Proscrito

A ara do pulmão no centro do corpo...

Proscrito

Não quero pensar…

Pensar come-me as horas

E o ar.

[Quero respirar]

Rói-me as escoras;

Dá-me mais cansar.

 

Será que quero amar?

Sei que me fiz assim,

Para me entregar

Por horizontes sem fim,

Para poder respirar

E trazer até mim

A fé no acreditar.

 

Acreditar, sempre me sustenta o ser

Em frágil aguentar.

[Sem deixar de respirar]

Quando tudo está a acontecer,

Tanta incerteza por depurar.

 

Será que quero amar?

Não me conheço de outro modo

Senão o risco acariciar,

Da nata até ao lodo…

Para poder respirar

E manter-me num todo.

 

Outrora topei o pensar!

Alimentava as horas

Com tanto que havia a sonhar.

Suprimi o ar

Do respirar…

Num pântano ergui escoras,

Ausente de me preocupar.

 

Será que já amei?

No meu reduto neguei a diferença;

No meu quarto cerrei a janela

Do desencanto.

Porque, então, não me soltei?

Tão tarde desfiz a crença

E dei folga à sentinela,

Para libertar as águas do pranto…

 

O tempo passa.

E é sempre tempo

De agarrar o dia,

Arejar a fumaça

E atiçar os carvões do movimento.

No amor tenho a ousadia

De respirar

A esperança no eterno.

Resta-me muito ar,

Que ainda conservo

Bem guardado no pulmão…

…do meu coração!...

 

J. Pópulo

XXVI : VII : MMVI

música: The Cure: "A Forest"
publicado por ANDARILHUS às 08:42