Narrar et Audire II: Revelações...
A magia do conto intemporal (http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/4700.html) contínua. A viagem pelos terrenos abertos ou de floresta densa pára e dá lugar – ou tempo – às incursões em trajectos pela alma e pelo coração…
A jornada decorreu sem percalços durante os primeiros dias. O silêncio dava o tom e o ritmo aos passos dos companheiros de fortuna, que somavam, metro a metro, quilómetros de pensamentos e diálogos internos, mais ou menos inflamados. Aqui e ali, um suspiro. Por momentos, pequenos reencontros de olhares, algo dispersos, algo perdidos no vértice da paisagem, nos palmos de céu.
O descanso sobre a margem verdejante de uma ribeira acolhedora e tagarela criou o ensejo de dar voz ao desejo de expor o ardor do peito com a arte tão líquida, transparente e pura como as águas que logo próximo corriam em risos trepidantes.
Algo anormalmente intranquilo, Gondorilhus deixou fugir em timbre, finalmente audível: - “…falar que é o coração que sente, é apenas uma forma bonita de se falar nestas coisas. Mas, na verdade, sente-se mesmo, fisicamente, uma concentração de energia no peito do lado esquerdo, que, de alguma forma, está em conexão com o cérebro, provocando uma tibieza de felicidade e tristeza: Felicidade por ser o resultado de entrarmos num quadro de luz imensa, tépida e reconfortante; Tristeza porque, quando longe e ausentes, somos assaltados por uma atribulação de distância, que abana consecutivamente a nossa atenção e lança o olhar para os espaços mais longínquos do pensamento... já não estava habituado a estar assim fragilizado e com as defesas por terra...”.
Coleana, surpreendida pelo desabafo, baixou a cabeça, como querendo contar os inúmeros seixos daquele chão tremeluzente. E, num arrepio de energia há tanto contida, respirou fundo e deixou sair o magma tenso que a custo suportava num verdadeiro vulcão interior: - “Meu querido Gondorilhus, depois de decidir partir, senti um vazio enorme que me assustou. Não tinha a certeza de que me acompanharias… E, assustou-me porque não estava à espera de tal reacção. Hoje, ontem, e todos os dias desde que te conheci são dias especiais. São especiais porque tu és especial. "Apanhaste-me" no ponto onde ninguém nunca teve a sensibilidade de tocar e no que eu menos protegi. A armadura que uso para não me magoar não protege tal ponto! Não sei se falaste sério quando, sob a macieira dos pomos de seda, me disseste que eu "faço parte da tua vida", mas uma coisa é certa, tu, mesmo sem o forçares, fazes parte da minha! É bom acordar e saber que estás próximo, para falar comigo! Gostava no entanto que não entrasses em conflito contigo mesmo por minha causa. Tens um mundo onde eu não tenho entrada e eu também não sou nada. E, se por algum motivo, algum dia, tu entenderes que eu deva "desaparecer", é só dizer-mo, porque apesar de me custar muito não te quero causar nenhum mal. Fiquei, no entanto, – depois da nossa conversa mais séria –, com a ideia que sentes falta "daquilo" que insistes em não dizer o nome. Estou certa? Não sei… Posso estar a dar largas à imaginação, mas sinceramente foi o que senti. Gostaria que estivesses noutra situação, porque aí sempre teria a hipótese de te dizer: "Estou aqui e vou dar-te tudo o que de melhor tenho para dar", mas os condicionalismos da vida infelizmente impedem-nos de certas atitudes. Continuo a dizer: se te sentires perdido na encruzilhada da vida, pára e pensa se vale a pena insistir no mesmo trilho. A saída pode estar à distância de um olhar. Qualquer mulher se sentiria feliz ao teu lado. Eu acho! Eu sinto! Apesar do "nosso amor" se ficar só pelo lado espiritual. Amor? Sim! Tu sabes amar, tu sabes definir o amor e principalmente tu sabes fazer amor! Eu senti os teus lábios nos meus e a tua mão a explorar o meu corpo! E nem sequer foram precisos movimentos que o materializassem.... É por tudo isto que continuas e vais continuar, não sei por quanto tempo nem como, a ser muito especial para mim. És, como já te disse, alguém que gostaria de ter ao meu lado (e não só para jogos florais e de amizade, nem para me acompanhar nesta empreitada!). Veremos qual o destino traçado nas estrelas para nós. Afinal eu sou daquelas pessoas que acredita que nada acontece por acaso na vida. E, se me cruzei contigo, por alguma razão foi. Espero também que tenha valido a pena conheceres-me, afinal sou aquilo que vês e apesar de todos os meus defeitos (que são muitos) acho que consigo manter o coração puro. Mesmo quando decidi partir para descobrir as minhas origens, para me sentir mais feliz, lá estavas tu. Mesmo antes de te conhecer, já te havia escolhido para parceiro do destino! Desculpa estes meus desabafos e todo este tempo que te tomo. Gosto muito de ti… E não te preocupes que, se o vento te levar para bem longe dos meus olhos, eu não vou nunca esquecer-me de ti!”.
- “Fogo!”– balbuciou rouco, Gondorilhus, cada vez mais trémulo e saqueado de vontade por tão forte emoção – “Tremo e – talvez seja uma reacção pueril – se não são pequenas lágrimas, então os meus olhos transpiram perante tamanha visão... Sim, afinal tu existes, Coleana... Que belas palavras, rasgadas em carinho por sentimento certeiro! Descubro, para gáudio do meu ser, que as minhas palavras não são em vão: entende-as, não te esqueces delas e correspondes com a nobreza de uma mente consciente que, apesar de eventualmente se mutilar, disciplina o coração, não o deixando desbaratar impunemente.
Neste sol de contentamento acalento-me de duas maneiras: Uma porque te dizes feliz comigo, como sou, assim diferente, e porque consegui despertar em ti algo tão belo como esta tu revelação de... amor; depois porque ME ENTENDES, para além da fronteira do socialmente correcto e da aparência oportuna. O poder caminhar a teu lado, mesmo que seja em silêncio é a alegria mais ensurdecedora deste homem, neste momento...
Este é um bom conflito: é com estes conflitos que se apuram as almas e se ultrapassa a barreira da "morte" prematura. Sem promessas, pergunto-te mais uma vez: tens tempo?
Hoje deixas-me sem palavras... ainda bem que existem este lugar e este momento de tempo sagrado, para nós...”
Abraçaram-se e um pequeno afloramento granítico fica como testemunha de um beijo singular, primeiro no toque, primeiro no sentimento…
A demanda prossegue agora sobre a sela de novos pressupostos, de novos horizontes…
Andarilhus "(ºoº)"
XXXI : I : MMVII