Por Ti Seguirei... (41º episódio)
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Na base do monte, os animais permaneciam no local onde tinham sido amarrados. Rubínia e os vetões é que não apareciam. Tongídio bateu as cercanias, sem encontrar a mulher. Voltou ao ponto inicial, quando os restantes companheiros também chegavam.
- “Tem de haver alguma pista. Não podem simplesmente sumir-se no ventre da Mãe Terra! Ajudem-me a procurá-la, a procurá-los…”
Foi quase no extremo oposto à posição dos cavalos que Salpi deu com os corpos dos seus compatriotas. Prestou-se a confirmar os óbitos, atestando de imediato que o primeiro evidenciava ausência de suspiro de vida, com tamanho buraco que lhe trespassava o peito até às costas e que lhe levara parte do coração e do pulmão esquerdo. Já o segundo, tombado de lado, ainda respirava, apesar da longa ferida aberta na zona abdominal, que lhe expunha parte das vísceras. Virou-o para cima e deu-lhe algum conforto no amparo da nuca. Saciou-lhe a sede com a pequena cabaça de hidromel. Já com os restantes presentes, o moribundo entregou as últimas palavras e encomendou a vida ao seu deus mais venerado: - “Que Endovélico ilumine o caminho que o meu camarada já leva e que eu, em breve, acompanharei, pelos montes sagrados. E que socorra Rubínia e Zímio nas garras dos algozes.”
Tossiu umas golfadas de sangue e, enquanto com forças, continuou: -“Apareceu um grupo vasto de arévacos. Tentamos distraí-los, fugindo na noite, atraindo-os para longe das montadas e do destino do alto do Urze. Eram tantos que nos conseguiram cercar. Lutamos como pumas encurralados. Ferimos alguns deles, até que nos dominaram. Prenderam Rubínia e levaram-na na direcção de Obila. Quanto se apercebeu que o separavam da sua senhora, Zimio ficou louco e atirou-se ferozmente aos inimigos. Reacendemos o combate, num último esforço. Silvádio foi vazado por um dardo pesado e eu sofri vários golpes. Zímio também, mas manteve-se de pé, até que perdeu os sentidos, quando recebeu uma pedrada na cabeça. Não sei o que lhe fizeram…”
Salpi deu-lhe os últimos golos de bebida e deixou que se finasse sossegado. Entendia-se perfeitamente a estratégia do inimigo: utilizariam a mulher refém como arma de arremesso ou moeda de troca. Tongídio não sossegava; estava capaz de rasgar um canal pelo meio da montanha.
Entretanto, surgiu Alépio e dois guerreiros. Tinham seguido o grupo que aprisionara Zímio, para acompanhar a sorte deste.
-“Estiveram a interrogá-lo. Torturaram-no com grande crueldade. Aguentou, não suplicou e nada revelou. Perdeu a consciência e deixaram-no, convencidos de que nada sabia do que perguntavam. Assim, que estiver novamente desperto, vão levá-lo daqui. Pareceu-me perceber que o fariam entrar furtivamente no acampamento junto a Obila.”
-“É onde deve estar Rubínia! Vamos rápido, aos cavalos!” Incitou Tongídio.
Com o arrastar dos acontecimentos, acabou por despontar a primeira luz matinal. Em breve recomeçariam as actividades relacionadas com o torneio. A algazarra e o movimento das centenas de pessoas tornariam difícil uma averiguação discreta no campo dos arévacos e sobretudo sem que a mesma não alertasse a população e não descambasse em pânico.
Talauto adiantou um mensageiro, para pedir a seu pai que convocasse com urgência os chefes das tribos. Em breve chegaria para comunicar assuntos gravíssimos, que exigiam uma resposta célere. Entretanto, iriam tentar localizar e resgatar Rubínia, desaparecida e provavelmente sequestrada.
Com cautela aproximaram-se do reduto dos arévacos. Tal como ocorria com os restantes acampamentos, o frenesim do dia já se tinha iniciado. Gente que acendia fogueiras, outros que carregavam pequenos molhos de lenha, a atenção com alguma higiene pessoal e sobretudo com a preparação da primeira refeição. Bem como, alguns actos religiosos matinais. Ali, a única diferença para as demais tribos residia no facto de só existirem varões e todos guerreiros maduros. Nos rostos, era notória a presença de indícios de parco repouso e acumulação de muita actividade e mesmo bebida entre muitos daquela, quase, centena de indivíduos.
Com Areatavo ferido, era agora Eridário o chefe da hoste. Recebeu as autoridades vetãs com modos mais afáveis, mas de igual calculismo.
- “Que a Alvorada vos traga sapiência e saúde. A que se deve a vossa visita e… tão numerosa?”
- “Desapareceu uma mulher dos celtas lusitanos. Estamos a indagar por ela”. – Respondeu Talauto, solene. – “Tens conhecimento sobre este assunto ou presenciaste algum movimento anormal que possa justificar este enigma? Alguém, entre os teus, saberá algo sobre o que agora te pergunto?”
-“Hum, agora perdem as mulheres?! O que perderão a seguir? Não sabemos nada sobre qualquer desaparecimento. Estivemos noite dentro por aqui, a festejar os jogos, como aconteceu nos outros arraiais. Estivemos também a tratar os nossos feridos – Areatavo e Tanino – os quais vamos enviar, daqui a pouco, de regresso a casa, num carro de transporte que construímos entretanto.”
