Quarta-feira , 09 de Outubro DE 2024

Cristão: as encruzilhadas da Fé

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https://pt.wikipedia.org/wiki/Cruzada

 

 

Do promontório de Haifa

Topei a tua chegada…

Ruins ventos enfunaram-vos até Acre.

Descida a maré, os cascos dos cavalos,

Pesados pelas arrogantes armaduras,

Trituraram as areias sagradas…

Ouviram-se cânticos malfadados

De clérigos que desfraldavam

Os pálios alvos, estampados pela cruz.

… aguardavam-se os emissários…

 E já a procissão do massacre

Se revelava, zurzindo com ferros e talos,

Ávida pela matança, ignorando as Escrituras….

E tu desencantado, pelas crenças olvidadas

Por homens imorais, inquinados

Nos votos que em honra nada davam

À palavra de Cristo, à sua missão de luz,

Pelo Santo Sudário…

 

Cristão, Cristão!

A Bíblia balbucia nos lábios do algoz,

Mas não reside no seu coração!

Oca fé, que é uma mera impostura

De gananciosos assaltantes.

A Cruzada é uma serpente, em nós,

Que enleiam assassino e ladrão.

Ávidos por relíquias, para a cura,

Ouro para a usura,

Predam como ordinários meliantes!

 

Na pureza desalinhada

Tentaste suster o sacrilégio,

Daquelas almas ungidas pelo demo.

Cuspiram-te no rosto,

Surraram-te com chicote, e num amém,

Esporearam mais a ira da cegueira imoral.

Deixaram-te sem sepultura velada

Exangue no ódio tão plebeu como régio.

Com a fé por escudo, nunca nada temo:

Transpus as fileiras do martírio imposto,

Trasladando-te na ida final ao além,

Para santuário da vida temporal.

 

Cristão, Cristão!

A Bíblia balbucia nos lábios do algoz,

Mas não reside no seu coração!

Oca fé, que é uma mera impostura

De gananciosos assaltantes.

A Cruzada é uma serpente, em nós,

Que enleiam assassino e ladrão.

Ávidos por relíquias, para a cura,

Ouro para a usura,

Predam como ordinários meliantes!

 

Suturamos as tuas chagas,

Enxotamos as sombras da debilidade.

Orei por ti… ao teu próprio deus…

Até que, como endemoninhado,

Despertaste nas tuas lutas interiores,

Procurando a adaga na cinta,

Vociferando demónios e pragas!

(Disse-te, então)

- “Serena a tua sofrida ferocidade.

O credo não deve ditar aos seus

Amor ou ódio, em dogma ordenado;

A liberdade dos sentimentos maiores

É tela no coração que a bondade pinta…”

 

Com sorrisos, compreendeste,

E saudaste o prescrito inimigo.

Teus olhos cintilaram

Como estrelas a ruborescer;

As cartilhas rasgaram-se em fendas

Por onde o Mundo alvoreceu!

(Disseste-me, então)

- “A sabedoria existe em ti, sarraceno!

Caem falsos anjos do divino castigo

Para a paz com tolerância crescer.

Pelos lugares ou sendas

Em que passar, jurarei pelo céu

Que sob o turbante também vive um nazareno!”

 

[Porque todos os opostos devem ter a liberdade de construir pontes sobre impostos precipícios...]

 

Jorge Pópulo

IX : X : MMXXIV

 

publicado por ANDARILHUS às 07:12
Quarta-feira , 05 de Junho DE 2024

Mouro: os mistérios da Fé

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https://www.infopedia.pt/artigos/$invasao-da-peninsula-iberica-pelos-arabes

 

Do alcantilado,

Pelo quarto-crescente,

Vigiei a tua chegada.

Cingias o Profeta no coração;

Oravas no tanger dos lábios.

Mas, estava latente…

Pouco entrara a Corão

Pelo solo Al-Andaluz

E logo em ti a alegria mirrou:

Com o amordaçar dos sábios

Topaste a corrupção dos fiéis.

A cimitarra, desgovernada, acirrou

Com vil fanatismo sobre

Quem se protegia atrás da Cruz,

Espoliando-os de dedos e anéis…

 

Sarraceno! sarraceno!

O vento ímpio desfia o turbante

Em trapos de sacrilégio,

O veneno inquina as veias

Dos filhos do Levante!

Aboliram Deus e poder régio,

Escarraram o joio

Pelos rebentos de trigo

Nos sagrados campos da Ibéria.

Secou o charco e o arroio

No verde e secular abrigo,

Erodido em pó pela miséria.

 

Depressa

Afrontaste o Mal,

Os estandartes sem honra,

Os impróprios chacais

Sedentos pelo mosto da vida…

Loucos pela soberba fúria

Tombaram-te como inimigo

Junto aos portões da morte…

De longe, vi o cenário infernal

E não vacilei na dignidade da lida:

Puxei-te da cova que se fechava contigo;

Sussurrou-me o Bem desígnio

Para a tua infortuna sorte.

Resgatei do campo da lamúria

Teu corpo e alma, já em extermínio.

 

Sarraceno! sarraceno!

O vento ímpio desfia o turbante

Em trapos de sacrilégio,

O veneno inquina as veias

Dos filhos do Levante!

Aboliram Deus e poder régio,

Escarraram o joio

Pelos rebentos de trigo

Nos sagrados campos da Ibéria.

Secou o charco e o arroio

No verde e secular abrigo,

Erodido em pó pela miséria.

 

Incrédulo

Reanimaste no covil da aversão,

Emaranhado de emoções

Confuso de pensamentos…

Foi quando de mim escutaste:

“Não te sintas ovelha em gruta de leão.

Somos braços de opostas legiões,

Fiéis a ritos de singulares panejamentos

Mas, somos iguais aos olhos de Deus,

O Único, ao Qual oramos

Designando-O por distintos nomes.

Recolhi-te como adversário

Tratei-te como condiscípulo

Deixo-te, agora, partir como amigo.

Se assim o quiseres…”

 

Compreendeste.

Teus olhos cintilaram

Como estrelas a ruborescer;

Os dogmas racharam em fendas

Por onde entrou a luz!

“A sabedoria existe em ti, Cristão,

E as virtudes divinas se elevaram

Para a paz tolerante nascer.

Pelos lugares ou sendas

Em que passar, farei jus

À ímpar sina de te ter por irmão!”

 

Sarraceno! sarraceno!

O vento ímpio desfia o turbante

Em trapos de sacrilégio,

O veneno inquina as veias

Dos filhos do Levante!

Aboliram Deus e poder régio,

Escarraram o joio

Pelos rebentos de trigo

Nos sagrados campos da Ibéria.

