Terça-feira , 12 de Agosto DE 2008

Por Ti Seguirei... (1º Episódio)

 

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A hora era já tardia. No horizonte, numa repetição que se fizera hábito, a ansiedade propagava-se pelo crepúsculo. Ao tombar do sol, esvaecia por mais um dia a esperança da chegada de notícias.

Rubínia, lá bem no topo do promontório que definia o centro do povoado, olhava para a porta Este, bem demarcada no terceiro e mais exterior pano do sistema amuralhado de pedra ciclópica. Não sentia a presença da azáfama dos transeuntes ou as brincadeiras de algumas crianças, empenhadas em esgotar as últimas energias do dia, nem tão pouco o crescendo do vento e a chegada do frio.

Viam-se já os primeiros fumos a libertarem-se por entre o colmo dos telhados das típicas casas de planta redonda. A noite começava a ser recebida. O pão de bolota, o leite e a cerveja, o queijo e a carne preparada com efusões de ervas silvestres convocavam as cansadas gentes para o conforto espartano dos lares. Os campos receberam a atenção vespertina do amanho e os rebanhos, de úberes carregados, já se encontravam recolhidos e salvo da rapinagem de lobo, de duas ou quatro patas…

Rubínia prolongava a sua vigia por quanto os seus olhos conseguissem atinar com alguma imagem ao longe, na penumbra. Somavam-se os dias de espera e mais prolongada ficava a vigia; regressava a casa cada vez mais tarde, para tratar dos afazeres domésticos. Já lhe chamavam a estátua de olhar vítreo. O Conselho de Anciãos decidira mesmo da não necessidade de atalaias sobre os campos e caminhos que vinham de Este: Rubínia cumpria essa função. E com a falha de homens devido à guerra, os que existiam deveriam ser bem aproveitados nas múltiplas tarefas comunitárias.

Este entardecer seria todavia diferente dos que se haviam arrastado penosamente no último ano. Rubínia, quase a ponto de deixar a guarida, esticou-se em frente e estrebuchou. Uma nuvem de poeira surgiu quase tão confusa como o próprio escurecer. Teve aquela sensação: Hoje teria novas! Foi como um sussurro de Endovélico a garantir-lhe a chegada de um mensageiro, que ao fundo já subia para franquear a entrada da fortificação. Daí, o estranho cavaleiro, calcorreou o labiríntico de ruelas até ao edifício maior, o lugar de reunião do Conselho que governava Tanábriga.

Correu, correu desenfreada para a Concílio dos Ilustres. Ainda viu o estranho a entrar, seguido pelos dirigentes da citânia – Chefe, anciãos, membros distintos – e a porta a cerrar-se após aqueles. Estacou à entrada, tal como o faziam inúmeras pessoas, umas por curiosidade, outras por igual ansiedade.

Pelas conversas alteradas dos companheiros do instante percebeu que aquele visitante vinha do extremo Nordeste da Ibéria e, apesar de sedento e rouco, ainda balbuciara algo como: “Eu vi-os! Arrastavam-se em fileiras…”. Ó desgraça! Em fileiras andam os soldados… mas não se arrastam… Em Rubínia cresciam ganas de irromper pela reunião. Chegou a forçar a entrada, contudo susteve-se de sobrancelhas cerradas e a morder o lábio, face à oposição dos dois guardas. Começou então a deambular em frente da edificação, para todos os lados e sem grande cuidado com os demais que por ali se mantinham.

Não foi por muito tempo. As fortes tábuas de castanho abriram-se acompanhadas de sonoro ranger. Aegidio, chefe daquelas paragens, olhou em volta e conseguiu ler a amargura estampada nos rostos dos que aguardavam. Com a frieza e a ponderação de um líder, comunicou: “Os nossos gloriosos guerreiros têm sido dos mais bravos a acompanhar as façanhas de Aníbal. Por muitas campanhas lutaram ferozmente pela liberdade da Hispânia face à prepotência insidiosa dos Romanos. As nossas armas somaram êxitos até que o exército do temerário Aníbal caiu numa emboscada montada pelos Romanos e pelas raposas traiçoeiras que são os seus aliados Aquitânios e Vascões. Nas passagens tortuosas das gargantas dos escarpados pirenaicos esperaram pelos nossos valorosos, como cobardes escondidos. Muitos morreram, a chacina foi horrível. Alguns escaparam e andam foragidos e dispersos pela Gália e Hispânia.

Alépio, do clã dos nossos vizinhos Brácaros, foi um dos felizes que manteve a vida e conseguiu chegar até cá, com grande sofrimento, para nos relatar este infortúnio. Temos de ser fortes e preparar as defesas. Que Larouco tome em seu cuidado os nossos desígnios. Os Romanos devem ficar satisfeitos e quietos com esta vitória. Mas podem também iniciar aquilo que já há muito almejam: dominar a Lusitânia e todas as demais terras da fecunda Ibéria. O Conselho vai reunir-se e deliberar o que fazer a seguir.

