Quarta-feira , 27 de Junho DE 2007

Holograma

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Corre vento, amarfanha-me a fúria, deixa-me isento de sofrer a amargura do momento.

Sai. Sai pela janela e encara o Vento do Norte. Resiste-lhe como talude, mas escuta-o como confidente.

 

Perdi-me, na contemplação do reflexo da felicidade no espelho de água do aquário das sereias. Antropomórficas de aparência; terríveis banshees de essência. Começam por cativar o olhar, para tomarem tudo com gula. Vai-se a vontade, esvai-se o sangue da liberdade.

Atira-te ao vento como papagaio de papel, frágil mas com toda a desenvoltura para sugar a sua magnifica força e dela fazer chão seguro nos patamares do etéreo. Revolta-te e luta…

 

Voa. Voa mais do que o vento. Circunda-o e apanha-o pela cauda: descobre a sua fraqueza de Sansão; aporta-lhe o engodo de Dalila. Também te iludiram a ti.

 

Encontrei-me, no despertar em confronto com o muro. O muro do apocalipse do sonho. A terrível barreira de blocos secos e negros, carrasco do ideal. Ponto de término rectilíneo onde começa a imperfeição, a tristeza, a antípoda do círculo.

Alguém entrou em casa, por aceno; alguém a arrombou a partir de dentro, por retraimento. O bandido manso medrou no interior do lar, para vilipendiar, em carinho medido em doses contidas, a alma que lhe dera guarida.

 

Procuro-te, como a bússola busca o Norte. O Norte que tanto chama por mim. Quando me aproximo, acabo por abraçar um holograma. Não és tu, já lá não estás… apenas deixas pistas para que prossiga na demanda… apenas lanças migalhas para que te continue a rodear… apenas movimentas as ondas, para que siga vagueando nos teus braços…

e…

Dizes-me para esperar…

E como esperar, se este é um desesperar?!

Cada dia de inanição é um cravo ferrado a fundo no lenho de desânimo que me prende ao peso da realidade…

Chegará talvez o dia em que serás a tu a procurar-me. Talvez me encontres, já tarde, na mortalha da descrença. Talvez me encontres, adiado na realização e à deriva como balão alienado nos ventos virtuais… Cai o Norte, escangalha-se a bússola…

 

Entrega-me os teus ventos, rosa, de mim, senhora!

 

Andarilhus “(ºvº)”

XXVII : VI : MMVII

 

música: Heroes del Silêncio: "Hologramas"
publicado por ANDARILHUS às 08:43
Quinta-feira , 21 de Junho DE 2007

Cumplicidade

http://configuracoes.blogs.sapo.pt/arquivo/Glowing_Yin_Yang.jpg

 

O estágio superior de partilha e difusão do EU pelo TU; A aprendizagem transcendente do EU no ser discípulo do TU e sorver toda a sua força de vida.

 

“Um nunca só em um nunca só!

 

Dois espíritos formando um mesmo ser,

Dois seres exprimidos num mesmo espírito.

Dois quereres unidos na mesma vontade,

Dois suspiros em fuga da mesma garganta.

 

Duas dores sofridas do mesmo ferimento,

Duas alegrias sortidas da mesma felicidade.

Duas oferendas realizadas com o mesmo presente,

Duas visões projectadas pelo mesmo olhar.

 

Par de calças para a mesma perna,

Par de intenções para o mesmo objectivo.

Par de anatomias para o mesmo corpo,

Par de Fantasias para o mesmo sonho.

 

Dobro de mágoa na mesma tristeza,

Dobro de imaculado no mesmo branco.

Dobro de negro para a mesma mácula,

Dobro de sentimento para o mesmo coração.

 

Parelha de vitórias na mesma conquista,

Parelha de histórias na mesma vida.

Parelha de lamentos na mesma morte,

Parelha de derrotas na mesma perda.

... um só amor numa dupla de paixões!

 

IV : IX : MCMXCVI

J. Pópulo”

 

Andarilhus “(ºvº)”

XXI : VI : MMVII

 

música: Sisters Of Mercy: Heartland
publicado por ANDARILHUS às 08:42
Sexta-feira , 15 de Junho DE 2007

Saudade

http://www.globalartprints.com/images/DEV/large/DEVPPP205.jpg

 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades... 

Como me perco no passado, por olhares de quando te conhecia por inteiro. De verso, de inverso, de topo, de fundo… toda a tua pessoa, ali, humana, mulher e parceira dos mais íntimos segredos e das mais vivas partilhas.

