Por Ti Seguirei... (56º episódio)

 

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Sob os Pentões e ocultos na mata que antecedia a encosta rapada, o Tribuno transmitiu os seus planos. Ordenou aos legionários que se privassem de todo o peso excedentário e subissem a ladeira gradualmente, em diagonal, em fila apertada, aos pares, protegidos pela colocação dos escudos ao alto e próximos uns dos outros, a jeito de cobertura.

Desde o início que a acção assumiu um ritmo quase de cortejo fúnebre, penoso, não apenas pelas dificuldades naturais do terreno, como também pela queda de blocos de granito e outras matérias, enviados pelos defensores, que, por vezes, eram de tal peso que rompiam com a formatura de ataque, atirando com uns quantos infelizes montanha abaixo. No entanto, logo os legionários se posicionavam para recompor a longa coluna humana e fechar os pontos fragilizados, continuando a avançar.

Os cerca de dois mil romanos empenhados na ofensiva agonizante criavam uma corrente contínua de elos entre a base e o cimo do monte, até junto à barreira de grandes fragas. Assim colocados no extenso e acanhado socalco repisado e sempre em exposição aos arremessos superiores, faziam correr de mão em mão, os instrumentos de assalto, sobretudo escadas e ganchos cordoados.

Quando já com os apetrechos necessários e prontos nos locais escolhidos para transporem o último obstáculo, soou o sinal de investida directa ao reduto. Desceram os escudos abaixo dos ombros, surgindo então algumas dezenas de escadas que se apressaram a fincar bem no solo e a atirá-las contra as rochas da muralha, enquanto outros, balanceando em círculos, atiravam ganchos de fixação para lá das pedras do topo. Uma dezena de passadas a um nível inferior, em esforço de equilíbrio na vertente, uma centúria de arqueiros disparava ininterruptamente para os limites do refúgio celta, contrariando as tentativas dos defensores para cortarem as cordas dos ganchos ou para balancearem e despenharem as escadas no abismo em frente.

O envio constante de flechas provocava já bastantes estragos entre os iberos que se martirizavam para reprimir a entrada do inimigo. Verificando que não conseguiriam conter por muito tempo os copiosos legionários, accionaram-se os sinais de fumo a pedir auxílio.

A breve trecho, começaram a saltar os primeiros soldados latinos para dentro do recinto, passando a luta para o domínio da espada, do machado e da lança. O pequeno contingente de vascões e cantábricos conseguiram segurar e até afastar os romanos nos primeiros momentos da invasão, contudo a entrada constante de mais inimigos obrigou-os a recuar continuadamente na direcção do local previsto para eventual fuga, perdendo o ensejo de provocar a ruína das grandes pedras que integravam o muro defensivo, sobre as posições do adversário.

Inesperadamente, os romanos mostravam-se tão lestos a conquistar o sítio que, mesmo apeados, dificultavam a evasão dos iberos, não lhes dando margem de manobra para se aproximarem dos cavalos e partir. Só a pronta chegada e carga da cavalaria dos vacceus de Gurri permitiu suster o ímpeto do inimigo e salvar os guerreiros sobrantes da guarnição de Pentões.

Os do Lácio não perderam tempo. Aberta aquela porta, afeiçoaram o terreno para a passagem dos equídeos àquele patamar um pouco mais elevado do Padrelas. Agora, a um nível da montanha similar, Fábio Fúlvius apontava ao baluarte de Ortas, novamente.

 

No cenário central da batalha, Quintus Scipius, seguindo uma das sugestões dos engenheiros militares, mandou construir um aríete montado sobre uma plataforma provida de 4 eixos de rodados, sobre a qual o tronco maciço com ponta de bronze balouçava, pendurado em 2 eixos laterais, fixos à estrutura que também suportava uma espécie de cobertura em vértice de duas águas, que protegia a arma. No conjunto, o aparelho de assalto parecia uma choupana. As 8 rodas significavam mais peso mas facilitavam a sua tracção pelo trilho, o qual corria paralelo e sob do pano de muralhas mais longo de Ribasdânia, fazendo o desnível do outeiro para o planalto que a fortaleza confrontava.

A iniciativa de ataque começou por contar com cavalos a arrastar o pesado arsenal, porém os de cima abateram-nos assim que ficaram ao alcance. Daí em diante, os próprios legionários, uns à frente a puxar através de cordas e outros à retaguarda a empurrar, serviram de força motriz. Apesar de se protegerem com os escudos, as baixas somavam-se a cada passada.

Atrás do aríete posicionavam-se os legionários para a investida, formando uma dilatada coluna, na expectativa de pancada que demolisse as pranchas da entrada da cidadela. Embora à custa de muitos mortos entre os atacantes, amontoados em volta do aríete, a arma foi colocada o suficiente cerca da porta para cumprir a sua função. Quando já recuavam o pesado cepo no eixo para o largar e abalroar tábuas e trancas, do cimo da muralha largaram uma substância líquida e gordurosa a ferver, que embebeu máquina e operadores. Os legionários atingidos pelo fluído gritaram aflitos pela dor das queimaduras, ficando esfacelados e com o corpo em erupção, em farrapos de pele. Rebolavam-se, espolinhavam-se no chão, sôfregos de fresco, de panaceias que minorassem o calor, o incêndio que os consumia. Em desespero, vários atiraram-se para os barrancos da montanha. Mas o golpe não ficaria por ali.

