Quinta-feira , 29 de Janeiro DE 2009

Outra vez...

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Outra vez
Fora de mim
Na obsessiva condição
De esgaravatar
A terra com as mãos
E procurar
Igual
Estância do sentimento
Que me acalenta
Querer continuar
Em vida
Em movimento
Como núncio
Do amor
Arauto
Da inexistência
De ar, espaço e
Tempo
Entre tu e eu,
Suprimidos
Por união
Da terra
Que carrego nas mãos
Com o céu que guardas no olhar
Na virtuosa estância
Que agiganta
Os dias
A vida
O continuar
A rodar contigo
Em torno
Do nosso abraço
Sinto
Sempre chegado

O teu calor

Que me palpita
O peito
Ressuscitado
A cada novo murmúrio
De teus lábios
A cada novo sorriso
Das tuas pálpebras
As décadas não me envelhecem
As mortes não me levam
Sempre
Que em ti penso
Que em ti repouso
Que em ti hidrato
A ânsia
De me encontrar
Outra vez
Fora de mim.
 
Andarilhus “(0o0)”
XXIX : I : MMIX

 

publicado por ANDARILHUS às 08:14
Terça-feira , 27 de Janeiro DE 2009

Por Ti Seguirei... (7º episódio)

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(Continuação de http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/36201.html)
Deitada, aproveitou para recuperar o fôlego e o ânimo. Mesmo abalada pelo embate encaixado, de pronto respondeu: - “Nem penses, vacceu, que me vencerás com jogadas assim, tão fúteis e miseráveis. Terás de te aplicar bem mais!
Urtize ruboresceu e sentiu os músculos a dilatarem-se. Por sua vontade, cortava a língua viperina àquela insolente. Não fossem as ordens do chefe e ela aprenderia como um vacceu trata qualquer rebelde que não se resigna à sua insignificância. Contudo, como previra Gurri, a maturidade sobrepôs-se à fúria e Urtize, enquanto apertava firme o punho da sua arma, avisou a adversária – “Assim o quiseste. Vou acabar com isto sem demora. Vejamos que tom vermelho te corre nas veias”. Apontou o vértice da lâmina ao ombro descoberto da mulher e fez o gesto para o descer e embeber levemente na pele macia. Imediatamente, Rubínea rodou o corpo no sentido do braço retido e, com a energia do movimento, muniu a perna esquerda para desferir um violento pontapé por trás do joelho que equilibrava a verticalidade do algoz. Urtize avançou um pouco, cambaleante, procurando manter-se de pé. Ainda a vacilar sem prumo, foi obrigado a soltar o braço de Rubínea, que não perdeu o ensejo para lhe aplicar um segundo pontapé, no baixo dorso, suficiente para o atirar por terra. Na queda desamparada, o vacceu deixou escapar a espada da mão.
Rubínea mostrara que a tenacidade compensa. Leve e elástica como um gato, saíra de uma situação difícil e tinha agora o combate nas suas mãos, com o oponente tombado pelo chão e desarmado. Porém, decidiu que não colheria os louros de forma tão fácil. Recolheu a espada de Urtize, aproximou-se e incitou-o: - “És um grande guerreiro mas subestimaste-me. Levanta-te, mereces uma segunda oportunidade porque tiveste comiseração por mim. Sejamos justos um com o outro”. E devolveu-lhe a espada. O vacceu fez uma vénia de admiração. Dissipou-se o rancor. Iria lutar mas já estava conquistado. Colocou-se em posição de combate.
A assistência estava rendida perante tamanhas façanhas. Zímio exalava um sorriso que nunca nele se tinha visto, Alépio mexia-se irrequieto e Gurri mantinha-se sereno mas de olho franzido.
-“Prepara-te velha raposa, aproxima-se o momento em que conhecerás a derrota perante uma mulher. Qualquer oráculo favorecido pela bondade dos deuses, ter-te-ia revelado que este dia chegaria! Aplica-te!” A espada cortou o ar em busca da outra. Urtize recebeu-a solenemente, retribuindo da mesma forma, cada vez mais empenhado e a puxar pelo melhor das suas capacidades. De permeio aos ataques produzidos por Rubínea, tentava recorrer às suas habilidades favoritas. Venceria com arte. Porém, todos os seus golpes eram defendidos ou contrariados. Na verdade, se os anos não lhe tinham tirado a genica, tinham todavia reduzido os reflexos e a facilidade de movimentos, sobretudo nos membros inferiores. Rubínea também já se tinha apercebido disso e, por outro lado, sabia que pela força não o venceria. Urtize só cairia se abalado nos seus pontos mais fracos: alguma lentidão e a pronunciada fragilidade de estabilidade nas mudanças de posicionamento do corpo, durante os movimentos da peleja.
Na arena improvisada, o solo fustigado pela firmeza dos pés em movimento e da aplicação de forças e tensões, parecia um mar de sedimentos com grossas marés de rebos arrancados e as ervas – como algas – afogadas nos nevoeiros de poeiras, levantadas pelo reboliço da contenda. Mais acima, as lâminas brilhavam encarniçadas, sucedendo-se os momentos em que se antevia um término do duelo, para logo se recuperar o balanço da refrega.