Como era um delírio de deleite percorrer os teus campos e entrar nas tuas muralhas, sem necessidade de credenciais e regulamentos de passagem…

Como foi maior a felicidade de conquistar a torre de menagem e as palpitantes e sensíveis comunicações da tua urbe.

Que grande encontro foi o saber-me perdido por todo o teu desejo e sem vontade de regressar à pátria.

Quão profundo foi o respirar do pensamento pelos cristalinos ares da imaginação e da fantasia, tomados sofregamente pelo teu mundo mágico… tão disperso, condimentado e colorido…

Que magnificência de existir e adormecer contaminado por todo o amor que em ti e por ti criei… aquecido num sol perene que nem no sonho da noite apagava.

 

E despertar no passar dos dias. O sol sempre a irradiar… porém, com o brilho do ardor a esforçar-se, repentinamente, por progredir no céu mágico do teu mundo, que passou a encolher-se como algodão-doce. Doce que desvanece de açúcar de pura cana para adoçante, oxidado pelos novos ares, poluídos não se sabe bem por que causas. As cores que se reduzem na retina ferida por maleita incerta. O aperto da recessão que reprime a panóplia de condimentos para o essencial sal.

 

O mundo refreia o curso e, em cambalhota, decide-se a girar ao contrário, ouve-se a música em tom rebobinado.

Como uma estrela cadente, a audácia da borboleta desapareceu. Encasulou-se novamente. Regressa à condição de crisálida. E eu que a vi descerrar-se como flor, tão bela, tão viçosa, tão ambiciosa… tão prometedora. Saudade…

Já não me passeio pelos teus cantos sem vigia ou alertas sobre a boa e a próprio conduta (obsoleta). Já não posso ser quem sou quando olho o futuro do alto da tua torre. Já não sou senhor dos sonhos; sou servil à tua vontade. E eu que recebi um salvo-conduto para explorar os teus domínios. Saudade…

Os campos em pousio. As culturas adiadas. O sol que se fatiga mas não consegue fazer germinar as volúpias idas. E eu que já soltei os meus cavalos sobre as nuvens e colhi morangos em ventos de chantilli… Saudade!!!!!!!!

Acudam, que morro com a cristalização em memória dos meus mais queridos sabores do fogo que em ti me acalenta…

 

Andarilhus “(ºvº)”

XV : VI : MMVII

música: Love and Rockets: Saudade
publicado por ANDARILHUS às 17:28
Segunda-feira , 11 de Junho DE 2007

Círculo d’ Encontro

http://chuvadeletras.no.sapo.pt/arvores-floresta.jpg

 

 

Pela tarde, já com o Sol em queda livre, bem para lá da fasquia do prumo do dia, a raposa tomava rumo entre folhas dormentes. Procurava enxotar a apatia molenga da tarde quente. Dirigia-se para a função a si atribuída nas memórias veneráveis do tempo. No teatro da fábula da vida recebera a astúcia para enredar o ingénuo lobo em tramas do mais fantástico ardil. Momento repetido vezes sem conta, como um conto sempre moderno.

Aquele lobo já deve ter bebido uns bons milhares de hectolitros da água de tolice para conseguir alcançar um queijo tão lunático (quanto a imaginação que o concebeu), lá bem no fundo do poço!

Porém, hoje, nestas artes indecifráveis do destino, tanto a raposa como o lobo chegaram demasiado cedo. Ainda não havia luar! E sem luar… não há queijo!

O lobo, algo tristonho – mais do que o habitual – rendeu-se à evidência:

- “A vida é tão triste que me distrai os passos. Estou cansado desta história e deste papel. Tanto para fazer, tanto para descobrir e aqui estou preso ao cadeado da rotina, do quotidiano que o escritor do fado me impôs. Que fazer agora, enquanto espero?...”

A raposa, de atenção matreira e ouvido apurado, escutou os lamentos do parceiro de cena. Pensou na oportunidade de representar outras travessuras, novas e diferentes, enquanto aguardaria pela actriz Lua. Abeirou-se sorrateira e despertou-o para a sua presença.

- “Passeemos...de almas dadas!”, disse a alegre e arguta raposa.

Não contava era com a resposta que recebeu: - “Ao luar do sorriso do céu azul…”.

– “Que brilha para lá da noite”, replicou a raposa.

- “E do amanhecer.” Suspirou o lobo.

- “Que desponta insone e febril”.