Rubínia ouviu e ficou naquele estado de estátua de olhar vítreo, caiu de joelhos e as lágrimas começaram a correr grossas pelas faces, formando um colar contínuo de pérolas cristalinas. Nunca mais veria o seu estimado marido, Tongídio, por quem tanto tempo havia esperado para abraçar. Depois de muitos e muitos meses fixada no horizonte, em poucos minutos perdera a razão da sua preocupação e apercebera-se da inutilidade da preocupação: por mais que montasse guarda aos trilhos do Leste, jamais o veria a chegar…

Pela manhã ainda Rubínia permanecia junto do lugar onde o seu chefe lhe apresentara a morte e lhe entregara umas quantas pedras para construir a sepultura. Já não tinha razões para continuar viva.

Foi quando se abriram novamente as portas do Concílio dos Ilustres e saiu Alépio, já recomposto para reiniciar a viagem até Brácara. Uma noite de repouso e bom alimento rejuvenesceram-no. O semblante carregado é que teimava em perdurar.

Rubínia, assim que o viu, aproximou-se e disse-lhe: “O meu marido fazia parte da tua hoste. Apesar de serem em grande número, talvez te lembres dele. Tinha algo que o marcava. O meu nome é Rubínia e o meu marido é Tongídio. Ele tem uma tatuagem circular azul na face direita e uma outra com a figura de um urso, ao longo do braço direito. Usa também umas vírias de ouro com incrustações de pedra azul-turquesa. O escudo e a falcata também estavam assim adornados. Viste alguém assim?

Alépio manteve-se em silêncio, contemplativo, para depois responder: “Lembro-me sim. E o nome seria suficiente para o identificar. Tongídio combateu a meu lado inúmeras batalhas. Aníbal soube respeitar a origem dos seus homens, colocando-os lado a lado por proveniência. Nós servíamos no mesmo flanco. O teu marido, com a força do urso tatuado, brandiu a falcata em sinal de morte para muitos inimigos. Sempre foi um dos guerreiros mais formidáveis. Nós éramos tão amigos quanto uma guerra permite o crescimento de uma amizade. Foi também por o admirar que por aqui passei antes de entrar na minha própria cidade.” Olhou para as nuvens calmas e ficou novamente contemplativo. Retomou: “No dia fatídico da tragédia, Tongídio, generoso de força e companheirismo, acudiu a todos os lados da batalha. Conseguiu animar os companheiros e permitir assim a fuga de muitos, resistindo e atrasando os algozes. Graças a ele e a uns quantos de alma tão grande como a dele, a ruína não foi total e o exército conseguiu salvar uma chusma de gente experiente e mesmo Aníbal.

Após a fuga, o general enviou uns quantos homens disfarçados às cidades e lugarejos vizinhos onde romanos e aliados relaxavam e se divertiam após a vitória. Queríamos saber o acontecera aos nossos bravos que se sacrificaram por nós. Na vila onde estive a espionar soube que muitos foram capturados. Lutaram até desfalecer, ou de morte ou de fadiga. Os romanos falavam sobre eles com respeito e admirados por tanto vigor e determinação. Tanto que os Cônsules decretaram que os prisioneiros não seriam executados. Pelo contrário, seriam enviados a Roma como escravos e ingressariam na escola de gladiadores da república, para mais tarde entreterem as multidões com a sua mestria e arte em combate. Por obra dos deuses certamente, no regresso ao acampamento, escondido, vi passar uma caravana militar que conduzia cerca de três centenas de prisioneiros. Logo reconheci os nossos companheiros. Entre eles, bem destacado, um indivíduo com um urso tatuado no braço direito.”

Alépio sorriu e estendeu o braço para levantar Rubínia: “Portanto, mulher do grande Tongídio, a tua esperança não pode empalidecer. O teu homem está longe, mas vivo. Em Roma o encontrarás, provavelmente.

Rubínia lançou fulminante olhar sobre o trilho que segue para Este e sorriu também.

 

(Continua…)

 

Andarilhus “(º0º)”

XII : VIII : MMVIII

publicado por ANDARILHUS às 17:46
Segunda-feira , 11 de Agosto DE 2008

Das Certezas (tomo IV)

 

http://jarrod.stanley4.com/GreekWebPage/midas-touch.jpg

 

Sempre que contamos com o coelho na cartola

Ficamos desolados quando o bicho lá não está.

Todavia, trata-se de um tristeza desacertada:

Mais importante do que toparmos (ou não) com o coelho

É – sem dúvida – termos (ainda) a cartola…

 

É prudente sermos apenas o pouco que temos

Do que sermos a ilusão do muito que gostaríamos de ter…

 

Uma brisa fresca e perfumada,

Uma paisagem colorida,

Uma melodia da tuna animal,

Uma companhia estimada,

Uma profissão vivida,

Fazem a soma do tanto que é essencial…

 

Andarilhus “(º0º)”

XI : VIII : MMVIII

música: Franz Ferdinand: Cheating on you
publicado por ANDARILHUS às 08:47
Sexta-feira , 08 de Agosto DE 2008

De Olhos Fechados...