Rubínea, ciente de algum cansaço que já se abatera sobre ambos, mas sobretudo sobre Urtize, começou a engendrar um esquema para atrair o adversário à teia da aranha. Se rapidamente o pensou, imediatamente colocou a estratégia em prática.
Começou por investir contra Urtize com golpes consecutivos, rijos e céleres, obrigando-o a recuar até ao limite da área de luta. Depois, revelando-se fisicamente desgastada com o assalto, deixou-se dominar pelos movimentos do vacceu, dando-lhe mostras de grande dificuldade em suster os impactos da arma. Este exercício estimulou Urtize, que uma vez mais ficou iludido com a ideia de uma vitória próxima e fácil. Começou a facilitar na defesa e a emaranhar-se na rede estendida por Rubínea. A dada altura, quando aquela já parecia abraçada à desistência, acanhada e com a espada quase a saltar-lhe das mãos, Urtize decidiu que o melhor – e para não cair no ridículo anterior – era atordoar a mulher com uma pancada forte na cabeça. Se a mulher perdesse por momentos os sentidos, estaria sentenciada. Preparou o golpe e quando lhe pareceu surgir a oportunidade não se fez rogado. Rubínea, no seu papel de debilidade afrouxou a defesa, deixando o braço da espada descaído. A cabeça estava exposta e Urtize, bruscamente, precipitou-se para a frente para lhe atingir o capacete com uma espadeirada, rodando o pulso para lhe acertar com um dos lados não cortantes da lâmina. Como que renascida, o diabo da mulher baixou-se e passou felina rente ao seu flanco e por debaixo dos braços que já desciam fundidos à espada tensa e pesada. Sentiu um toque frio na perna, ficou imóvel e olhou para trás. Rubínea estava nas suas costas, mas quieta e expectante. Porque não aproveitava para acabar com ele?! Rodou e interpelou-a: - “Não me digas que me queres dar uma terceira oportunidade? Vá lá, isso já é demasiado vexame. Poupa-me e não brinques comigo.” Estranhou que a oponente continuasse parada, apenas a contemplá-lo. Procurou algo em si, algum motivo, mas nada percebeu. Foi então que colocou a mão na lateral da perna e sentiu uma lentura quente na loriga. Olhou com mais cuidado: sangrava! No movimento evasivo, Rubínea deixou a espada roçar ao de leve na coxa de Urtize, abrindo-lhe a costura da derrota - que todavia sararia facilmente. Rubínea acabava de fazer o impensável: vencera o duelo!!!!
O sangue corria agora pela perna de Urtize à vista de todos. Ouviu-se uma enorme exclamação generalizada, seguida de um silêncio de incredulidade para depois explodirem os aplausos e os alaridos de glória e vivas à vencedora e vencido e ao magnífico combate que concederam. Brindes e mais brindes, gritos e risos… correrias! A bolha de pressão estourara e estavam todos aliviados e alegres.
Quando pousaram Rubínea - levada em cortejo triunfante entre os presentes -, esta dirigiu-se primeiro a Urtize, prostrado e algo envergonhado, sentado num tronco de um lenho tombado, colocou-lhe a mão no ombro e confortou-o: -“Urtize és sem dúvida um grande guerreiro. E nobre, tão nobre como só a honra dos melhores o permite. A partir de agora tenho-te por amigo, se quiseres aceitar a minha amizade. Perdoa-me a ferida que te provoquei, mas só assim aceitarias a derrota”.
Dirigiu-se depois a Gurri, que se encontrava próximo: -“Se todos os teus guerreiros forem como Urtize, tens um exército temível. E se todos os Vacceus forem como ele, então são um povo justo e virtuoso, digno da amizade de outros povos; da amizade do meu povo”.
Ainda a tentar perceber o que se tinha passado e o que isso significava, Gurri articulou algumas palavras: - “Sim, tens razão em tudo o que proferiste. E, a partir de agora, a minha sorte, boa ou má, estará também nas tuas mãos. Cumprirei o pacto que contigo formulei. Diz o que pretendes saber de mim e quais os teus desígnios para os dias que se seguem”. Pegou no copo em forma de vaso cerâmico por onde bebia e acompanhou o brinde à campeã.
- “Tenho os meus planos. No entanto, dependem muito do que tiveres para me dizer sobre os acontecimentos passados e os reflexos que provocaram nas regiões anexas aos montes Pirenaicos e à presença dos romanos, bem como o destino dado aos prisioneiros. Seja o que for, continuarei na minha demanda”.
Depois de um sorriso jovial, Rubínea continuou: -“Mas isso fica para amanhã! Hoje e agora que já nos entendemos, divertimo-nos e terminamos este belo repasto oferecido pelo nosso bom Alépio! Chega-te Urtize, brinda comigo, amigo!
A alegria afagou todos os rostos e o banquete transformou-se numa verdadeira festa.
 
