Fantasia em Sol Maior

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Aconcheguei-me nas pernas da macieira azul. Nos ramos, giravam ao vento inúmeras maçãs de cristal… ganhavam cor ao sol. Ao sol das pestanas longas, de braços abertos e com a manápula fechada sobre a cauda de um grande sombreiro de sorriso remendado, para se cobrir dos raios da escuridão.

 

Deitado a seus pés, meditava. O cérebro aberto e arejado pelos comboios eólicos das ventanias narradoras acolhia, em eco, os salmos da tradição. O pujante atlas litúrgico do dom divino do Homem entranhava-se na carne e exalava melodias em timbres bucólicos, pela voz muda do pensamento.

 

A nuvem maior, no alto, molda-se à ideia que sacode os tabus.

Esquecer os farrapos dos passados, nos estendais de secagem até à sua total desidratação; Não te exigir a esfera da perfeição e aceitar que tenhas cantos e arestas, mais ou menos afiadas; repousar da vigília na atalaia do sempre absolutamente correcto e prevaricar em ternura….

Tamanha é a paz que, como gás inebriante, cala os fantasmas do desatino, rasga as asas das moscas da represália e adormece para sempre os beijos dos castigos enfeitiçados.

 

Sorrir e respirar fundo. 

Vejo a Lua Cheia no toldo que segura os astros. Como é bela! Deve albergar as mais delicadas flores de safira e turquesa… Quando me levantar do macio amparo da macieira, vou pelas escadas de nuvens, colher aluados ramos perfumados de odores cósmicos. Pelo caminho, trago algumas estrelas, velas para a mesa do repasto do nosso encontro, ao fim do dia, ao fim da noite.

Ajuda-me. Ajuda-me a que, quando me levantar desta macieira encantada, me acompanhe a sombra dos seus frutos mágicos, de poções de felicidade e esperança. Apoia-me na decisão de alcançar os mistérios da Senhora dos céus e te traga o enxoval do futuro…

Diz-me que não foi nem tempo nem espaço que nos uniu. Diz-me que foi um destino sem relógio ou latitude que nos fez juntos e tão singulares. Que foi, tão simplesmente, aquilo que sempre deveria ter sido, aquilo que em todo o lugar deveria ter acontecido… Apenas nos atrasamos um pouco no tempo dos anos; apenas nos desencontramos um pouco na geografia da vida…

Diz-me que teria sido assim se, outrora, tivesse eu a tua luz nos meus olhos e, deitado contigo sob a frescura de jovens maçãs de cristal, tomasse o ensejo de esticar o braço ao firmamento e recolher, da madrinha do nosso querer, um ramalhete da mais pura promessa de amor, em lírios de caule turquês e pétalas de safira…

Apascenta os meus ouvidos pelos prados da alegria: fala-lhes que o hoje seria ontem e o amanhã é um espreguiçar do hoje.

 

Vou-me erguer. Tenho uma escada de nuvens a percorrer…

Andarilhus "(ºvº)"

II : VIII : MMVII

música: Love and Rockts: Wellcome Tomorrow
publicado por ANDARILHUS às 17:57