Quarta-feira , 31 de Maio DE 2006

Dedicato

Dedico te meo verbo...

… E sempre a Primavera destrona o Inverno…

O degelo lava as cinzas escuras, trespassadas de marfim aqui e acolá, acumuladas no escano da sonolência embargada. Pela obscuridade buscam-se as lajes da saída, abaixo do tapete de pó.

Não! Há que despertar, limpar as teias e afugentar os frios caprichosos e enfadonhos que pintam as paredes do abrigo. O tecto vergara tanto com a rigidez e o silêncio da cobertura de neve, que quase se desbaratava ao encontro da tundra afiada do chão. Mas aguentou, solene e inflexível!

AREJO! Abrir as janelas do EGO, atear a circulação de novas ventanias de convicção e projecto. Libertar o cativo da sombra bruxuleante hirsuta e do feitiço do cerco da censura.

E, num primeiro puxar da pressão da fisga do movimento, espreitar pelo postigo da choupana, encarar a pigmentação da vida: SIM, há o verde dos desejos futuros; há o azul dos mares de fado; há o vermelho da força da coragem!

Um trago de audácia e intrepidez para enganar o receio e a incerteza. Rola a maçaneta da porta e ouve-se o praguejar dos gonzos pelo repentino espreguiçar, após tão longo período de inércia.

O primeiro passo para o exterior é tímido e sofre da angústia do assalto da traição. Todavia, a brisa é suave e convidativa. E há som! As musas tangem afoitas melodias que apelam à predominância dos sentidos. Experimenta-se o eco…

A erva fresca já absorve os passos, lentos, mas firmes. As articulações da alegria começam a estalar a empedernida cobertura do desânimo. Arroja-se a mais um e mais um e, rapidamente, assome-se o prado da cornucópia da fortuna. Rasgam-se as vestes soturnas e abrem-se os braços da DEDICAÇÃO para o enlaço com o ente que nos reconduz à felicidade.

Tomamos a senda da ventura, aceitamos algum acaso mas apostamos tudo no companheirismo. A Primavera renova o círculo do virtuoso cavaleiro das novas odisseias: tanto a descobrir, tanto mundo recente, tanto a sentir!

Agora, sem tornar o olhar para o ponto de êxodo, ouve-se a ruína do cárcere; já não há opressão nem asfixia. Amanhe-se o trilho, porque eu vou galgá-lo com rijas e rápidas passadas… já não há véus que me escondam o horizonte…

 

Quando se falha a direcção do trilho, do monte ou da vida, é prudente voltar atrás na busca do ponto do erro e do engano, ou, respira-se fundo, e arriscamos um corta-mato ao encontro do que a sorte nos propuser?

 

XXXI V MMVI

Andarilhus “(º0º)”

música: The Days of Wine And Roses (Dream Syndicate: Live at Raji's)
publicado por ANDARILHUS às 17:55
Sexta-feira , 19 de Maio DE 2006

Ecce Homo

“Cristo precisa-se: mais 2000 anos de auto-(di)gestão falhados!

 

A TOLERÂNCIA, afastada ostensivamente para a zona proibida, vagueia na imensidão do reino das nuvens marginais, escorraçada e exilada pela ganância do mundo. Faz-se acompanhar pelo AMOR e pela SOLIDARIEDADE inibida.

Do alto observam a sua ausência entre sujeitos pseudo-normais, contemplando o formigueiro humano que lá no fundo labora cuidadosamente em prol da auto-aniquilação, sadicamente discutida ao ritmo do progresso.

Porém, entre o frenesim alvoroçado, facilmente se pode assinalar um último, longo e denso fôlego da paixão, que se espreme e serpenteia como um expresso entre as montanhas do MAL.

Descobrem então que no vale da (falsa) alegria ainda corre um regato de amargura transbordante pelas lamentações das pesadas consciências que em esforço carrega sozinho.

A sua corrente dolorida (que a esperança pouco alivia) arrasta mágoas de sangue, lágrimas de fel e todas as emoções acalentadas pelos carinhos violentos colhidos no seu tortuoso CAMINHO. No seu leito há muito que pedras asperamente abrutalhadas substituíram os seixos delicados do principio afeiçoado…

O ânimo que o alimenta é agora um abismo sem firmamento onde, pela extinção dos escrúpulos e da misericórdia, são abafadas as poucas boas recordações de um longínquo passado, sempre presente na lembrança do forçado esquecimento!

Os seus gritos gemem surdos na inércia dos ponteiros.

E o TRILHO que em vão ilumina já não o pode escutar, absorvido que está num silêncio ainda mais denso.