Secou o charco e o arroio

No verde e secular abrigo,

Erodido em pó pela miséria.

 

Descansa

Por ora

No sonho do abraço da areia candente da pátria…

 

[Porque todos os opostos podem encontrar o ponto da concórdia...]

 

Jorge Pópulo

V : VI : MMXXIV

publicado por ANDARILHUS às 19:26
Terça-feira , 19 de Março DE 2024

Fátima, a MÃE

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https://br.freepik.com/fotos-premium/uma-flor-de-laranjeira-crescendo-no-chao-no-meio-de-um-campo-arido_73888971.htm

 

As mãos de cardo

Sulcadas pela chusma de gretas

Das árduas fainas,

Ante o sofrimento dos entes queridos,

Aveludam,

Esmeradas em carinhos,

Tão macias como beijos;

Os tons da voz rouca e grave

Dos desassossegos e cuidados,

Ante o sofrimento dos entes queridos,

Sussurram,

Doces de amparo e mimos,

Tão serenos como melodias.

 

Aqui está

A Mãe dos irmãos

(Na forçada míngua do cuidado matricial);

A Mãe dos filhos

(Que germinou e fez espigar);

A Mãe das suas mães

(Dependentes de retribuição maternal);

A Mãe dos vizinhos

(Carentes de atenção solidária);

A Mãe do seu consorte

(Cuidadora em todas as dimensões do amor);

Aquela que sempre foi Mãe no estio e no inverno

Da vida de tantos quantos sorriram com os seus encantos.

 

Os gestos da labuta dura

De arremesso e rasgo da terra,

Na dedicação aos entes queridos,

Afagam,

As dores, as lágrimas,

Tão suaves como panaceias;

A palavra de revolta e grito

Pela mágoa e injustiça do fado,

Na dedicação aos entes queridos,

Alenta,

Em esperança e coragem,

Tão ondulante como temperada brisa.

 

É esta a Mãe com o dom de

Multiplicar o pão em fatias

Sempre para mais um;

Estender o agasalho em teto

Sempre para outro mais;

Iluminar a noite com a candeia de azeite

Sempre para mais um;

Atiçar as brasas quentes do lume

Sempre para outro mais.

 

É esta a Mãe no estio e no inverno

Da vida de tantos quantos sorriram com os seus encantos.

É esta – e sempre será -, a Fátima!

 

Esta é a homenagem à minha segunda mãe, que tanta felicidade me proporcionou, a todos os titulos.

Minha tia, minha mãe, sempre presente, despeço-me por agora, e até ao dia que há de chegar…

 

Jorge Pópulo

XIX : III : MMXXIV

publicado por ANDARILHUS às 19:50
Sexta-feira , 12 de Janeiro DE 2024

Augusto, o Transmontano

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https://paradelasantiago.blogs.sapo.pt/5227.html

 

O Augusto, meu tio, fez parte da geração que acolheu a revolução do mundo rural, participando na transição do “Mundo Antigo”, das ancestrais pequenas comunidades isoladas no meio das míticas e fragosas serras, para a vida moderna contemporânea.

Eu próprio, recordo-me de aldeias sem eletricidade pública ou doméstica. Então, os frigoríficos eram, ou poços de água fresca, ou arcas com sal para conserva; o mais próximo da televisão era o rádio a pilhas; as estradas eram caminhos de saibro ou carreiros pedregosos, tão bravios como as lugares que rompiam; as comunicações faziam-se de forma verbal, de boca em boca, de terra em terra, ou através de raros postos públicos de telefone (onde existiam), ou pela figura do carteiro; os vendedores ambulantes supriam o fornecimento de produtos não criados na terra e também traziam os recados e as novidades; os cantares de modinhas e os bailaricos preenchiam os eventos de diversão, enquanto a cultura passava de geração em geração através das tradições orais. Com este cenário, cada transmontano tinha de ser autossuficiente, autodidata, agricultor, engenheiro, médico, bombeiro, artista e tudo o mais o que a existência exigisse.

Mas, embora desprovido dos confortos e progressos dos grandes centros, o Homem transmontano era feliz porque vivia bem integrado num mundo criado por si e regido pelos seus próprios tempos, marcados pelo harmonioso convívio comunitário de entreajuda nos duros trabalhos, pelo espírito festivo de caráter religioso/pagão, pela comunhão de um credo comum e, sobretudo, pelo respeito por toda a criação, onde se incluía de forma natural, como mais um elemento do meio ambiente. O Homem era comunidade (povo), cristão, natureza e liberdade.

E se, em poucas décadas, tudo mudou com a abertura de melhores vias de comunicação, com o aparecimento de alfaias mecanizadas, com os automóveis, com a energia elétrica e com a generalização dos telefones e outros meios de telecomunicação, ou mesmo pela diáspora com a imigração, a geração do meu tio não perdeu, todavia, os velhos costumes e as suas idiossincrasias. Não se vergou à ideia soberba da supremacia humana sobre toda a existência, e continuou a sentir-se como mais um elo de equilíbrio da Natureza!

E é assim – entre muitas lembranças de episódios, sentimentos e saudades – que recordo o Augusto: genuíno, empático, senhor dos seus tempos (tempos com ciclos, muito ligados à luz solar, ao clima e ao calendário, que, sazonalmente, definiam os dias, os trabalhos e os descansos), pelos quais passava de modo sereno, inteiro, desapressado, como que querendo sorver, degustando, cada momento até ao tutano. Plácido e calmo, assim caminhava, assim se sentava e absorvia o horizonte do belo planalto transmontano, assim conversava, assim amanhava as burritas, assim se alimentava, assim fumava (ocasionalmente) um cigarro sem filtro, assim convivia em eventos e cerimónias comunitárias ou religiosas.

A esta harmonia e serenidade correspondia o trato afável, meigo, brincalhão, embora fosse também algo reservado, no sentido de dar mais importância ao escutar do que ao falar. Conhecia e era conhecido por centenas de pessoas, das múltiplas povoações de Valpaços e outros concelhos.

Mas, chegada a altura certa, era também um comunicador enérgico. Um festivaleiro! Com o seu vozeirão forte e grave, sempre em harmonia, cantava como ninguém e dominava a “gaita-de-beiços” (harmónica) como um verdadeiro artista, sendo essencial nas festas que corriam em Paradela, ditadas pelo calendário, ou simplesmente pela pândega.

