedade.

No salão nobre dos passos do além, os milhares de cabeças angélicas, de halo penteado, virados para um só ponto cardeal atentam na chegada do lente. Arrepiam-se na expectativa as formas físicas que emolduram aqueles espíritos imortais.

Chega! E, sem tempo para contemplações ou apresentações desnecessárias, vai desfiando os casos que exigem a profilaxia divina e aponta, com tiro certeiro, num alvo sobre a multidão que o confronta. Mais um que parte para cumprir o trabalho designado. Leva consigo as instruções do suserano; aposta em si para sobreviver ao feitiço do fácil e para despertar o moribundo da rifa.

 

E eu, aqui, espero também. Espero religiosamente o saber se algum dos anjos se ocupará de mim. Eu que me aproximo tantas vezes do abismo do desistir. Eu que sou empurrado para a tristeza pela surpresa do desencanto e da desilusão das cordas que animam os fantoches deste mundo. Eu que acabo por me embrenhar nessas cordas.

Eu conheço-te anjo! Sei que fazes o teu melhor, mas não exijas muito de mim. Nem todos podemos ser santos e o meu corpo é já informe para vestir a túnica dos salvos. Perdoa-me se te desoriento pelos meandros do fracasso e do defeito! Salva-te tu de mim… ou então tem paciência e luta com todas as forças para que eu quebre nesta minha existência profana. Se acreditares no êxito da tua empreitada, talvez também eu acredite…

Os amigos são os nossos anjos mais perfeitos.

Quem de vós precisa de um anjo?

 

VIII : I : MMVII

Andarilhus “(º0º)”

música: All About Eve: Every Angel
publicado por ANDARILHUS às 08:23

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