Vagueava na existência anónima da gente que mastiga os dias, quando o profeta desembestou o dedo decidido, atingindo-me em cheio com o toque das suas verdades. Inesperadamente e inflamado, pressagiou: “Tu, peregrino da vida, arrogante e pretensioso, passarás pelos cuidados do infortúnio e da angústia. Serás penitente em carne e espírito e amargarás as agruras pela soberba e a escolha fácil e irresponsável. Descerás ao crepúsculo do teu orgulho, ao ocaso da tua impertinência. Descerrarás o fogo que te consumirá a insolência e te agasalhará as queimaduras com os óleos suaves da humildade. Perderás tudo… ou quase tudo, aquilo que tinhas por garantido. Revoltar-te-ás contra ti próprio. A guerra civil devastará a paz do teu reino. Assistirás, incapaz, ao despojar dos teus abrigos e dos teus palácios; verás as águas dos teus poços escoarem-se como lava mergulhada no oceano. Conhecerás os entes insidiosos que habitam sob os alçapões dos teus medos. Definharás como se os anos corressem a cada movimento teu.
Estarás SÓ! Só, num buraco lôbrego e fundo, sem forças, atido ao pequeno fio de seda, última resistência ao abismo que abre o precipício que leva ao inferno.
E quando já tiveres desistido, entregue às malas-artes da prostração e da fatalidade, verás a cintilação de uma pequena chispa. Na tua célula escura, algo tentará a ignição da tua vontade, do teu acordar. Um calor crescendo e uma luz firme resgatarão o teu amanhecer às trevas. Enxergarás então os degraus sucessivos para a partida da câmara solitária. Libertarás a fé, primeiro em ti, depois no futuro”.
Respirou fundo e, como possesso, de olhos cerrados, prosseguiu o augúrio: “Da tua penitência por serras e vales nas botas de caminheiro, encontrarás a redenção e vestirás a indumentária de romeiro pelos santuários de uma vida em afortunada companhia. Como a caridade da chuva para com a terra seca, ela virá, com o dom de te fazer titubear alegremente: “Fuego caminha comigo!”. Chamar-lhe-ás Cariño. Respirarás novo alento, novo querer, novo propósito e exaltarás diferentes desígnios para voltares a hastear a tua pessoa. Sim, descobrirás que ainda vives! E ela te dirá: “Juntemos os mundos expatriados; Apaguemos para sempre os filamentos das lâmpadas de experiências toldadas e de memórias enevoadas. Empenho-me contigo em encanto e desafio…”.
À tua frente abrir-se-á a passagem para a felicidade. Pela mão do destino encontrarás a princesa com quem formarás novo reino. Juntarás o pouco que restará de ti (e o teu tesouro mais precioso) e lançarás redes a todas as maravilhas da vida, com reformada convicção e dedicação em crescer, consolidar e criar.
E iniciareis viagem pelo vosso (a)mar. Os frutos virão do vosso querer e da vossa determinação… Tu, de proscrito a abençoado…”
Assim seja. Que o olhar atento dos deuses vigie o cumprimento pleno da profecia… agora, que já dá frutos…
Retomo o acreditar em castelos, cavaleiros, princesas e mundos fantásticos… e no feitiço do trovador: “… e viveram felizes para sempre…”
É o que vos desejo, também!
Andarilhus “(º0º)”
II : XI : MMVII