Grão de Pó; Fermento de Vida

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… O Pó alguma vez assenta? – Perguntam-me. Respondo: sim, mas de forma fugaz e fragilmente. Estamos submissos a poeiras e produzimos os nossos próprios pós, incessantemente e com um prazer inveterado e cego… ao encontro das tempestades de areia… por vezes já avisados, mas propensos ao risco e ao flagelo…

 

“Do pó se ergue para no pó jazer

 

O pó...,

Conserva a memória no espaço fugaz do tempo.

As lembranças, irrequietas, despertam de sono profundo;

Saem de casulos celestes, sedentas, de volta ao mundo!

 

A noite, em consolo, deflagra os dias do passado.

O pensamento solitário revê-se em feliz companhia.

Mexem-se os membros em vã tentativa de alcançar o sonho,

Insinuam-se gestos e intenções de nova fantasia!

 

Encontra-se o objectivo sem objecto, auto-sugestionável em realidade virtual,

Revoltado e descrente no destino abençoado do Homem:

- “Outrora prometias-me que nunca me deixarias entregue à solidão,

E, agora só, questiono-me se terás alguma vez existido!...”

 

Porém, apagada para a verdade, a luz iluminava o vácuo da alma.

Forte era a energia que alimentava a tocha sagrada.

Mas quanto mais intensamente explodia em brilho,

Mais estremecia bruxuleante com a visão da passagem do vento da mudança...

 

Desfalecia, rendida, a singular chama, possessa por sua crescente sombra.

A dor, como toupeira, cavava às cegas um buraco sem fundo,

Em fuga, desesperava pela passagem para uma diferente dimensão da realidade.

Já não sentia o corpo, procurava apenas libertar o espírito do perverso mundo.

 

Num estrebuchar final, a raiva do trovão esventra o campo florido.

Quando a cor e o perfume ainda se acreditavam eternos,

Folgavam de vida na serenidade do vale do tempo suspenso.

Ingénuos, sucumbiram à fúria de um amor falido...

 

A tristeza incontida nos pulmões da brisa pacífica

Mortifica-se então na força destruidora dos demónios de um tufão.

Esvazia-se o peito da terra em cadavérico corpo, após a visita terrífica!

Da água nasce a estéril semente da desertificação...

 

E nova vida deve recomeçar do pó...

 

 

XXVII : VIII : MCMXCVII

J. Pópulo”

 

Andarilhus “(º0º)”

IX : X : MMVII

música: Fields of The Nephylim: Dust
publicado por ANDARILHUS às 17:25