 

http://costela.com.br/wp-content/uploads/2007/08/olhar.jpg

 

Entra com calma. Fixa-me com serôdio desviar de atenção. Cerra os olhos para que possa ler o teu rosto. Com esse olhar assim intenso embaças qualquer iniciativa, anoiteces o brilho do sol. E eu, eu fico irrequieto e sem bolsos onde meter tanta multiplicação de gestos disparatados das mãos.

Abranda, recolhe essa cor de folha de Outono que cora os teus feitiços íris, amansa a tua retina de poderosa prisão. Não apertes tanto a dominância da tua presença, deixa-me espreguiçar na tua contemplação. Silêncio… não reprimas a minha ousadia de te observar, não me encandeies com essas duas chamas morenas…

Porque me olhas assim?! Acaso buscas encontrar em mim algo que há muito procuras em ti? Propalada aventura a de esperançar conhecer o outro…

Subtrai-me da tua visão. Vem no escuro do salto relâmpago. Entra directa no coração. Não fites os portões da afeição silenciosa; invade de imediato o átrio, a sala o esconderijo daquilo que sou.

Ou então, acerca-te de fininho a assobiar para o céu de cima e deixa-me a admirar o paraíso perante mim, a deusa que em ti acarinho, a mulher que em ti admiro. E se assim for, não haja pressa… entra com calma. Deixa-me saborear o movimento preguiçoso das partículas inertes enquanto assentam na tua magnífica figura, na tua imaculada pele. E não me ofusques! Mantém esses olhos longe dos meus, que eu morro ou fico petrificado, medusa de bem-querer!

Porque me olhas assim?! Acaso buscas encontrar em mim algo que há muito descobriste em ti? Propalada aventura a de esperançar reconhecer no outro…

Está bem! Trespassa-me pelas tuas centelhas de chocolate amêndoa e aferrolha-me em castelo de mel! Deixa-me correr nas planícies trigueiras que fantasias desde os teus mirantes graciosos…

Mas, galga também as escadas até ao topo do meu observatório. Tu dás-me um mundo de estrelas… eu te darei as estrelas deste mundo…

Vá lá, porque me olhas assim?! Acaso buscas encontrar em mim algo que há muito desconfiaste existir? Propalada aventura a de perseguir os sonhos…

 

Andarilhus “(º0º)”

VIII : VIII : MMVIII

música: Roretta Stone: An Eye For The Main Chance
publicado por ANDARILHUS às 21:51
Segunda-feira , 04 de Agosto DE 2008

Profissão... com Fé

http://www.fflch.usp.br/dh/heros/traductiones/herodoto/babilonia/ProstitutaBabiloniaCourteysNga.jpg
 
Quem te procura
Vê-te passar serena,
Enquanto omites do olhar
A extensa praia de narrativas
Com que tens o condão de
Encantar;
Com que tens a maldição de
Perturbar.
E, mesmo assim tão próxima…
És difícil de encontrar.
 
Quem te espreita
Vê-te movimentar inabalável,
Enquanto refugias o pensamento
Nos gestos ilusionistas, enganosos
Para as percepções mais atentas.
Despertas o delírio da vertigem,
No mais entorpecido;
Adormeces a sentinela da lógica,
No mais racional.
E, mesmo assim tão despida…
És difícil de admirar.
 
Quem te prova,
Sente um serpentear intocável,
Enquanto escondes o corpo
Nos ritos combinados do ofício, insensíveis,
Para os anseios mais estranhos.
Ficas ausente, informe e tosca,
Aos avanços do predador;
Dominas, perfeita e avassaladora,
Nos afectos do afável.
E, mesmo assim tão madura para a mão…
És difícil de colher.
 
Repousa agora no silêncio
De mais um cigarro consumado,
Aponta mais um risco na parede
Da contabilidade do negócio.
Recorda aqui, mais uma vez,
Porque te vendeste à profissão:
Aquele amor traiçoeiro
Que te fez submissa e carente…
Evoca também aqui, no choro,
O baú fechado de menina,
Nunca forrado pelo orgulho
De ser mulher, de ser esposa!
E com a coragem determinada
Com que limpas as lágrimas
Confia, agora e sempre,
Que realizarás, quando quiseres,
Os sonhos que jamais morreram
No teu olhar genuíno,
Na verdade do teu pensamento,
Na pureza da tua pele…
 
E se continuares…
Suporta a profissão… com fé…
 
Andarilhus “(º0º)”
IV : VIII : MMVIII

 

música: Heroes del Silencio: Con Nombre de Guerra
publicado por ANDARILHUS às 17:37

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