O meu tio não era apenas um individuo, uma entidade isolada. O Augusto sempre foi fiel ao que dele descrevi acima porque, também, conjugava os seus múltiplos tempos com a Fátima, sua esposa e minha tia, e com os filhos (Amândio, Manuel, Paula e Agostinha), atributo este para dentro do qual gosto de me esgueirar…

 

Jorge Pópulo

XIII:XII:MMXXIII

publicado por ANDARILHUS às 19:11
Sexta-feira , 04 de Agosto DE 2023

Os ciclos da (des)construção do Erro: Conclusão.

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Nas mutações entre o BEM e o MAL, com granularidades e cambiantes, o Homem afeiçoa-se ao destino e vai cinzelando a sua personalidade, os seus princípios e valores. Vagueia, ondulado, entre a folia e a amargura, procurando um tempero intermédio entre extremos, por forma a garantir os equilíbrios mental, emocional e espiritual suficientes. A ingenuidade genial, umbilical, dá lugar, progressivamente, à experiência acautelada e mesmo calculista. Prudência e habilidade no negócio do trato com os semelhantes. Os embates inter pares forjam a estrutura moral e ética (condicionando-a normalmente para estágios medíocres) em modo de sobrevivência social.

Entre comportamentos e atitudes, mais ou menos corretas (ou incorretas), cada individuo tem a sua consciência do ERRO, a dignidade de o aceitar ou assumir, e a coragem e o pudor de o corrigir, quando falham. Uns são cigarras insolentes que exploram o empenho e dedicação dos que são formigas; outros são formigas e acreditam – “enganadinhos”! – que as cigarras mudarão de vida, passando a uma postura de contribuição para o bem-estar de todos. Temos os Judas que distribuem beijos a tantos quantos possam vender artimanhas, castelos nos céus, saúde de bronze, milagres de algibeira, a troco de umas moedas. Trazer, também, a esta colação de vis exemplos, os sedutores sem escrúpulos (os “pinga-amor”) que prometem sentimento forte e acalorado, cuidados de alma e coração, inestimáveis e perpétuos, carinhos como doces na montra de uma pastelaria, e que entornam toda a carga romântica quando atingem os seus reais objetivos, deixando destroçado, solitário e perdido na vida quem lhe devolveu beijos e abraços. E outros temos, de outra índole e especial aprendizagem e perícia, porque as velhacarias combinadas com ambições desmedidas encontram-se e cruzam-se, em (im)perfeita simbiose, com a bondade entrelaçada à ingenuidade… enfim, renovam-se, em constância, os dilemas da empatia emaranhada entre as “forças” do BEM e do MAL.

No estripar das vísceras do MAL, confirmamos que há essências humanas que são tão previsíveis como o instinto dos seres vivos que compõem o reino animal. Também há aqueles que não escondem que têm “maus fígados”, transtornos psicóticos, tendências sádicas, ou mesmo criminosas. Os mais maliciosos e nocivos são os hipócritas e dissimulados. Desarmam os incautos e ferem sem piedade; cravam as fateixas, rompendo da pele até ao tutano do ser da vítima. Destroçam-na, desanimam-na, “matam-na” em vida.

Para abordar os pergaminhos do BEM, recordamos o conto da tartaruga que, apesar de receosa, ajuda o escorpião a atravessar o rio sobre o seu dorso. Porém, a natureza intrínseca do lacrau obriga-o ao impulso de aferroar a dócil e bondosa companheira, acabando em tragédia, pelo afogamento dos dois. Há pessoas assim, dispostas a arriscar pelo semelhante. E maior é a bondade quando estas sabem e sentem, completamente e previamente, que irão acabar prejudicados e até, eventualmente, sofrer e penar com o BEM que fazem pelos outros.

Como o MAL pode ser a essência, explícita ou encoberta, de alguns, também o BEM é eixo pendular de outros, e assim se vão equilibrando as vivências humanas. Se há tendências para inclinarmos mais para um ou para outro destes extremos matrizes, julgo existir igualmente a generalização de que todos acabamos por percorrer os domínios dos opostos, em momentos diferentes, com maior ou menor profundidade aos seus limites, de acordo com a forma como encaramos e assumimos o ERRO: a sua consciência, a sua redenção e nas recaídas…

Que as deidades nos encaminhem para as condutas e os valores propiciadores para a coexistência digna neste mundo… (des)humano.

Aqui, encerro os portões para a catarse que medita alegoricamente na simbiose entre as recaídas e as reabilitações do ser-se humano, na vida… que narra a (des)contrução do ERRO.

… Que alenta a esperança no ensejo de ressuscitar sem morrer.

 

Jorge Pópulo

XXV : VII : MMXXIII

música: Nick Cave: Where the wild roses grow
publicado por ANDARILHUS às 07:58
Sexta-feira , 28 de Julho DE 2023

3 – A recaída no Erro: o eterno retorno ao Mal

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Introito

 

Pela floresta humana deambulam, furtivos, dissimulados diabretes. Manhosos, com aparências mascaradas, imitam a luz do sagrado, ostentando semblantes como paredes sem fendas, caiadas com aveludada alvura. Porém, ocultam trevas silvadas, soalhos corroídos por térmitas flageladoras e tetos de gesso negro pela fuligem de braseiros cevados pelo escarro do embuste.

São habilidosos no seu aziago mester, sortindo profuso sucesso no engodo das suas vítimas. Incautos, ingénuos (a ingenuidade a todos desarma perante as técnicas apuradas dos diabretes; somos uns verdadeiros “lorpas”!), acolhemo-los de boa fé, de boa vontade e entregamo-nos plenamente, física e espiritualmente. O infortúnio é ainda maior porque, quando os recebemos, aproveitam para trazer toda a estirpe com eles, desde os grous de penugem branca até aos ovos por eclodir.

Sobre nós, as víboras serpenteiam com as suas peles escamadas, constringindo o que somos e o que sonhamos. Chafurdam, e enleiam com o seu fuçar, até que se revela a “banha da cobra” da sua vil substância e logramos, finalmente, libertar-nos do malfadado feitiço. Depois de tanto acumular - acumular, acumular - incredulidades, depois de tanto tentarmos - tentarmos, tentarmos - encontrar justificação para o imperdoável, irrompe em nós o grito de BASTA!

Verificamos, então, que trouxemos o lobo voraz para o meio do rebanho…

Levantar a guarda! Do outro lado pode estar algo como uma rugosa fraga, um calhau, um calhorda, um chico-esperto, um crápula, uma fraude, um aldrabão de sonhos. Daqueles que ouvem, mas não escutam; que se apercebem dos ERROS, mas fazem de conta que não lhes dizem respeito; que reconhecem os sinais da sua índole ruim, mas que os defendem como se fossem hóstia consagrada.

