Por Ti Seguirei... (2.15)

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Destacada na vanguarda, a embarcação controlada pelos cilícios tomou a iniciativa do ataque com o envio de uma repetida salva de flechas. Duas das trirremes romanas avançaram, uma em rota de colisão e a outra a descrever um semicírculo, procurando ganhar o flanco ao inimigo. A terceira galera latina colocou-se em linha de confronto com o navio principal dos piratas, mas à distância.

Intensificou-se o arremesso de projéteis entre os beligerantes, surgindo as primeiras baixas de parte a parte e o aparecimento de pequenos focos de incêndio. No meio da fumarada - que começava a tolher a visibilidade - percebia-se a intenção dos romanos: enquanto o inimigo se concentrava no embate com o navio que chegava de frente - já muito próximo do contacto entre cascos -, o movimento da segunda galera ganhava uma posição perpendicular ao adversário com a intensão de lhe ferrar o seu espigão demolidor no ventre.

No tombadilho inferior, afastados das escaramuças, os iberos tiveram imediata perceção das consequências dos acontecimentos que se adivinhavam. Agitaram-se, procurando, ingenuamente, libertar-se das correntes que os aprisionavam, mostrando sinais de pânico, levando alguns a autoflagelar-se com o esfacelar de pele e carne. Os grilhões de ferro começaram a ruborescer com a efusão de sangue.

Zlaton, ao longe, parecia distraído e negligente, permitindo a manobra tática do inimigo. Porém, para os que o conheciam, o pertenço descuido não era por acaso. Tinha o plano traçado…

A pertença inércia dos cilícios, e perante um risco elevado de desaparecerem nas profundezas do grande oceano, os iberos continuavam em luta desesperada por se soltarem de um destino agoirento, indiferentes às chicoteadas dos piratas que, em vão, os subjugavam à quietude e a manterem-se no controlo dos remos.

Tongídio esperou pelo melhor momento e, num balanço do barco que trouxe um dos piratas ao seu alcance, acertou-lhe uma vigorosa patada, atirando-o contra Caturnino. Este, por sua vez, apanhou o pescoço do desgraçado no cerco dos seus braços, apertando-o com a corda que lhe prendia os punhos. Asfixiou-o rapidamente. O outro cilício acorreu a socorrer o companheiro, mas levou com o peso do moribundo, arremessado por Caturnino, tombando e desmaiando de seguida, quando recebeu o embate do calcanhar de Tongídio. Conseguindo alcançar o punhal de um dos desfalecidos, os iberos acabaram por se soltar das cordas, despachando-se, depois, a libertar das amarras os demais que se encontravam aos remos.

Entretanto as embarcações colidiam à proa. O raspão corrediço dos bronzes dos esporões forçou ao encosto lateral dos cascos, entoando o som de lenhos deformados, estalados, também pela quebra dos remos não recolhidos. Imediatamente, os romanos deixaram tombar o corvus, espetando profundamente o espigão afiado daquela espécie de ponte levadiça no convés inimigo. Estava garantida firme passagem entre as embarcações, e a imobilidade da presa.

As escaramuças iniciaram-se sobre a tábua que prendia os dois navios, mas sem que os romanos – em número esmagador perante a tripulação adversária – forçassem a abordagem. Continham-se em espera pela chegada dos companheiros que ganhavam a posição tática pretendida.

Acelerada para o embate, a segunda trirreme latina investia perpendicularmente, direta à contenda e próxima de causar estrago irreparável.

Por Trebaruna, rebentem com a escotilha! Temos de fugir para a coberta! Vejam, já se vê o brilho do metal da quilha. Vamos ao fundo! – gritou Rubínia para os que esgalhavam nas madeiras que envolviam a grade que os fechava.

Os receios de Rubínia concretizaram-se. Num ápice, com grande estrondo, o casco de madeira cedeu à frieza bruta do metal. Arrombada e invadida no porão pelo ferrão inimigo, a galera dos iberos começou a engolir grandes quantidades da água salgada. A sua sorte estava traçada.

Redobrados os esforços, por fim, o alçapão cedia, deixando que os aflitos subissem para espaço, por enquanto, seco.

Com as galeras romanas, de uma maneira ou de outra, encaixadas e retidas na embarcação que premeditadamente fora enviada como chamariz, Zlaton decidiu, então, prosseguir com a etapa seguinte do plano. O navio principal dos cilícios arrancou veloz, determinado a alcançar a trirreme latina que acabara de levar a cabo a manobra de abalroamento.

Aproximaram-se pela popa, bloqueando o movimento daquela, retida à frente na galera que se afundava e entalada atrás pelo cerco de Zlaton, sendo de imediato abordada pelos cilícios. Os romanos, surpreendidos, passaram de atacantes a invadidos.

