Nas Asas de Ícaro
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Errante. Uma abelha sem colmeia.
Passas pelo jardim distribuindo atenções a todas as espécies de pétalas mais ou menos graciosas. Não revelas, nas tuas raias, as tuas predilecções florais.
E conheces a essência da vida. Conheces os seus prazeres; conheces os seus azedumes. Sabes que só deves interromper a missão por algo, se já o tiveres por importante.
E, se a cada amanhecer, tens, nos olhos, aquele verde água que, só por si, suspira para que o milagre aconteça, a cada entardecer tens no rosto a luz da resistência da aurora.
Falta o entoar dos céus, falta a chuva torrencial, para que tudo transite de sítio. Há que recomeçar, mas esse primeiro passo para zonas de violetas estranhas dão-te que pensar. Afagas as antenas em toque de cera pachorrenta: uma pende para o grito de liberdade, para o corte com o enxame secular; a outra retrai-se no conforto do orvalho das manhãs costumeiras.
É o Pomar, o lugar que mais aconchego transmite à tua azáfama. Só lá, como o pomo de oiro, a maçã que todas as macieiras gostariam de criar, te esqueces da tua condição de obreira. Aí o mundo acaba; aí o mundo principia… não há pressa, tudo o resto pode aguardar. Finalmente o sono tranquilo. Enfim, abre-se o prado dos sonhos, com sombras de maçãs doces de canela e mel, pela alcatifa de erva alta, meiga e macia nos teus rebolares de alegria … E respiras, mordiscas o ar. Ele é espesso, carnudo, mas límpido e transparente como a água mais pura do degelo.
Manobras do sagrado para o voo invertido do profano. Esvoaças satisfeita, deixas que te conduzam, porque quem entra nesse espaço de santuário é digno da tua cega confiança. E, de olhos fechados, vais pela mão até ao riacho de hidromel, junto à cachoeira das rochas de goma. Pela frescura húmida, tiras as listras, uma a uma e vestes as fantasias mais queridas. Ora és assustada gazela em apuros; ora és agressivo leão das montanhas; ora és suave e astuta raposa… A condição de abelha espera, pendurada num galho do salgueiro… também ela repousa…
De errante já pouco subsiste… A cada entrada no Pomar regeneras as tuas fraquezas, as tuas tibiezas, as tuas indecisões…
Em breve não sussurrarás mais as despedidas ao pomar. Não carecerás de ir ao seu encontro porque ele estará sempre contigo, como um amuleto cravado no coração.
Tanto hás-de beber a sua polpa que ele criará fruto em ti… do casulo da abelha irromperá forte e frondosa macieira, única, num novo pomar, em torno da qual se formará novo círculo de vida, iluminada pelas maçãs de uma nova estirpe. A maçã da verdade, que não corrompe os filhos de dEUS.
A última saída do labirinto para o errante… ou talvez não. Se a saída não está no horizonte, olha-se para cima… que o diga Ícaro…
Estás aí? Começo a conhecer-te…
Andarilhus “(ªoª)”
XVII : IV : MMVII