Pelo caminho com que nos sulcam, espezinham, calculam, engendram, enganam, manipulam, burlam, levando-nos à exaustão da tolerância e ao atiçar dos nossos – os MEUS - próprios demónios cativos! E eis que estes se soltam, feros, rebentando com os tirantes e despedaçando as mordaças com que os retinha no cárcere! Já não os domino, já não os seguro…. Impõe-se a metamorfose. É quando recuamos em defesa, avançamos em contragolpe, desleixamos a compostura, desligamos a sensatez, olvidamos o respeito, perdemos a razão. Perdemo-nos, lastimavelmente… Intratáveis, blindamo-nos em astúcia: para defrontar o lobo, um lobisomem; para afrontar um diabrete, um mafarrico. De presas, erguemo-nos, como competidores entre predadores. Sempre com a prol nos píncaros dos cuidados, entramos em fúria no jogo diabólico. Rompidos os açaimes às nossas próprias energias maléficas, recaímos no ERRO, infelizmente…

Não existe qualquer orgulho ou satisfação neste estado de negação do BEM. Pelo contrário, em paralelo, sentimos a sombra da autocritica e a perceção da nossa postura daninha e indigna com o dom com que a natureza nos honrou. EU penitencio-me por não ter forças para dominar o MAL que irrompe das minhas más reações e dos meus maus pensamentos. Eu não o queria! Afinal, em determinadas fases da vida, sou como os diabretes, desgraçadamente…

Resta-me fazer o mea culpa perante as entidades superioras, as deidades, rogando o perdão por falhar no cumprimento das promessas, e pedindo a correção para rumar com os ventos da abnegação, para alívio do desassossego e a desconstrução da irritabilidade do ERRO.

Que as forças puras do BEM me iluminem nesta obscura encruzilhada de ruins sentimentos, de negativas emoções, de refúgio do MAL…

 

Jorge Pópulo

música: The Sisters of Mercy - Black Planet
publicado por ANDARILHUS às 19:51
Terça-feira , 18 de Julho DE 2023

2 – A redenção ao ERRO: louvar e honrar o Bem

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Introito

Desossados os grilhões de pétalas de ouriço, melosas de fel intoxicante, que nos mantinham em delírio e atiço exasperado, encontramos, enfim, um compasso de paixão, de respeito, connosco, com os outros, para abrandarmos as emoções, os pensamentos, as verborreias, os atos. Deixamos corpo e mente relaxarem e, novamente, mesmo com os olhos cerrados, conseguimos distinguir as claridades da vida, das vivências. Descortinamos o sol a iluminar por entre uma fresca e diáfana bruma, pacífica…

Damos um passo atrás, para fora da nossa armadura; damos um passo à frente, a antecipar a nossa capacidade de interagir sem defesas e couraça. Redefinimos o nosso mundo em graça. Recuperamos a sensibilidade para intuir os milagres da vida com o coração. Reencontramos a beleza nas pequenas coisas do dia a dia e conseguimos proliferar a nossa atenção para os múltiplos, ínfimos, pedacinhos de coexistência que constroem os nossos dias.

Desabafamos as emoções por aqueles que adoramos, enquanto nos damos ao luxo de partilhar tímidos sorrisos, que se intensificam com a consciência da absoluta inimputabilidade moral e ética social, em qualquer cômputo de culpa nos erros, daqueles que de nós dependem e a quem devemos proteção, cuidado e afeto sem limites, e acima da nossa própria existência. Por eles, aceitamos os golpes dos algozes, não partimos, ficamos e acolhemos o destino com humildade e de BOA vontade. Estamos prontos. Desta feita, SIM, abrimos os cordões à bolsa onde guardamos, encasulados, os sentimentos doces, afáveis, do bem querer e do carinho!

Afoito, paira sobre nós o toque de seda quase intangível de sentir, de partilhar, de entregar em cornucópia de felicidade, sem hesitações ou receios, o BEM…. Assalta-nos a impressão de uma experiência próxima do arquétipo de paraíso. Reafirmamos o SIM: sim, redescobrimos a passagem secreta para o dileto paraíso perdido, o recanto dos idílicos momentos, do onírico desejo de ser justo, íntegro e digno! Libertam-se as fragâncias de benfeitoras expetativas, eloquentes presságios de bem-fadados tempos vindouros, alegra-se mais o contentamento e a crença de pousarmos os pés no BOM caminho.

Bem-aventurados todos aqueles que atendem ao chamamento das tréguas e da reconstrução, que defenestram tolhidos e constrangidos medos de se exporem em campo aberto, que, com coragem, sacodem os resquícios da intransigente condição.

Sem nunca esquecer, em reverência e respeito, agradecemos às deidades pelas graças recebidas, pela orientação que nos encaminhou de regresso ao rumo certo, pela luz que nos aqueceu e guiou pelas quelhas do êxodo aos momentos amargos, aos acabrunhamentos do ERRO, aos domínios do Mal.

Desfraldamos as velas para navegar nos mares da harmonia e da virtude próprias do Ser (-se) Humano.

Assim nos ajudem os ventos da concórdia.

 

Jorge Pópulo

música: The Smiths: There's a light that never goes out
publicado por ANDARILHUS às 07:53
Sexta-feira , 09 de Junho DE 2023

1 – A consciência do ERRO: esconjuro da obra do Mal

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Introito

 

Neste Mundo partilhado entre indivíduos tão díspares, é natural que os dias vão colecionando sintomas de desajuste na concórdia inter pares e no equilíbrio emocional e social. Acumulamos tensões, desassossegos, desilusões, enquanto descobrimos também as nossas falhas, fracassos, limitações…

Frustrados nos sonhos (ou simplesmente desiludidos com o desvanecimento do cuidado e respeito expectáveis nos semelhantes, ou na soma de experiências que é a vida), perdemos, por vezes, sensibilidade e racionalidade no encaixe e na reação aos reveses. Permeáveis a tudo aquilo que nos afeta, esmorecemos o ímpeto, a temperança, o foco, com os quais nos guiamos pelos desejados “bons caminhos”. Amorfos ou negativamente reativos, acabamos por repostar ao nível do agravo com que nos consideramos atingidos. Pagamos na mesma moeda. Caímos no ERRO. E daí aos erros sucessivos é apenas um saltinho de pardal…

Se o sentimento de impunidade sobre a reincidência no ERRO não for irrevogável e se, numa encruzilhada de meditação, surgir a real oportunidade para uma íntima contrição e gradual arrependimento, a assunção de mea culpa aponta à porta de fuga da trincheira de defesa (e ataque) que tolhe os sentidos e abafa a comoção. Reativamos a escuta e a compreensão, mesmo que lentamente…

Assalta, então, a consciência de termos sido incorretos, indignos ou “pecadores”. Em ato de penitência, retiramos as pedras das mãos, as lâminas das palavras. Mesmo que tenhamos sido vítimas de ofensa e desaforo grave, e mesmo que continuemos com as feridas por suturar, para superarmos o nefasto estado de beligerância ou por interesses maiores que a nossa própria existência, recuamos, expomos o flanco ao opositor, com quem, agora, estendemos as conversações de armistício. Ou, no limite, comprimimos completamente a trouxa do orgulho e descemos ao soalho da humildade.