Entretanto, para evitarem o apoio das tropas da primeira galera inimiga, os piratas ainda presentes na embarcação dos iberos lançaram fogo à proa. Alimentado pelo inflamável óleo gorduroso com que haviam untado a madeira, o incêndio deflagrou rapidamente, propagando-se ao corvus e daí à trirreme latina. Em poucos instantes toda a ação concentrava-se no navio romano, com as investidas à vante e à ré dos guerreiros cilícios.

Já no convés, com a sua embarcação inclinada pela submersão nas águas e a arder (apenas à tona por estar suspensa nas duas trirremes romanas), Tongídio viu que o salvamento do seu séquito só seria possível se saltassem também eles para o palco da luta. E assim fizeram.

O som das armas, os gritos de raiva, os ganidos sofridos, misturavam-se com o intenso fumo negro que chegava das lavaredas crepitantes que consumiam os dois navios em chamas. Os iberos procuravam evitar os confrontos, guiados por Rubínia, que tinha como meta atravessar a embarcação latina e alcançar a dos cilícios. A fraca visibilidade ajudava, mas não evitava que Caturnino, Tongídio, ou outros guerreiros, tivessem de abater alguns opositores, independentemente da fação beligerante. Leuko, na vanguarda, ajudava a furar a cortina nebulosa, vigilante com o que ia surgindo pela frente.

- Vamos aproveitar a confusão e tomar o barco cilício. A maior parte dos piratas está entretida com os romanos. Precisamos retomar a nossa demanda; atrasamo-nos com estes loucos! – Rubínia entusiasmava os restantes, quando já se aproximava da amurada que buscavam ultrapassar.

Conseguiram-no. Primeiro pularam para o interior do navio cilício os guerreiros mais fortes, determinados a dominarem a tripulação que permanecia em vigilância. Os restantes foram passando entre amuradas, despercebidos aos que se encontravam envolvidos na batalha com os do Lácio.

Dominados os poucos guardas, os iberos cortaram as amarras e, com os longos cabos dos arpões, empurraram as embarcações entre si, deixando as duas fações beligerantes a disputarem a galera romana.

Do outro lado da confusão, acercara-se também a terceira galera romana. Apesar da fraca visibilidade provocada pelo denso fumegar das temperadas madeiras, as dificuldades dos camaradas percebiam-se bem à distância, nomeadamente, o perigo de afundamento de uma das embarcações da esquadra e o abandono em debandada da tripulação para as águas frias.

Às ordens do comandante, a galera intacta posicionou-se entre as outras duas embarcações latinas já envolvidas na batalha para, com a proa próxima do palco dos confrontos, permitir que os legionários lançassem as pranchas e reforçassem as linhas do combate. Enquanto, à popa, iam resgatando os companheiros náufragos que se haviam lançado ao mar para fugir das chamas.

Com a reorganização das hostes romanas, os cilícios sofriam uma crescente desvantagem numérica, e não tinham para onde recuar.

Aleutério observava todos os movimentos de Zlaton, completamente absorto ao que o rodeava e à manobra de afastamento que os iberos levavam a cabo. Rubínea, no meio da azáfama, encontrou-o como que refém do momento, e atentou no que o paralisava. Entendeu. Travou a passagem do marido, e disse-lhe:

- Tongidio, repara em Aleutério. Aquele amuleto de Zlaton aprisionou-o ao passado. Nunca soube o que sucedeu realmente com a família, e agora encontrou uma possibilidade de desvendar o mistério. E… Trebaruna sopra-me aos ouvidos alguns pressentimentos… Tongidio, temos de salvar Zlaton, para bem de Aleutério, e dos nossos próprios desígnios… sinto-o!

O Lusitano contemplou os acontecimentos, o envolvimento de Zlaton nos combates e a situação difícil dos cilícios. Ponderou o risco de se intrometerem na refrega e não aproveitarem para fugir. Mas, o contraste entre as faces lívidas de Aleutério e o fogo dos seus olhos, que ofuscavam as vivas labaredas dos incêndios que pejavam o palco da batalha, levaram-no a uma decisão. Estava-lhe no sangue e na natureza dos seus pares, ser indomável, suscetível e intrépido…

- Parem! Temos de fazer algo por Aleutério, e também por nós… Zlaton tem muito o que nos contar. Foi nosso cárcere, mas os deuses atravessaram-no no nosso destino por alguma razão – sorriu para Rubínia. Vamos resgatá-lo dos romanos e limpar o sebo a algum dos nossos inimigos. Não poupem nas lâminas das falcatas!

Leuko uivou, como se entendesse o que havia sido dito…

 

Andarilhus

XXII : IV : MMXV

 

publicado por ANDARILHUS às 21:29