-“Assim sendo, não serás contra o cumprimento de uma vistoria rápida às vossas acomodações”. Sem aguardar resposta, passou por Eridário e avançou para o interior do arraial, dando ordens bem audíveis. – “Vamos, procurem e questionem os homens sobre a nossa missão”.
Eridário ainda protestou, mas logo se apercebeu que estavam determinados a passar o local por crivo apertado. O olhar de Tongídio denunciava o que lhe ia, em vontade, pela alma. Era temível (e não produzia ainda efeitos porque Gurri o acalmava amiúde). Enfrentar e contrariar o grupo de busca não era razoável; a diferença de forças desaconselhava-o. Por isso, o que lhe restava era acompanhar a revista e tentar obstruir e atrasar ao máximo a acção.
Em breve, o assentamento arévaco estava cercado e absolutamente vasculhado. Para além de todo o tipo de imundices e exemplos de desleixo humano patentes, nada de suspeito descortinaram sobre os acontecimentos no Urze ou Rubínia.
Tal como afirmara Eridário, prontos para partir, os feridos já estavam instalados no carro de transporte. O veículo demonstrava dotes de boa carpintaria: com quatro rodas fortes e altas, era robusto, amplo, profundo, e parecia ter um conforto aceitável. Completavam-no 2 possantes cavalos, aparelhados.
Tanino mantinha-se inconsciente, enquanto Areatavo, sempre agitado, mas em silêncio, corrigia as ligaduras.
-“Que os teus dias melhorem.” - Atirou-lhe Talauto. Não obteve resposta.
Entretanto, Tongídio corria ainda a insistir na procura e a interrogar os guerreiros. Mas, nada.
O carro iniciou a jornada, levando consigo uma parte significativa do efectivo dos celtiberos do planalto central. Com Eridário, permaneciam apenas uma vintena de homens. – “São os suficientes para ganharmos os jogos que faltam!” aventava ele sorridente e bem menos tenso, enquanto a coluna militar se afastava.
Talauto e os amigos assistiram à despedida daqueles sem poderem retê-los ou acusá-los de coisa alguma, mas com um forte travo de incredulidade na mente. Os factos não encaixavam com as circunstâncias… Apartaram também.
Já na sala nobre do palácio, perante os líderes, com excepção de Eridário – que ignorava de todo a reunião -, Talauto passou a explicar as ocorrências e o ponto da situação. Concluiu, dizendo que não demoraria muito até que sofressem o assédio dos latinos e seus aliados. E que o tempo era bastante curto para abandonarem Obila e deslocarem toda a população em segurança. Tinham, portanto, de responder ao embuste montado pelos romanos com astúcia superior.
Por esta altura já todos rimavam na mesma vontade. A adesão dos povos representados à resistência aos invasores foi unânime.
Alépio, a pedido de Talauto, passou a expor o plano forjado: - “Eridário continua por cá a assegurar a mascarada, para poder iludir-nos e, simultaneamente, vigiar os nossos movimentos. Temos de o usar como trunfo. Sob a fachada dos jogos, vamos preparar a fuga dos civis mais frágeis, quer de Obila, quer dos acampamentos, e boa parte dos guerreiros. Ficaremos apenas os suficientes para centralizar e atrair o esforço do inimigo e assim permitir a segurança da retirada.
As tropas partirão para Noroeste, evitando cruzar-se com o corpo legionário que se aproxima por essa área. Vão para Ribasdânia, o baluarte fortificado dos vetões, onde concentraremos todas as energias e recursos, para aguentaremos a pressão inimiga até à reunião dos diferentes exércitos. Proponho que cada um de vós envie emissários aos vossos territórios, para agremiar os guerreiros disponíveis e os encaminhar ao nosso encontro. A batalha final está próxima: ou libertamos a Ibéria destes parasitas estrangeiros ou seremos cães açaimados da Lei romana, por longos tempos!”
Os apoios à estratégia foram ostensivos e guturais. Com as manifestações de aliança, terminava a assembleia. Cada qual saía compenetrado, a pensar nos tempos que se aproximavam e na sua participação no plano acordado.
Tongídio, a passo lento e taciturno, continuava tão alheado como o estivera na sala nobre. Estacou. Os amigos, seguiam adiantados e só então repararam no atraso do lusitano. Voltaram-se a tempo de o ouvir, primeiro, em tom baixo e depois em grossos brados: - “O silêncio do “palrador” Areatavo… O relaxamento de Eridário depois da partida dos conterrâneos… O carro!!!!!! O carro era muito profundo, anormalmente profundo. Deve ter uma segunda plataforma ao nível dos eixos das rodas. Um espaço escondido. Era aí que levavam a minha mulher! Desgraçados! Podem encomendar a alma aos demónios da fenda de Vornea, porque eu vou tratar de os mandar para o além!”
-“Realmente, o carro era demasiado alto para o usual e o necessário. As tábuas laterais e dos topos podem tapar um espaço secreto, facilmente. Atrás deles! Já passou quase meia manhã desde que saíram; temos muito a percorrer para os topar. Junta tropas rapidamente, Talauto!” - Pediu Gurri.
Tongídio já não escutava. Correu para o cavalo, arrancando antes dos demais e sem esperar por quem quer que fosse.
Antes de partirem na peugada do lusitano, o chefe vetão deixou instruções para prosseguirem com os jogos e respeitarem as indicações de Alépio, quanto ao desenvolvimento paralelo do plano de preparação do confronto com os romanos.
(continua…)
Andarilhus
XII : V : MMXI