E quando a sensibilidade e a sabedoria do Homem não são suficientes, dispostos a tudo, crentes, agnósticos ou mesmo ateus, recorremos às forças supletivas, misteriosas, isotéricas, transcendentes a este palmo de terra e à realidade mundana do Ser Humano. Dirigimo-nos ao poder metafísico, intemporal, às dignidades venturosas do Bem, rogando pelo exemplo da sua santidade e pela intervenção em auxílio e correção da nossa práxis imperfeita. Saudamos, respeitamos, endereçamos louvor a estes sanctus advogados a quem pedimos luz, inspiração, e a mediação pelo perdão divino e humano.

As sensações de força e poder (quase) desaparecem. Porém, surge uma paz interior que nos embala em harmonia com o nosso sentido e lugar no referido Mundo partilhado. Reajustamos na dignidade e na virtude.

É então que procuramos reconstruir as pontes, elevar acordos, resgatar os afetos, refazer os laços, reconquistar os abraços… ressuscitar para novo ensejo.

Assim seja.

 

Jorge Pópulo

música: Fields of the Nephilim: Dead but dreaming.
publicado por ANDARILHUS às 07:52
Sexta-feira , 12 de Maio DE 2023

Os ciclos da (des)construção do Erro

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Dizem que o ser humano nasce predisposto para a bondade. Não é difícil concordar com tal preceito quando conjugamos a pureza, a espontaneidade, a terna ingenuidade presente e dominadora nas idades de uma criança. A sua simplicidade, desapego das coisas materiais desmesuradas. A sua despreocupação e o seu equilíbrio com a realidade que conhece, independentemente do seu mundo ser evoluído ou arcaico, ser farto e abundante ou carente dos níveis básicos do conforto, ou mesmo da sobrevivência. Aliás, a tenra idade não vive num tempo específico, não pensa num tempo cronológico sequencial: o que é, o que poderia ser, o que poderá vir a ser… Na verdade, os dias passam, mas não se contam!

Embora generalizando, é plausível assumir que é o espaço e a envolvência das suas vivências que ocupam a atenção das crianças, numa perspetiva de que o Mundo é, exatamente - e corretamente! -, apenas aquilo que conhecem como normalidade.

Mas, a consciência muda quando a socialização na comunidade exige ao juvenil que passe a inteirar-se e a intervir nas atividades comuns, e assuma novas configurações comportamentais. Uma após outra, caem as fantasias da inocência, sucumbem os mundos de refúgio, e começam os rituais de iniciação para a aquisição dos valores (moldar o caráter), dos dogmas e credos, das obrigações e dos direitos, das decisões e opções, dos preconceitos, da competição, dos sentimentos cruzados. Aparecem os primeiros inimigos e começam a subtrair-lhe os amigos. Olha para si e vê, pasmado e desperto, que está nu; que sempre assim se manteve, desavergonhadamente, nu! A criança que, até então, não fazia – ou pensava em - juízos de valor (pelo menos, precisos e explicitamente marcados), descobre a presença do ERRO! Se nascera com o timbre da bondade, conhece agora, e assimila, com maior ou menor apego, a ruindade. Entra, enfim, no emaranhado novelo de contradições entre o Bem e o Mal.

Quando chegados a adultos, pela dominância da aculturação social, mesclada com a resiliência da grandeza da ingenuidade que retemos (escondida) da criança que fomos, assim vamos sobrevivendo entre os infortúnios e os bons momentos, com gradações de ânimo e de esperança no advir.

Num baloiço contínuo, pendulamos algures entre os extremos do Bem e do Mal, ao longo de escalas que nos empurram de comportamentos inertes, suaves, moderados, até, eventualmente, aos limites da bondade ou da maldade, alternado, consecutivamente, entre os pratos da balança, entre o avançar ou o recuar do lanço do baloiço.

Após reflexão gerada na tomada de consciência deste ondular entre os dois lados opostos, que vai ajustando o equilíbrio possível de uma experiência de vida, e deitando mão a um punhado de anotações, reuniu-se a panóplia de perceções e sensações, escritas e acumuladas sobre esta temática, germinadas de forma espontânea na natureza humana do sujeito que aqui as liberta,  ponderando a sua forma de estar em reação às circunstâncias que o enredam nas métricas morais e éticas, do correto e do incorreto, do acerto e do erro… enfim, sobre os dilemas da empatia emaranhada entre as “forças” do Bem e do Mal.

A jeito de rescaldo, parece-me que não somos absolutamente puritanos, virtuosos e “santos”, assim como não seremos obcecados paladinos do errar, da incorreção, ou “pecadores”. Cada um de nós, por força das suas vivências, encontrará nos cambiantes dos opostos a medida, a realidade… a verdade, assumida (ou não).

Aqui, descerro os portões para a catarse que medita alegoricamente na simbiose entre as recaídas e as reabilitações do ser-se humano, na vida… que narra a (des)contrução do ERRO.

Que alenta a esperança no ensejo de ressuscitar sem morrer.

 

Nota: esta será a Introdução (provisória) de um - eventual - novo livro. O “4”. Com o provável título “O ensejo de ressuscitar sem morrer: parábolas e rezas na transumância entre o Bem e o Mal”, e dividido em três partes (ou capítulos), interligadas:

Os ciclos da (des)construção do Erro

1 – A consciência do ERRO: esconjuro da obra do Mal

2 – A redenção ao ERRO: louvar e honrar o Bem

3 –A recaída no ERRO: o eterno retorno ao Erro

 

A ver no que dá…

 

Jorge Pópulo

Maio de 2023

[editado em junho de 2023]

música: Love will tear us apart
publicado por ANDARILHUS às 19:08
Quinta-feira , 09 de Fevereiro DE 2023

(Princesa) SARA!