Ingenuamente pergunta-se quanto faltará até cruzar os portões altaneiros do PARAÍSO, puro mar-eterno, sonho que almeja alcançar depois de tormentoso sofrimento imenso.

Contudo, ignora que foi secretamente eleito como oferenda, a imolar aos CÉUS, pelas tentações e fraqueza humana.

Inevitavelmente, o seu dorso selvagem suportará todo o peso da ira divina. Sem possível salvação e como sangue de purificação, será infindável LENDA, memória viva da decadência da imagem de DEUS na sua existência mundana, vergada, avassalada ao senhorio do egoísmo, fonte da sua SINA.

O eterno descanso apresenta-se perante o regato condenado, como uma imagem de fumo que se dissipa e esgota no bafo podre do negro quadro que lhe serve de moldura.

E assim, o destino de mais uma espécie aproxima-se do clímax profetizado, anunciando-se já o julgamento do HOMEM por aterrorizante som da trombeta de onde brota a chegada do misterioso juiz que, alheado da sua essência tolerante, punirá sem brandura…

Jorge Pópulo MCMXCIII”

A grande travessia, a grande caminhada do HOMEM é na busca e ambição da sua projecção para as capacidades e poderes reconhecidos às entidades divinas, ou deve ser, antes de mais, na perspectiva da realização cabal do HUMANISMO e na crição de uma verdadeira HUMANIDADE?

XIX V MMVI

Andarilhus "(º0º)"

música: Don't Fall (Cameleons: "Script of the Bridge")
publicado por ANDARILHUS às 17:50
Terça-feira , 09 de Maio DE 2006

Fides

Fé e apreensão.

Eis-nos chegados a novo porto de marasmo...

Já não somos guia nem companheiro. Perdemos os sinais e olvidamos os conselhos dos sábios da orientação. Num último suspiro de boa-vontade, atracamos para não afundarmos irremediavelmente. Paramos o relógio e destronamos Cronos dos dias que passam sem se contarem ou sem terem algo para contar. Afinal, não atracamos… encalhamos.

Mas, a vida é um soltar amarras em busca de novos mundos ou novos espaços onde cresça o nosso mundo. É a busca pelo altar onde possamos afeiçoar os nossos sonhos, com os entusiasmantes odores dos incensos da fé e da esperança.

E, de repente, a revolta! Abalam-se os dEUSES convencionados e as instituições que se dizem BOAS. Cortam-se as correntes e soltamo-nos do comodismo, do sentimento de segurança e do ostracismo interior. Arriscamos perder o muito ou pouco que temos por uma mão cheia de nada, mas possante na vontade de agarrar o futuro pela cintura e entrar na dança do destino. Acreditar que podemos guiar, por felizes momentos, os passos do nosso incerto parceiro de bailarico; vislumbrar prospectivamente os rumos pelo salão de baile; evitar a colisão com os outros pares… enfim, movimento pungente contra a inanição e o tremor dos fracos.

Inflamam-se as velas das nossas entediadas naus: é tempo de arrebatar as âncoras à opressão do manto fundo de coral lodoso e abrir caminho pelo labirinto do ancoradouro do descontentamento.

A PARTIDA para nova senda esgrime os argumentos da sobrevivência do SER, porque há mortes e MORTES e um corpo sem espírito é tão impotente como um espírito sem corpo, na condução dos passos da VIDA!

Sim, no limbo dos portões da memória silenciosa, aguardo o chamado sagrado para regressar ao trilho que deixei lá trás, esquecido sob o pó do deserto, coberto rapidamente pelo Alísio voraz e de gadanha em punho.

Falta apenas o elemento de ignição, a chispa que ateie os sentidos e o querer… já não falta tudo.

Na LARGADA, abandona-se o lastro residual, expurga-se a alma do entulho que a afoga; inala-se a energia da aurora e descobre-se novamente o calor do SOL.

É só um passo ao lado, de volta ao jardim do gosto pelas coisas que nos acalentam as passadas. Sempre ali esteve à nossa espera… que distraídos somos e como nos enganamos com quimeras balofas para não descansarmos o olhar sobre o que verdadeiramente importa. Reforça-se o TEMPO de ter FÉ, de coligirmos os nossos haveres mais preciosos, de abrir novas cartas de marear, de repor a bússola no lugar de onde nunca deveria ter saído e retomar os trilhos da descoberta! SAIBAM CAMINHAR…

IX V MMVI

“(º0º)” ANDARILHUS

música: The Ship Song (Nick Cave: "The Good Son")
publicado por ANDARILHUS às 17:49

BI

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