Fado vadio
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O cigarro amassado e requentado
Atrai as traças agitadas
Pela exígua gota de calor.
Aqueles olhos inexpressivos
Como postigos em fachada de rugas
Acendem-se
Ao ritmo das puxadas da nicotina.
Lembra (como em oração)
A embusteira industria
Que após anos da mesma série
O fez ceder ao sinal de cansaço,
Recorda (em penitência)
A meretriz vida
Que depois de anos de fuga humana
O fez tombar em solitário regaço…
E a rua deambula
Sob seu pés inchados
Pelos degraus, que todos procuramos,
Sob suas costas, deitadas
Pelos reveses, que todos encontramos.
E a rua deambula
Enquanto, lavado pela chuva
E encharcado pela cerveja,
Inventa um ombro amigo,
Companhia de cantiga carpideira.
Procurem-no na poeira de cobertores
Em muitos papeis
E bem embrulhado
Em cartões.
Procurem-no nos recantos
Escuros, frios, fugidios,
Apartado da cor,
Da alma, do amor.
Encontrem-no a chorar estrelas,
E a tocar odes de silêncio
Em violinos feitos de lixo.
Encontrem-no a afastar nuvens
Macias e brancas
Com mãos trémulas e sujas
Em busca do seu nome no céu…
E, quando com ele fado cruzares,
Dá-lhe um sorriso,
Talvez mesmo uma palavra,
Um aceno,
Sem medir, sem juízo
Como tu, ele é humano pleno
Como tu, ele precisa de um alento
Como tu ele espera por um vento
De fortuna
… que todos nós buscamos
Mas que nem todos nós topamos…
Aos sem-abrigo, de lar ou de coração.
Andarilhus
XVIII : XI : MMVIII