 

princesa-voadora-contos-e-lendas-princesas-pintado

https://galeria.colorir.com/contos-e-lendas/princesas/princesa-voadora-pintado-por-laila-1009244.html

 

Num jardim encantado,

Lá, no Mundo da Fantasia,

Uma linda Princesa

Dança um belo sonho alado

Soltando fragâncias de alegria

Em movimentos de inerte leveza…

 

Nas voltas de muitos tempos e idades,

Nos ilimitados espaços e cenários

Da sua expansível imaginação,

Já foi fada de bondades,

E bruxa de ingénuas maldades…

Já entoou algarismos e abecedários,

E coloriu zebras e canários…

Já foi unicórnio e tímido dragão,

E fez recruta na Guarda do Leão…

 

Veste-se de muitos nomes e personagens,

E, cândida, diz que é a fingir!

Mas, na sua graça de criança,

Multifacetada e curiosa (como a Vida!),

Aprende a fazer pontes e juntar margens,

Para o saber em experiência cingir

Enquanto solta o sonho que dança

No jardim que lhe dá guarida…

 

Sara

“Pequenita” de envergadura,

Gigante de lindo coração.

Cresce como robusta espiga

Em ondulante seara,

Afagada pelo vento, que em doçura,

Nos faz sorrir e surpreende com emoção!

… ai rapariga, rapariga!!

 

Para a minha “pequenita” SARA,

Em homenagem a esta fase de transpor entre margens…

 

Jorge Pópulo

2021.07.01

publicado por ANDARILHUS às 07:52
Domingo , 13 de Junho DE 2021

A recusa de Lázaro [por desgosto...]

Lazaro.jpg

Retirado de: https://www.inovavida.com.br/licoes-sobre-a-morte-e-ressurreicao-de-lazaro/

 

Avançavam as horas e não havia argumento que o movesse… - Levanta-te e sai! – replicara, com doçura, Aquela Voz.

- Para quê!?... – entoou o eco grotesco de dentro do sepulcro. – … para ressuscitar no meio de hipócritas, intrujões, calculistas, vigaristas, burlões de sentimentos, manhosos, sonsos… gente que vai ao templo, ora, dedica-se a Deus, e depois, pensando que Ele não está atento, faz o contrário de tudo o que se comprometera, como qualquer vulgar impostor

E de novo, a Voz Tranquila insistiu: - Vem Lázaro, regressa ao sopro da vida que te devolvo! Vem para junto dos teus irmãos, que aqui te esperam. Espreita, vê os que anseiam por sentir novamente o calor no teu corpo

- Querem de volta o ingénuo, para escarnecer, manipular, zombar, ludibriar?! Terei mesmo de dar a outra face, o pouco que resta do meu próprio respeito, as últimas réstias da minha personalidade, do meu caráter?! – crescia o tom, mas diminuía o eco espesso das palavras, denunciando um aproximar da saída da gruta mortuária.

Acontecera o milagre a Lázaro, mas, ao êxtase da multidão que assistia, sucedeu-se uma perturbação inusitada de ainda maior estupefação: o ressuscitado insurgia-se em negação quanto a voltar à vida… Deus oferecia-lhe a maior preciosidade do Mundo; o desgraçado teimava em recusar a dádiva!

Envolto nas ligaduras de linho, surgiu alvo sob o arco da entrada do sepulcro. Já não emanava o cheiro da putrefação inicial e mantinha-se numa postura vigorosa. Apontou para a multidão, com o braço envolto no tecido:

- Ali vejo quem - qual aprendiz do teatro romano - encenou ser quem não é, para conquistar a minha confiança. Enredou-me, e logo que deitou garras à presa, despiu a túnica do embuste, mostrando-se na sua real falta de virtude. Vingou o seu esquema e abandonou-me. Mas o sabor de vitória é pouco duradouro para esta gente predadora: passei a ser apenas mais um troféu, na sua imensa prateleira. O gozo está sempre em continuar a enganar novas vitimas…

- Mas, Lázaro, todos pecamos… - Tentou, com ternura, antecipar-se a Voz.

- Logo ao lado, feito da mesma argamassa, outro que se dizia com fome de atenção e cuidado. Quanto mais lhe prestava auxilio e companhia, mais ele fingia o que o afligia, para depois troçar satisfeito quando se escondia e procurava os prazeres da vida!

Fez uma pausa, para continuar logo de seguida: - Também próximos, outros que vivem de esquemas, para conseguirem dinheiro fácil, de todos nós, e sustentarem assim os seus vícios…

Encostou-se ao arco. Já com o corpo mais curvado e a cabeça pendente para o solo: - Eu só queria uma vida simples, justa com o divino e com os meus semelhantes, respeitando as leis dos Céus, da Natureza e do Homem. Trabalhar, formar uma casa, cuidar dos outros, participar na comunidade. E, nesta retidão, julgava-me digno de receber em reciprocidade o Bem fazer. Aos poucos, apenas me embrulharam, lentamente, nesta mortalha. Roubaram-me os sonhos; desisti de tudo o que me dava alguma alegria e gosto.

- … Lázaro, na nossa compaixão e amor pelos outros, devemos perdoar. É este o maior ensinamento que o Pai nos quer transmitir! Há sempre uma oportunidade para todos. Vem! Sai e abraça os teus amigos! Tens um novo recomeço pela frente, por glória do Pai!

- Não posso… Não consigo… Percebi que estava a ficar como eles, fraco, corrompido e com maus intuitos. Apanhei-me a mentir a mim mesmo; a convencer-me que o Homem é mesmo assim: sempre em despique, em conquista, sem honra e sem limites do bom senso e do bem querer… Senti-me desprezível e morri, primeiro por dentro e finalmente no corpo.

- E o milagre? A ressurreição? O exemplo para estes que aguardam? Vais contrariar a obra de Deus? – perguntou serenamente a Plácida Voz.

- Não quero ofender a Deus ou a Ti. Porém, declino a nova vida que me ofereces. Para mim, o milagre é a morte. E, através dela, não ser mais um a perdurar uma existência que conspurca a Vida e a Natureza. Talvez, algures no tempo, venha a surgir uma geração que mude este destino fatídico e estabeleça os verdadeiros desígnios do Ser Humano. Aí sim, devem ser encontrados os exemplos, pois o Reino de Deus descerá à sua origem, na Terra.

Lázaro, acenou em despedida e recuou para o interior da cripta, decidido a cumprir a sua morte. Pensava que, se o seu espírito tivesse de ressuscitar, então que reencarnasse noutra época, em tempos e lugares distintos daqueles que conhecia.

Compreensiva, a Voz, sempre no mesmo timbre pacífico e cordial, pediu que rolassem a pedra e selassem o túmulo de Lázaro. Afastou-se, arrastando consigo a multidão num silêncio de exéquias, enquanto sussurrava ainda com maior doçura: - Em breve estaremos juntos, meu querido amigo…

Jorge Pópulo

XIII : VI : MMXXI

 

publicado por ANDARILHUS às 18:10
Quinta-feira , 24 de Setembro DE 2020

Leva-me Para Longe de Mim!

