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…mesmo os relógios com os ponteiros parados têm a hora certa, duas vezes por dia… há muitas horas, muitos dias que se repetem… mesmo, na nossa vigília mais firme, o coração atraiçoa-nos. Não por masoquismo, mas por crença que da próxima vez será diferente… Penso continuar a deixar-me cair nesta doce traição. As mágoas, essas, abafá-las-ei, se necessário, em sortilégios escritos, bem conhecidos e medrados num peito já curtido pelas inconstâncias climáticas da experiência humana: depois da tempestade, a bonança…
“Espectro
Na parede, a mancha espreguiçada do luar
Lograva esconder a dor camuflada na sua sombra.
A alma, em fuga, refugiava o pensamento no céu.
Mais obscuro do que a noite, o seu intento perscrutava com o olhar
Além, bem mais longe do que a avassaladora distância da penumbra:
Premeditava-se condenado à condição de réu!
A praga conquistava-lhe, com paciência, as entranhas do corpo;
A maldição tomava, com gula, posse da sua vontade.
E, consumido pelo fogo terrível da herege paixão,
Vergava-se lentamente ao desejo do destino perverso,
Enlouquecendo, golpe a golpe, pelos inebriantes acordes
Do enfeitiçado coro de sereias do mar da ilusão.
Convocados todos os demónios para o mitológico festim,
Apertava-se o cerco tenaz, embargando implacavelmente
Qualquer esperança de conhecer a luz do amanhecer seguinte.
A justiça sumária com simpatia oferecia o cálice do fim.
A morte, em prévio triunfo, brindava silenciosamente.
Lúcifer, cobiçador, humilhava-se à máscara de pedinte.
Perdido em conjurado tempo; prisioneiro em inóspito espaço.
Algures na corrida da fuga esvaía-se a liberdade,
No horizonte convergiam as grades da escuridão.
Inspirava o ar dos tormentos, forçando o rejeitar do cansaço:
Sem as revelações do seu deus, como saber a verdade?
No peito abafava o sino da misericórdia, na mente afogava a lamentação.
Era já o campo de batalha conquista da pérfida derrota.
Mas, rendido seu suserano pelo ataque traiçoeiro da tristeza,
Tombado por terra, despido de todas as vestes da honra,
Resistia ainda em solidão o bravo vassalo,
Que armado do mais negro vazio, cintilava nas trevas do combate,
Negando a custo o conforto da entrega, para afoguear a violência da peleja!
A cada embate, medonha crescia a noite. E no desespero, exortava por um sinal.
Ergueu-se decididamente a lâmina sedenta por talhar o último suspiro.
Quando de um rasgo do firmamento surge a aurora do santuário:
Entre as estrelas demarca-se uma constelação, em majestoso debruçar
E, na venial façanha, resgata o valoroso guerreiro, no dorso de um cometa
Oferecendo-lhe o retorno para entre os seus, no reino dos amores...
XXII : VI : XCVII
J. Pópulo”
…haverá sempre uma solução? Ou haverá um dia em que nos rendemos de vez?
Andarilhus “(º0º)”