Por Ti Seguirei... (42º episódio)

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Certificados de que não eram perseguidos, os arévacos tomaram a direcção do Urze. Aí, juntaram-se os elementos que guardavam Zímio.

Durante a curta pausa, retiraram Areatavo e Tanino do transporte para liteiras improvisadas. Levantaram as duas pranchas de madeira longitudinais do centro do sobrado visível do carro. Sob aquele, Rubínia mantinha-se completamente imóvel, tenazmente enrolada em fortes cordéis. Estava com braços e pernas dobradas para trás e presos entre si, amordaçada e amarrada ao fundo do carro através da passagem das cordas por pequenos buracos no tabuado. Aguentara essa posição rígida e impossível de contrariar por longo tempo, embora facilitada pela dose da poção que a obrigaram a ingerir, mantendo-a sedada na fase inicial em que abandonaram Obila.

Já distanciados de potencial perigo de qualquer movimento ou suspeita que originasse alerta, os carcereiros decidiram aliviar a tensão e o excesso de segurança exercido sobre a prisioneira. Tanto mais que tinham de partilhar o espaço da masmorra ambulante com mais um cativo: Zímio.

Puxaram-na para fora e desmancharam os nós que obrigavam os pés contra as mãos. Libertaram-lhe os membros inferiores e levantaram-na. Dentro dos possíveis, Rubínia esticou-se e espreguiçou-se como um felino. Viu então Zímio, mantido de pé pelos carrascos e marcado duramente pelos maus tratos infligidos e pelas mazelas do combate. Arrepiou-se, olhou em volta e começou a distribuir golpes com os pés pelos guerreiros que tinha ao alcance, apesar do pouco equilíbrio resultante dos braços acorrentados. Atirou com alguns por terra, mas logo foi dominada. Após receber uma sacudidela forte e um tabefe robusto, aplicados com raiva, sentiu uma vertigem e deixou-se cair, sentando-se. Pegaram-lhe como se fora um fardo de feno e atiraram-na novamente para a clausura. De seguida, fizeram o mesmo com Zímio, semi-inconsciente por razão do seu fragilizado estado físico.

Ainda com a mordaça, a mulher tentou chamar por Zímio. Este tinha consciência do que o rodeava, contudo o corpo não reagia e não conseguia articular palavra. Apenas rumorejava baixinho. Aproveitando a parca liberdade de movimentos, Rubínia conseguiu soltar o medalhão da Senhora das Águas, recebida da saudosa Bolota e, com o rosto, foi empurrando-a para uma frincha do fundo do carro. Deixaria um sinal para Tongídio, se o símbolo sobrevivesse à passagem e atenção da guarda da retaguarda da comitiva. Finalmente a sorte acompanhava-a: uma pequena pedra projectada pela pressão de uma das rodas tapou parcialmente o objecto.

A caravana prosseguiu ao encontro do conforto dado pela proximidade das legiões do Lácio, que se abeiravam, vindas de Sudoeste. Tinham bastante folga de avanço sobre o grupo que, sem o saber ainda, levavam em encalço.

Acompanhando a pista deixada pelo veículo de rodas, os perseguidores ficaram com absoluta certeza do cativeiro de Rubínia: Tongídio encontrou o sinal por ela deixado. Apanhou o medalhão e, fervoroso, apertou-o na mão, beijando-o.

A falange avançada do corpo expedicionário romano estava a poucos dias de marcha de Obila. Apareceria de surpresa, e em simultâneo com o restante exército, que se deslocava do Norte, para apertar a tenaz sobre a capital vetã. Pelo que, quando Tongídio e os companheiros, do alto de uma das maciças torres naturais das franjas dos Hermínios, avistaram ao longe os rastos poeirentos dos arévacos, também descobriram que, em frente, a uma pequena jornada daqueles, se acercava um mar imenso de luzes brilhantes. Só poderiam ser os romanos, nas suas couraças e elmos de ferro polido. Estavam prestes a encontrar-se.

Esta contrariedade obrigava-os a regressar sem cumprir, para já, a missão. Enfrentar milhares de inimigos seria suicídio e mostrava-se um fracasso mesmo só em conjectura. Por outro lado, tinham o dever de ajudar no êxito de Obila e de tanta gente que contava com eles. Irritados com as ocorrências, regressaram à cividade a galope. O tempo urgia.

 

Em Obila, Alépio, na sua eficiência habitual, coordenava o plano encoberto de deslocação do grosso da população, bens e outros recursos para local remoto. Discretamente, os mais velhos, crianças e mulheres, foram paulatinamente orientados para saídas secretas da urbe, enquanto continuavam os jogos, com a incursão pelos bosques das equipas de guerreiros com o objectivo de capturar, ileso, um bácoro de javardo. Tarefa que exigia força, astúcia e entrosamento entre os elementos do grupo.