De seguida, os sitiados, com o arremesso de umas quantas tochas, vivas de lume, acenderam o carro de assalto molhado de combustível seboso, ardendo rapidamente o aríete e o plano ofensivo. Sem meios para continuarem o assalto, os romanos retiraram para o vale, sempre fustigados pelos projécteis que pareciam provenientes do céu. Muitos homens ficaram jazentes no caminho da fortificação castreja.

Quintus estava possesso, empurrava e batia nos que se colocavam ao alcance do punho. Acalmou um pouco assim que soube dos progressos de Fábio.

- “Finalmente uma boa notícia; Finalmente um oficial competente! E vós? Não há maneira de arquitectarem um esquema que force aqueles malditos bárbaros a saírem deste calhau gigantesco e os traga à batalha, aqui, em solo plano?! Raios, tenho de ser eu a tratar de tudo…

Dentro de Ribasdânia crescia a facção que daria esse gosto ao Cônsul. Intrépidos, aguardavam o momento em que pudessem correr montanha abaixo, como se fossem mensageiros da morte, sobre os invasores. Só com grande controlo das chefias é que se mantinham ainda na protecção dos muros, embora considerassem isso um comportamento pouco próprio para um guerreiro. Tongídio servia de porta-voz deste grupo.

- “Calma Tongídio e todos vós com ganas de “voar”. Cairemos sobre o inimigo como uma praga de dor, mas ainda não. Ainda não é tempo: os romanos têm de ficar mais maduros, para os colhermos pela rama. Antes de sairmos definitivamente de portas, eles virão cá acima novamente convidar-nos para a festa, e pagarão bem caro por isso!” Recomendava Alépio aos elementos mais instáveis.

O líder ibero estava mais preocupado com as ocorrências a Norte e na defesa de Ortas.

No dia seguinte, o bastião mais ameaçado tinha por vizinhos as tropas de Fábio Fúlvius. Em frente à muralha Norte, os legionários ocupavam cada pequena porção de terreno passível de estribar um ser humano. Pela direita estavam limitados e encostados à parede aprumada do Padrelas, e a Este confrontavam os precipícios para o vale e para as suas antigas posições, na anterior tentativa de tomar Ortas. O espaço era reduzido, mas permitia as manobras de umas centenas de soldados, desde que bem organizados.

Providos de ferramentas e peças, passaram a primeira metade do dia a montar duas dezenas de balistas e algumas catapultas. Pela tardinha, já despediam dardos e pedras sobre os iberos e terminavam a disposição da logística de cerco. A táctica do Tribuno baseava-se no enfraquecimento das forças de oposição, através da pressão psicológica constante, com o envio sistemático – mesmo durante a noite - de objectos mortíferos para o interior da fortificação, procurando desgastá-las ao ponto de lhes provocar o extremo da resistência mental e, daí, o erro… eventualmente a sortida de contra-ataque.

Na manhã seguinte, e ainda com as cordas e tendões quentes da actividade permanente das máquinas de guerra, os legionários iniciaram o assalto às muralhas.

No reduto, os quase 3000 iberos, algo encafuados num local muito exíguo para tanta gente, não tinham abrigos suficientes para todos, que os protegesse dos arremessos latinos. A contagem de mortos e feridos avolumava-se. O cansaço apossara-se dos guerreiros, dado o estado de alerta ininterrupto.

Apesar das circunstâncias, desta vez o número alargado dos defensores deu réplica suficiente à investida romana. À distância, os fundibulários equilibravam um pouco os danos causados pelas catapultas e, já no topo dos muros, as lanças e as falcatas cortavam os degraus nas escadas de ambição dos legionários. O tinir do metal replicava-se numa alargada extensão, misturada por gritos de raiva e ódio, estrebuchares de dor e alguns soluços de despedida. Os corpos de mutilados e mortos tombavam em grande cadência para ambos os lados da muralha, tingindo de sangue as pedras e os companheiros ainda activos, e que se acumulava em poças no correr da barreira que concentrava e separava ainda os oponentes.

Com grande esforço e pesadas perdas, os iberos lograram finalmente conter a poderosa acção do inimigo. Contudo, não granjearam tempo para descansar. Imediatamente ao insucesso da invasão, Fábio deu ordens para se retomarem os ataques com dardos e pedras. Recomeçava assim a ansiedade com a ameaça vinda dos ares para os ocupantes de Ortas. Deram conhecimento da situação a Alépio.

Entre os romanos, a ofensiva resultara numa razia das forças destacadas para a frente da batalha. Mais de mil mortos pesavam na decisão do Tribuno. A legião que assumira já a recebera diminuída pela derrota em Lijós. Com os parecidos agora, ficava com um corpo militar equivalente a menos de meia Legião. Sabia que para pedir reforços, estava obrigado a apresentar resultados que justificassem a passagem de mais efectivos para o seu comando. Era imprescindível arrasar com Ortas o mais rápido possível!

(continua)

 

Andarilhus

II : VIII : MMXI

publicado por ANDARILHUS às 21:23