Morte sem sinal II

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O caixão estava prestes a ser chumbado.

Olharam todos de soslaio e desviaram o olhar. Era grosseiro, era uma grande tempestade a engolir o Sol.

E agora?

O mais teso de racionalidade levantou-se: - “Aqui ninguém toca, sou eu que levo a nossa querida! Paciência… chega a hora de todos. Lá nos havemos de desembaraçar sem a sua orientação…”

Mas, e agora?

Tantos, órfãos de saber e de sentir. Inúmeros carentes e sós de companhia e carinho.
Acaba por chegar o momento em que é preciso levantar a cabeça, de procurar outros quotidianos, outras artes, outros ícones. Atender a novos estímulos de vida. Arriscar as calçadas da cidade.

Mas, como?

- “Ajudem-me, digam-me: ainda há um mundo lá fora?! Quem o viu ultimamente? Digam-me, há???... O que vai ser de todos nós…”

Alcançado o derradeiro minuto, respirado já sobre a intensidade da dor e da saudade, o funcionário camarário pegou cruelmente no caixão daquele corpo já sem luz e tom, já sem som e palavra. Tão escuro e pesado…


Pegou na televisão avariada e atirou-a para o camião.

Desapareceu no meio de tantos mundos como o nosso…

 

 

Dedicado a todos os “irmãos” que cresceram e crescem em frente à televisão.

Uns mais outros menos, medram na realidade dos outros e vêm pela janela os dias a passar, sem conhecerem, sequer, os rudimentos da vida.

 

Andarilhus
IX : V : MMVIII

 

 

música: Xutos e Pontapés: Chuva Dissolvente
publicado por ANDARILHUS às 08:55