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https://www.pinterest.pt/pin/777715429377051049/

 

Agora que navegas por minhas veias,

Agora que saltitas em meu peito,

Após aquietares minhas defesas

Após despertares as minhas lidas

Semeia raízes dentro de mim, e sente

Que em meus pensamentos te enleias;

Que em meu cuidado tens leito.

E descobre as feridas em mim presas,

E descobre as mágoas em mim retidas...              

 

E assim, na escarpa dos meus vazios,

Resgata-me do abandono,

Descrava-me da cruz solidão!

E, por um sereno instante,

Entorpece o tempo em fero sono,

Para me reencarnares no feitiço da paixão!

Puxa-me para uma existência distante,

Leva-me para longe de mim!

 

Depois de saberes as cores que dou à amizade,

Depois de tocares os meus tesouros sagrados,

Já acompanhas o ritmo do meu coração

Já estremeces com meus tremores.

Infiltra-te no meu ser, e pressente

Que em meus olhos não conto idade;

Que em meus braços há carinhos alados.

E sacia as tuas “fomes” em meu mel e pão;

Alivia os teus céus grisalhos em meus fulgores!

 

E assim, na escarpa dos meus (teus) vazios,

Resgata-me do abandono,

Descrava-me da cruz solidão!

E, por um sereno instante,

Entorpece o tempo em fero sono,

Para me reencarnares no feitiço da paixão!

Puxa-me para uma existência distante,

Leva-me para longe de mim!

 

A companhia não se procura, encontra-se…

Por um sereno instante,

Entorpece o tempo em fero sono,

E, leva-me para longe de mim!

Leva-me para longe de mim!

Jorge Pópulo

XXIV : IX : MMXX

publicado por ANDARILHUS às 21:48
Terça-feira , 04 de Agosto DE 2020

CinderEla

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https://pt.wikipedia.org/wiki/Cinderela#/media/Ficheiro:Offterdinger_Aschenbrodel_(1).jpg

 

(toda)

Ela

É empatia grafitada em tela

De sorriso imaterial,

Que dança sensual pelos dedos,

Luminoso, maduro, mas de petiz!

Ela,

Tem têmpera “selvagem”,

Indomável,

Que se escapa da mão,

Esguia, felina, cautelosa.

Ela

Quer calor, um coração na lapela,

Um afago de brisa espiritual,

Um amigo para os medos.

Quer resgatar o amor aprendiz…

Ela

Quase se sente com coragem,

Para se dar ao fado, afável.

Solta a gata, prende o cão,

Encasula a mulher receosa!

Ela

Deixa arejar a capela,

Do altar faz mesa comensal,

Cria sonhos, desfaz enredos…

Sim…

Ela quer reinventar o ser feliz…

 

Jorge Pópulo

IV : VIII : MMXX

publicado por ANDARILHUS às 18:19
Sexta-feira , 16 de Março DE 2018

Galga Courelas em livro! 3ª Parte: Courelas de floração e de fruto. (2)

 

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 Guarda-me em teu beijo

 

Espera-me com flores

Quando eu te visitar,

Deitada em nenúfares

De seda carmim,

Presenteia-me de amores

Em suave esvoaçar.

E sempre que eu te procurar,

Tenta-me encontrar,

No encalço da tua intimidade.

Despida de cautela ou sensatez,

Abraça-me de enfeitiçado luar,

Desnuda a inocência do meu esgueirar,

Atrevido e de dissimulada timidez.

 

Espera-me em leito de rosas!

Chegarei a sussurrar

Trovas de bem-querer

Baixinho, bem perto, a arfar

Em tuas orelhas formosas.

Guarda-me no teu beijo,

Em baile de sensualidade,

De gestos suaves, imateriais,

Fugidios das mãos ladinas

Libertos de cansada solenidade.

Acerca-te do meu deambular

Ritual, peculiar,

E, assim próxima,

Guarda-me nos teus lábios,

Com o travo de terra e mar

De afogueado desejo,

Por ondas de doce embalar,

Por relevos de adágios.

 

E mesmo quando apartado,

Já cá estou, tão perto

Que não sei onde acabas tu, onde acabo eu…

Cintila a ternura com o afago a iluminar

O escuro da reserva, o negro da solidão;

Há uma luta de paz, um cativeiro aberto.

Derrubam-se muros, constroem-se pontes

Sem contar minutos, sem cansar.

Não me esperes mais,

Sou teu

Em permanente chegar.

XXX : IX : MMVIII

Jorge Pópulo

 

 

Disponível em https://www.artelogy.com/pt/store/jorge-pópulo-galga-courelas

E também em Ebook em https://www.artelogy.com/pt/store/galga-courelas-de-jorge-pópulo

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Boas leituras!

publicado por ANDARILHUS às 07:53
Segunda-feira , 12 de Fevereiro DE 2018

Galga Courelas em livro! 3ª Parte: Courelas de floração e de fruto.

 

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E Tu…

 

Tu poderias ser

A minha verdade irrefutável,

O momento melhor do sonho

O descanso da vigília cansada.

Tu poderias ser

O prolongamento da minha vida,

A extensão da minha presença

A expansão do meu pensamento.

Tu poderias ser

O meu mundo inalienável,

Puzzle de peças que componho,

A Via Láctea envernizada!

Tu poderias ser

A minha escolha de lida,

Sorriso aceso no luto da doença!

A preguiça saborosamente lenta…

 

Tu poderias ter sido

A raiz de todas as minhas verdades

O sonho nunca acordado.

Um acaso sempre servido,

A tempo de todas as idades,

Em manjar a dois, pelo amor temperado…

 

Tu poderás ser

O tanto que já és para mim: O Tu­_do remanescente…

XXIII : V : MMVIII

 

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Boas leituras!

publicado por ANDARILHUS às 07:54
Sexta-feira , 19 de Janeiro DE 2018

Galga Courelas em livro! 2ª Parte: Courelas de lavra e sementeira.

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A culpa sublime

 

Sim, mea culpa…

Moldar a realidade

Pelo feitiço da utopia,

Deixar a crueldade

Aveludar na fantasia

Como as dores da idade

Em panaceia de óleos e mimos

De profecia propícia.

 

Sim, já fiz de tudo

Para esconder

O que não quero ver;

Para inventar

O que não existe.

