Via Gratiae
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… O muro… o muro afinal é tão baixo... Ao longe parecia tão intransponível para a minha capacidade de impulsão…
Voava o estorninho pela cálida e plácida onda de brisa da avenida dos plátanos. Na rotina do planar sobre os mesmos costumes, os mesmos hábitos, deixava que a chuva caísse tanto no terreiro, como também no seu humor: - “Que dia chato! Que tristeza esta água toda. Não podemos andar à vontade, de pena seca e bico enxuto! E esta vida? Que caldo sem sabor, que parede descolorida… aí, como os dias custam a passar…”.
A passar para quê?!? E porquê?!?
Porque damos e quando damos importância às coisas? Certamente, quando não estamos seguros de as ter sobre nosso domínio ou ao nosso alcance… Não é raro esquecermos o valor do que compõe a nossa consciência de vida, a todos os níveis e em todas as dimensões da nossa existência, quando as colocamos na aligeirada ignorância de as considerarmos garantidas… e eternas!
E quando um vento destabilizador surripia o equilíbrio e a escolha de direcção ao voo do estorninho, a ave acorda da sonolência vegetativa para, decididamente, se agarrar ao futuro dos dias, que se afastam pelo bruxulear das cores do receio e do sabor do incerto. Desaparece o tédio e substitui-o a algazarra das penas desordenadas e o bico queimado pelo arfar ressequido do inesperado e do amargo!
Agora não plana, bate com sofreguidão as asas, que lhe parecem poucas para se suster no ar; Luta até à exaustão para se aguentar, a cada dia, em nova passagem pela avenida. Até já se deu conta dos plátanos! Sempre ali estiveram e nunca os admirara…
O vento coloca o animal à prova! Espicaça a sua vontade, espreme-lhe a força e a coragem. Lufada aqui, lufada ali e mudam-se repetida e repentinamente as trajectórias, os sonhos… a deslocação das aspirações, ascendentes e descendentes, da vida… E cada dia deixa de ser cópia do anterior. A surpresa e a novidade cadenciam as alvoradas conquistadas paulatinamente.
Porém, quando o estorninho, em novo suspiro, pragueja contra o infortúnio e o tumulto que se apossou das suas viagens pelas marés das nuvens, inflamado contra as ventanias do destino, abeira-se, em curto descanso no regaço de uma árvore acolhedora, de uma borboleta padecedora das mesmas intransigências da fortuna. Afinal, outro ser, com recursos bem menores e asas de intervenção muito mais frágeis, suporta como ele as agruras dos desafios e das vicissitudes afectas à existência. Nos delicados leques da borboleta, o estorninho descobre, enfim, a verdade no mistério da vida: Por muito tristes que estejamos com as nossas circunstâncias e as nossas experiências, temos sempre a dádiva de podermos saborear o pouco que temos e de termos ânimo para lutarmos pela melhoria daquelas!
A vida deve ser levada sem desprezo pela sua temporalidade e sem desperdício de qualquer um dos seus momentos. A existência e tudo o que construímos à nossa volta são para ser captados pelo máximo cuidado dos sentidos, pensado pelo coração e acarinhado pela mente.
Revejam-se…
MC, por quem és…
XXVIII : XI : MMVI
Andarilhus “(ºoº)”