Por Ti Seguirei... (28º episódio)

 

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(Continuação de http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/51462.html)

Alépio sabia também que não poderiam demorar muito por aquelas paragens. Era quase certo que os Arevácos e até mesmo os Romanos se tinham mobilizado em sua perseguição. Para os primeiros era uma questão de honra lavar o vexame de terem escapado de suas mãos e de serem razão de descrédito perante os aliados. Para estes, o grupo de celtas fugitivo era móbil fundamentador para empreenderem uma campanha punitiva contra os povos do Ocidente e agarrarem a possibilidade das Legiões anexarem novos territórios, recursos e riquezas, basilares para o domínio integral da Ibéria.

Por todos os motivos, este percalço do caminho tinha de ser superado rapidamente. Não seria fácil, porém, o plano tinha tanto de ousado como de simples. Prepararam-se e aproximaram-se. Quando a algazarra acalmou entre os salteadores sonolentos, iniciaram a acção.

Rubínia e Zímio levaram consigo Diália, contornando o campo inimigo, colocando-se a Norte, enquanto aguardavam pelos companheiros. Por insistência do próprio, Tongídio juntou-se a Alépio e Gurri, embora ainda debilitado.

O ribeiro apresentava alguns pegos esparsos mas no global tinha um leito bastante regular e a profundidade permitia caminhar a espaços. Os três entraram no ribeiro um pouco abaixo do objectivo e subiram-no sem ruído, camuflados pelas ramificações vegetais. Levavam também uma casca de pinheiro que recuperaram de uma avantajada árvore seca, para usaram quando entendessem alcançar a margem, sem serem notados.

Dirigiram-se para junto da vedação onde estariam os prisioneiros, saindo das águas entre dois salgueiros. Aguardaram um pouco até deixarem de pingar, o que se fazia ouvir no silêncio omnipresente. Forçaram as uniões fibrosas de parte da vedação e entraram. Alépio sossegou os cavalos e Gurri procurou os Carpetas no escuro, enquanto Tongídio permaneceu vigilante.

O Vacceu encontrou o primeiro e depois todos os outros infelizes, encolhidos e receosos de mais vilipêndios. Cortou as cordas da sujeição e a custo, mesmo quase aos empurrões, concentrou-os junto a Alépio.

-“Calma. Estamos aqui por causa de Diália. Viemos resgatar-vos. Cumpram à risca o que vos vamos dizer.” Sussurrou Gurri e continuou: -“Estão aqui todos?”

Um dos rapazes mais velhos respondeu: -“Faltam Purina e Aldibia. Estão com o terrível Gralfa, na sua tenda.”

-“Shiuuu… Vêm aí dois lobos à caça. Escondam-se que eu trato deles.” Avisou Tongídio, assim que viu o par de Velenos a dirigirem-se para onde estavam. Vinham ébrios e palradores.

-“Anda Kirko, vamos arranjar alguém que nos aqueça a noite, hehehhehe! Talvez, uma parelha para cada um, como faz o sebento do Gralfa, meu irmão!”

Ainda riam quando atravessaram a cancela do cercado. Ouviu-se então, fugazmente, dois zumbidos no ar e o silêncio voltou a reinar. Os ladrões de vidas estavam agora eles jazentes pela lama.

-“Hum, hum. Vejo que o acidente não te fez perder o toque, Tongídio.” Sorriu baixinho Alépio, que começou a dar instruções aos que o rodeavam.

-“Esperávamos que estivessem todos aqui. Assim, temos de adaptar um pouco o plano. Nada de especial. Ora bem, cada um agarra-se ao dorso de um cavalo como se fosse a corda da salvação sobre o abismo. Vamos provocar uma dispersão dos animais. Conduzam os vossos para Norte até encontrarem um grande rochedo, à saída deste vale. Gurri irá convosco. Eu e Tongídio vamos visitar o chefe destas bestas.”

Para deambularem no acampamento à vontade, os dois vestiram as longas peles de lobo que os moribundos usavam para reter o frio da noite. O pivete era indescritível e o sacrifício honraria os deuses. Dir-se-ia que aqueles dois fulanos abatidos jamais, alguma vez na vida, teriam conhecido algo tão salutar como umas termas ou algo tão básico como um banho… E agora já era tarde. Também, com estes odores, nem se sentiria o cheiro podre da morte; o que retinham de vivos era pior.

Com a nova indumentária, Tongídio e Alépio abriram as barreiras e incitaram os animais a correr como chispas na noite. Sem rumo, irromperam pelo centro do arraial derrubando tudo à sua passagem e despertando os alcoolizados salteadores que, com o sono e o tempero das substâncias digeridas, não encontravam a lucidez necessária para entender o que se passava ou para repor a ordem mínima.

Os dois Celtas aproveitaram para cumprir o restante da missão. Gralfa estava igualmente entorpecido e, descoordenado, colocava as armas à cinta. Sem dúvida, portentoso. Mais corpulento do que Tongídio. Quando entraram, o Veleno pensou ver o irmão e ainda perguntou o que se passava. Mas, achou algo estranho no tipo de espada e elmo, limpou os olhos e, sem mais, girou o braço e desfechou um bofetão na fronte de Alépio, que caiu aturdido. Tongídio agarrou num cântaro de cerveja em prata e acertou em cheio na cabeça do oponente. Gralfa bamboleou mas aguentou-se. Encaixou uma segunda pancada e, mesmo assim, puxou do punhal. Recebeu então o golpe fatal com um machado de bronze - relíquia que guardava religiosamente do primeiro assalto que liderou - que lhe rachou o crânio a meio, terminando a sua soberania de terror.

Deram com as raparigas em transe, assustadas e agonizantes pelos maus tratos, seguravam trapos sujos que lhes cobriam a nudez informe pelos rudes contusões que tinham sofrido. Do espólio guardado na tenda arranjaram vestes e cobriram-se também com roupas típicas dos Velenos.

No exterior vivia-se o caos, cenário ideal para a fuga do epicentro do tumulto. Enquanto se afastavam, aqui e ali, qualquer desconfiança demonstrada por alguns mais atentos da tribo de saqueadores era eficaz e discretamente toldada pelo gume da falcata de Tongídio.

Na confusão instalada conseguiram reunir-se quase todos no ponto de encontro. A lamentar ficava a morte de dois mancebos e uma rapariga dos Carpetas, feridos mortalmente pelas sentinelas que guardavam o campo a Norte.

Entranharam-se na noite e deixaram o bando de salteadores numa desordem maior do que aquela que já lhes era natural. Estes, pelo amanhecer, encontraram o corpo frio do seu chefe e de mais alguns dos seus. Iriam assolar o território até que descobrissem os tratantes. Juntaram os cavalos dispersos e todos os guerreiros disponíveis partiram na peugada dos fugitivos.

Já não bastavam os Arevácos e os Romanos, agora também os Velenos. A panóplia de inimigos crescia a todo o momento para o grupo Celta.

E por onde andavam os aliados e amigos?

(continua…)

 

Andarilhus

XXVII : IX : MMX

publicado por ANDARILHUS às 20:37