Fico mudo

E estático

De tanto gritar

De tanto correr,

Por campos fecundos

De maleitas que dão saúde

De desertos que são nascentes cristalinas

De aleijões que dão virtude

De insípidos pântanos que são salinas.

...De tanto libertar o paraíso na Terra…

 

Sim, mea culpa…

Acreditar na revolução

Do universal amor

Na elevada solução

Da verdade nua remendar

Com os tecidos da mágica

Ternura do labor

De novo mundo idealizar.

 

Sim, suspirei por empenho

Sempre esperançado

Por te encontrar

E não te perder.

Da vida,

Tracei florido desenho

E, como Quixote alucinado,

Arquitectei pórtico para entrar

No teu abraço, e nele colher

Os afectos com que me saudaste

Sobre a colina do meu contentamento.

 

Sim, mea culpa…

A cegueira, a sede, a precipitação.

A tolice da credulidade

De poder atar a felicidade

Com o cordel de balão

Que nos acompanha,

Esvoaçante sobre nossa aura.

A ingenuidade não é pecado;

O sonho não é delinquente:

São, afinal, obras solitárias

Que criam rugas, e olhares perdidos.

Estou cansado, estou velho,

De me enganar, de fugir.

 

Sim, entrego-me!

Ao juiz de toda a gente

Confesso o disparate

Desta minha culpa … sublime.

XXVIII : I : MMX

 

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publicado por ANDARILHUS às 07:47
Quarta-feira , 03 de Janeiro DE 2018

Galga Courelas em livro! 1ª Parte: Courelas daninhas e de pousio

 

Jorge Pópulo_capa jpeg.jpg

Remos de vida por mar inóspito

Em deriva segue o batel

De remos caídos

E velas quebrantadas…

Sente saudade do flúmen de pêssego e mel,

Dos alentos de terra e das margens aveludadas.

Embalado em tempos idos,

Mais se desgoverna nas ondas de ouriço,

Acossado por ciclones de vespas feras:

Vem bruta a chuva de cascalho graúdo,

Violenta sobre o casco já açoitado

No ricochete das águas em rebuliço…

Afeito, contorna as traições do seu mundo,

O revés movediço,

Vai fintando o mar furado

Que o seduz até ao fundo

Até ao fim…

Segue em abafado gemido,

De gonzo e pranto,

Gingando, apertado, em esgar fugido

Das voltas tentaculares do fluxo ferrugento.

Na busca da saída ou de um apaziguado recanto,

Acima, avista o céu de cobre em aluimento,

Que se abate como os cravos sobre a cruz…

E ali, no vórtice do horizonte minguante,

Como no covil da lombada de um livro,

Abraçados, nuvens opacas e oceano sem luz,

Esperam-no, nas asas de anjos negros,

Para se fecharem sobre as páginas da vida do errante.

Na crista da duna de espuma malfadada, dá rosto à dor:

Seguir em frente, direito ao ardil

Ou mergulhar logo ali, no silêncio?!

Sei lá!...

Ai, a saudade do lago da (boa) fortuna,

De pêssego e mel!

E estes peixes de chumbo que me rodeiam,

Saltaricos ofensivos,

Abutres de amargura e desdém.

Vou despedir-me de infatigável escuna,

Descoser as tábuas de papel,

E afundar com os carrascos que me golpeiam

Tenazes e lascivos.

Já não vou mais além…

XXI : VII : MMX

 

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publicado por ANDARILHUS às 17:49
Quinta-feira , 21 de Dezembro DE 2017

Galga Courelas em livro!

 

Jorge Pópulo_capa jpeg.jpg

 

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"Despedida

 

Despertas andorinha, sofrida,

Naquele alvorecer,

Das ganas de abalar.

Sabes que irás…

Mas que nunca será uma partida.

Ficas no retiro do querer

Ansioso pelo chegar

Dos odores de novas Primaveras.

 

Vestes a pluma de viagem,

E, como folha dormente,

Soltas-te leve e vacilante

Pelo vento, quase sem graça…

Partes, soprada pela aragem,

Em dança de quem estará ausente.

Abafas o adeus com abraço esvoaçante

Que jamais se desenlaça…"

XXVIII : II : MMVIII

publicado por ANDARILHUS às 08:05
Segunda-feira , 08 de Maio DE 2017

Pedro: a “pedra” do carinho

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http://static8.depositphotos.com/1003747/829/i/950/depositphotos_8297367-stock-photo-red-ballons-with-the-messages.jpg

 

Ainda és flor a espreguiçar,

Qual céu a desfraldar a alva;

Ainda és Sol a estremunhar,

Tal noite incipiente a dissipar.

Porém, já em ti despontam

Juvenis asas de gaiato,

Inquietas por sorrir

Entre ventos de espírito ladino,

Imitando as ladainhas dos teus traços,

À porta do Mundo por descobrir.

Quando espraias o olhar traquino

Revelas o enlevo de pupilo

Na lição do SER com ternura,

Em cada um dos teus abraços,

Intensos no brilho do teu júbilo;

Quando agitas o espírito de catraio

Perfumas o ar de candura,

Pintas viçosos rouxinóis de alegria,

Num permanente novo ensaio,

Pelos genuínos sibilos da fantasia

De criança que faz da felicidade melodia.

Assim cresces!

Aprendendo e brincando,

Os desafios vão surgindo.

Mas tu superas, ágil,

As dificuldades e as novidades,

Sempre “malandro”, sempre rindo,

(Mesmo assustado ou frágil!)

Avançando pelos degraus de todas as idades.

E assim medras!

Nasceste de um sonho lindo,

Que em doce semente se deu a conhecer

Neste miúdo amanhecer primaveril;

A vida vais recebendo e construindo

Como fruto a amadurecer.

Mas não esqueças que afinal,

Mesmo após adormecido o génio pueril,

Podes sempre olhar atrás

E recuperar o sorriso do olhar de catraio

Na sua perfeita pureza inicial.

Pedro Santiago,

Meu querido filho,

(Como disse ao teu irmão Rafael

E direi à tua mana Sara),

É minha prece desejar que na tua existência

Haja sempre grandes desafios,

Mas nunca obstáculos intransponíveis.

Por isso,

Enquanto facultado de consciência

Será minha paixão, será meu papel,

Procurar garantir o BEM para ti

E apoiar-te na robustez das plumas

Que te sustentarão as asas das aspirações.

Cresce, aprende, estima, ama, partilha, ensina,

Com curiosidade, intrepidez, confiança e resiliência

… e sê sempre FELIZ!

 

Andarilhus

V : V MMXVII

 

publicado por ANDARILHUS às 19:52
Quinta-feira , 06 de Abril DE 2017

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