Fez uma pausa e retomou: -“Estranho-te, irmão lobo. Melhor, surpreendes-me. Tantos séculos volvidos e jamais te escutei assim. Será que estás diferente, ou estarão meus sentidos diferentes? Vejo-te renovado de vestes interiores, com um coração maior do que julgava…

- “…e com uma aurora de grande angular, puxada por um arco-íris tresmalhado!”, atalhou o lobo.

Fez-se um silêncio ainda maior…

- “Que se perdeu do seu vértice e deriva sem ocaso?” perguntou a raposa.

- “Sim, enquanto cresce em imponência e brilho…”

- “…e só precisa onde poisar o olhar”, adiantou-se a raposa.

Novo interregno contemplativo e de pasmo. Coube ao lobo cortar a pausa e insistir naquela inesperada troca de sentires.

- “E descansar o dorso que suporta o firmamento.”

- “Numa suave cama de folhas de milho descamisado…”

- “Com almofadas forradas a erva-cidreira e lençóis de rosmaninho em ponto de cruz.”

- “Onde se derramam os afectos?”

O lobo engoliu em seco, mas arregaçou a vontade e respondeu: -“E se amassam em delicadeza as carícias!”

- “Que sobram da pele prisão?”, insistiu a raposa.

- “… e do corpo caixão…”

 

Deleitava-se a raposa com aquele enfeitiçado prazer de descoberta de um ser que sempre (des)conhecera! – “Estou encantada, irmão lobo, por te saber assim, com sentimentos maiores e tão erudito de espírito e palavra…que sorvo ávida.”

- “Mas serena, e perene de fruto maduro...”

- “Com toque de seda e mãos de teia!”

- “E olhar de espelho cativante e odor de maçã canela, que tanto me encolhe em receio de rejeição”, deixou escapar o Lobo.

E continuou: -“É para que te recostes em sonho real, comadre raposa…”

- “Fazes-me sorrir. Isso é bom. Já não são necessários truques e enganos – com que te ignorei e com que me atalhei na atenção – para me sentir bem junto a ti.

- “O verdadeiro sorriso; um sorriso que não parece ter extremos e de forte espreguiçar muscular”, sorriu por sua vez o lobo.

- “Daqueles sem fronteiras, nem prisões”

- “…nem tristezas, anseios ou timidez!”

- “Porque bom é olhar e VER!”, gritou enfim a raposa.

- “Olhar pelas paredes dos enredos e das fobias; trespassá-las como se fossem de gelatina”

- “E construir novos alicerces.”

- “De um novo mundo, aproveitando apenas o que houver a aproveitar do velho continente”, completou o lobo.

 

- “Apagarei as más recordações e as peias que do passado trago. E se os deuses mantiverem o destino inflexível, ajudar-te-ei a beber a água do poço e a resgatar o queijo que nele não existe. Estaremos os dois iludidos, todavia juntos. Para lá das obrigações seremos quem quisermos ser”, sussurrou a raposa enquanto se aproximava do lobo.

- “Agora que nos conhecemos na essência e perfilhamos a partilha de uma sorte melhor, atulharemos o poço, para que o feitiço da Lua não nos cegue na condução da vida.”

 

Moral da história? Talvez, anda meio mundo a enganar outro meio mundo… porque não se dá ao trabalho de o conhecer na sua essência. “Matar” primeiro e perguntar depois, na sobrevivência da selva social…

 

Andarilhus e o próximo

“(ºvº)”

XI : VI . MMVII

música: The Cult: "Brother Wolf and Sister Moon"
publicado por ANDARILHUS às 17:45
Quarta-feira , 06 de Junho DE 2007

Altares de Fumo

Bosh: S. Jerónimo

 

… A espera sempre se escuda na esperança. Porém, quando a esperança já não justifica a espera… transforma-se em rotina.

A rotina é como uma imagem sacra de pedra, estática, pendurada na parede e adorada por infiéis… à espera da misericórdia das banalidades dos dias…

É uma terra, uma causa, um indivíduo perdido…

 

Eu continuo a acreditar nos deuses, mas os deuses já não acreditam em mim…

Destruam-me os templos como nuvens sopradas para o mais longínquo dos céus!

Acabem com os chãos e com os tectos, abulam com o antes e com o depois! Quero encontrar o centro, o centro do ânimo…

 

(An) dari (lhus) “(ºvº)”

VI : VI : MMVII

 

música: The Mission: Wasteland
publicado por ANDARILHUS às 08:50

BI

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