O evento principal do torneio iria durar todo o dia, pelo que no recinto dos jogos, enquanto aguardavam a sorte dos caçadores, aplicaram-se noutros exercícios do domínio da pontaria ao alvo. Todas as tribos apresentaram concorrentes para as vírias da vitória no arremesso com arco e com funda.

Desta forma, entretinham-se e distraíam-se também os poucos guerreiros arévacos que permaneciam em Obila. Uma dezena saíra em busca da presa de javali e os restantes 5 ou participavam ou assistiam às provas de lançamento.

De regresso ao povoado, Talauto assumiu o comando dos preparativos. Após anuência do Conselho de Anciãos, com a grande parte dos civis já em curso para outras bandas, fez partir a elite do poder militar, político e religioso, acompanhado da maioria do exército na direcção de Ribasdânia, incluindo o seu pai. Ficou com uns meros 200 guerreiros a terminar a operação. Da mesma forma calculada, os chefes das diferentes comitivas deram ordens para o desmantelar dos arraiais, enviando os civis de regresso aos seus territórios e integrando os combatentes na viagem dos vetões para o grande baluarte de defesa do Noroeste.

Repentinamente, as colinas do recinto dos jogos começaram a esvaziar-se de gente assistente, bem como as figuras da organização do evento e júris. Terminavam assim, abruptamente, os jogos. Como já não havia forma de continuar a disfarçar a situação, o caudilho vetão ordenou a prisão dos surpreendidos arévacos, que por ali deambulavam, procurando perceber os motivos do êxodo geral. Entretanto, aguardariam pelos compatriotas destes, que cumpriam ainda a expedição pela floresta, para manter a estratégia consistente e bem urdida. E assim foi.

Pelo entardecer, foram chegando as equipas concorrentes. Alépio tinha tudo preparado ao detalhe. A farsa mantinha-se e deveria espoletar uma forte convicção nos arévacos. Convence-los de uma realidade que não correspondia à verdade.

Os arévacos, quando de volta e ainda com bastante luz, durante a aproximação, constataram o desaparecimento dos acampamentos das tribos, o recinto dos jogos abandonado e a ausência de vivalma. Entenderam enfim que a chegada das legiões e o assédio que preparavam a Obila tinham sido descobertos. Depois, já dissimulados no arvoredo, assistiram a dois cavaleiros alarmados e a convocarem os grupos das tribos, indicando-lhes que entrassem rapidamente na urbe.

- “Definitivamente, já o sabem e estão desfeitos em medo! Fecham-se na cividade, atrás da cerca. Agora já é tarde, vão ser esmagados atrás das suas próprias pedras! hehehehe! Quanto a nós, o melhor é ficarmos escondidos até à chegada dos aliados e vigiar os preparativos de defesa. Vamos controlar o que fazem por Obila.”

Parte importante do estratagema dos iberos patriotas estava exactamente na capacidade de observação do inimigo. Iriam regalar-lhes os olhos e a imaginação com o mais doce dos engodos, dos encantamentos: o rato, em vez de fugir, mantivera-se na armadilha, à feição das garras do gato.

Numa encenação fabulosa, os arévacos conseguiram presenciar uma multidão avultada, entre civis e guerreiros, histéricos e manifestamente em terror, a gritar profusamente e a acudir com desespero para o interior da muralha. Viram grupos de cavaleiros que entravam e saiam de Obila, carros de bois carregados com mantimentos, madeiras, forragem para animais, pedras, armas e tudo o mais que lembrava à gente aflita. Verificaram também que os topos da fortificação estavam já semeados de homens armados.

Na verdade, as duas centenas de guerreiros de Talauto, bem coordenados e melhor posicionados, num constante vai e vem, criavam uma perspectiva teatral que parecia o caos entre várias centenas de indivíduos. Para maior realismo, alguns vestiram-se com indumentárias femininas e com outros apanágios que recriavam as castas sociais ou as classes de mesteres e ofícios.

A certa distância da acção, o inimigo não lograva motivos para desconfiar e, crédulos, confiaram nas circunstâncias que absorviam.

O delírio de circulação durou até à entrada da noite, quando - como recomenda a prudência de quem espera um assalto - se encerraram as portas da fortaleza, recolhendo-se todos no seu interior.

Os arévacos ficaram convencidos de terem a presa na toca. E que presa: os líderes de boa parte dos povos; milhares de escravos; imensas riquezas e artefactos, de Obila e comitivas… o poder e governo da Ibéria!

(continua)

 

Andarilhus

XVII : V : MMXI

publicado por ANDARILHUS às 19:47