Por Ti Seguirei... (46º episódio)

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Dentro das muralhas, cuidavam-se os preparativos finais. Talauto dava as últimas instruções. Com excepção de meia centena de guerreiros, que se mantinham nos torreões e nas muralhas, sobre a porta principal, a maioria dos iberos concentravam-se no largo terreiro que antecedia a saída da urbe.

Sondaram-se os deuses. A imolação de dois cavalos revelou sinais propícios. Tomaram uma singela refeição e beberam a porção de guerra de hidromel. Votaram-se às divindades mais adoradas e verificaram os arsenais, as caetras, as armaduras e os sagum. Tingiram-se com os pigmentos e os óleos, exortando o espírito guerreiro. Impuseram os torques e as vírias e despediram-se entre si.

Chegado o momento, com o Sol ainda forte, mas mais próximo da linha do horizonte, a bater impiedosamente nos muros que se preparavam pata atravessar, Talauto deu a ordem que todos ansiavam.

Dezenas de gaitas-de-foles, num só tom, muito agudo, começaram a vibrar e a marcar avassaladoramente o espectro sonoro da zona, até bem fundo da atenção romana. O caudilho queria exactamente cativar os olhares dos inimigos. Naturalmente, os legionários pararam com os afazeres e focaram a origem do misterioso e exacerbado timbre que provinha de Obila. Confirmaram-no os das muralhas.

Os guerreiros seguiram as indicações do líder, subindo para as montadas, enquanto desembainhavam as falcatas ou preparavam os dardos e os arcos, para a acção. E só então se entendeu a genialidade de Talauto. Nos muros, os guerreiros começaram a pendurar os escudos polidos de cobre, os quais, por sistema de cordas, num ápice, revestiram a parede exterior da muralha, criando uma espécie de armadura de escamas cintilantes gigantesca. Como o Sol estava de frente e em fase descendente, foi com vigor que atingiu em pleno esta espécie de espelhos côncavos, reflectindo-se e projectando-se para o campo romano como uma luz extremamente intensa e que ofuscava os, então, atentos legionários, “cegando-os” e não permitindo visibilidade para o que quer que fosse que ocorresse junto a Obila.

De tal modo ficaram abstraídos que só se deram conta da surtida dos iberos quando estes, já próximos, lançaram os gritos de guerra, entre o barulho dos cascos velozes de centenas de cavalos. À passagem da onda ibera, os legionários que se encontravam nas linhas da frente não dispuseram de qualquer oportunidade de reacção. A maioria estava a trabalhar nas obras militares. Desarmados e surpreendidos, tombaram pelos golpes dos atacantes ou espezinhados pelos equídeos. As sentinelas ofereceram fraca oposição, dada a repentina e massiva investida dos homens de Talauto.

Entretanto, assim que espoletado o ataque, Zímio atirou-se ao poste fragilizado da cruz e fê-lo cair por terra, com o cuidado de não ferir Rubínia. Soltou-se igualmente, retirando a argola que se fixava em volta do tronco. Com a pequena serra começou a cortar as amarras que sujeitavam a sua senhora. Imersos no combate pelas próprias vidas, os guardas nada atentaram contra os prisioneiros. Entretanto, também Tongídio e Gurri acorreram imediatamente àquele ponto, libertando-os e colocando-os em montadas, prontos para partir.

Talauto atrasou a fuga o tempo suficiente para o socorro aos amigos. Assim que reunidas as condições, pegou na corneta de chifre e deu o toque de retirar. O mais de meio milhar de cavaleiros, de forma desordenada, dirigiu-se para Obila, desaparecendo novamente da vista dos inimigos, a para sossego destes, atrás da cortina de luz, agora já um pouco mais ténue.

Todavia, o comandante vetão assinalou o movimento seguinte, com o entoar de diferente sopro na corneta. À sua ordem, a força de cavalaria – à qual já se tinham somado os guerreiros que haviam ficado nas muralhas – reagrupou-se numa densa coluna, junto às portas da cividade, saudou a valente capital veta, deu meia volta e investiu segunda vez sobre os efectivos das legiões, que começavam a acudir aos feridos da primeira passagem.

Desencadeou-se então um incomparável abalo e maior sobressalto no aturdido inimigo, que calculava o recuo dos oponentes para o interior de Obila. A cavalaria ibera, como praga daquele clarão hediondo do castigo divino, avançou para a secção das defesas romanas, cuja edificação se encontrava mais atrasada, abrindo a passagem a corte de falcata, alargando uma clareira contínua por onde passava e pelo turbilhão desorganizado dos legionários. Sem grandes empecilhos, os guerreiros de Talauto entraram no âmago de 3 legiões, furaram o poderio romano e escapuliram-se para lá do assentamento inimigo, com destino a Ribasdânia.

Para trás deixavam algumas dezenas de baixas, preço quase insignificante – não se tratasse de vidas humanas – comparado com as centenas de mortos e feridos incapacitados, entre as fileiras romanas e arévacas. Trocavam também um povoado praticamente deserto pelo vexame ao invasor, ludibriado e manipulado, como se fosse um exército inexperiente. Conservavam ainda os recursos imprescindíveis para o confronto total e final. Não menos importante, recuperavam Rubínia e Zímio, elementos fundamentais do novo e crescente espírito ibérico!

Quando assente o pó e a situação acalmou, já o Sol desaparecia no horizonte, seguindo os iberos. Quintus Scipius, ainda à distância, observava agora Obila de portas escancaradas, na qual tanto labor de assédio tinha concentrado, obstinado na sua tomada, como ponto-chave da conquista da Ibéria. Esforço em vão. Perda de tempo! Que notícias enviar agora ao Senado?!

Destacou tropas batedoras para as entranhas de cividade. Encontraram apenas alguns pobres de espírito e de ânimo. Da elite dos diferentes povos peninsulares e das riquezas não reportaram quaisquer sinais. Haviam-se sumido! Restos de fogueiras, um pouco por todo o lado, revelavam a política de terra-queimada; deixaram apenas as pedras e o silêncio. Que notícias enviar agora ao Senado?!?

Irado, o General Supremo ordenou a prisão dos informadores arévacos. Somou-lhe mais cinquenta compatriotas, escrutinados ao acaso, e mandou cortar-lhes a língua. Depois, ainda não satisfeito, mandou crucificar os iberos patriotas feridos e cativos, desta vez com o requinte de os cravejar duramente à madeira e, finalmente, mandou chibatar os quatro centuriões responsáveis pela defesa da área por onde entrara e fugira o inimigo.

Demoraram mais 5 dias para levantar o acampamento, queimar as estruturas que haviam já montado e colocarem-se em marcha para Ribasdânia, na peugada dos Iberos. Sabiam qual o destino a tomar, após torturarem um dos vetões que tivera o azar de tombar do cavalo quando passava no reduto romano. Arrancaram-lhe a informação e também a pele…

Em Obila ficava uma guarnição de arévacos: os que saravam da punição da extracção da língua e mais algumas dezenas. Permaneciam também 2 centúrias de legionários.

Com a demonstração de crueza de Quintus, crescia a antipatia dos arévacos com os aliados. O desagrado começara em Pallenda, com a prepotência romana, e agravava-se agora, exacerbada por castigos injustos.

(continua)

 

Andarilhus

XXVII : V : MMXI

publicado por ANDARILHUS às 20:11