(continua…)
 
Andarilhus “(º0º)”
XXVII : I : MMIX
 

 

publicado por ANDARILHUS às 22:23
Sexta-feira , 23 de Janeiro DE 2009

Por Ti Seguirei... (6º episódio)

 

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A penumbra dos calados, imóvel e retraída, foi violentamente lacerada por uma estridente gargalhada: Gurri deixava que as lágrimas marejassem nos seus olhos azuis, enquanto ria impulsivamente, entre soluços.
Havia ali algo de louco, algo de inédito! Aquelas gentes, já tão curtidas pelas vicissitudes da vida e dos caprichos do destino, nunca tinham presenciado nada assim. Era irreal! Nem ao mais endemoninhado o lembraria. Primeiro, a mulher que esbarrou com todas as regras do bom trato e catadura social, lançou suspeitas sobre os convidados e propôs-se a morte quase certa. Agora, um chefe guerreiro, extremamente sisudo e estranho a sorrisos, que após ter sido inquirido, acusado e desafiado, simplesmente liberta sonoro sinal de satisfação, mostrando-se divertido com a incrível ocasião!
Alépio sossegou um pouco. A situação não iria passar de uma brincadeira bem-humorada, apesar de ter sido um grande risco o assumido por Rubínia. Gurri parecia tolerar a ousadia daquela e que tudo iria acabar com um valente brinde. Mas…
Já um pouco mais calmo, o vacceu despertou a estupefacta assistência: - “Não há dúvida, Tongídio soube escolher acertadamente a companheira. Jamais alguém me confrontou assim, homem ou - muito menos – mulher, no entanto, parece-me que estás favorecida e iluminada pelos deuses e isso obriga-me a dar-te especial atenção e condescendência. Muito bem, estou disposto a aceitar o teu desafio para duelo e aprovo as condições que propuseste”.
Levantou-se um burburinho nas mesas. A coisa não ia ficar por ali! Anunciava-se o combate e Rubínia estava, no espírito de todos, com a sorte traçada… literalmente traçada.
- “Não o posso permitir!” Bradou Alépio.
- “Nem eu!” - gritou o sempre discreto Zímio – “Lutarei no lugar de Rubínia!
- “Admiro o vosso empenho, amigos, mas sou eu quem tem de combater. Fui eu que desafiei Gurri. Tebaruna está comigo, em nada vos preocupeis”. Interveio Rubínia, com aquele olhar maroto de quem conseguiu o que queria.
- “Exactamente, terá de ser Rubínia a participar no duelo.” – Ajuizou, Gurri – “Na condição de desafiado, tenho porém algumas disposições a exigir. Desde logo, definir que o combate terminará, em extremo, quando um dos beligerantes ficar ferido e ostente sangue, mesmo que o derrotado queira continuar. Depois e de acordo com as leis vacceias para estas ocorrências, eu poderei designar alguém que lute por mim, garantindo, todavia, atribuir-me a mim, o provocado, as consequências da vitória ou derrota. O que dizes a isto, Rubínia?
- “Naturalmente, aceito! É-me indiferente como ou contra quem seguirei na minha vontade. O que quero é alcançar o que pretendo.”
- “Seja! Não é digno da minha posição o manejo de armas com uma mulher. Urtize, meu leal servidor, defrontar-te-á”.
Urtize era igualmente possante. Tinha uma cicatriz que lhe atravessava a linha vertical da face esquerda e faltavam-lhe alguns dentes desse lado do rosto. De facto, patenteava ter sobre os ombros a passagem de muitas estações e não enganava quanto à profissão de sempre: nascera para ser guerreiro. Gurri escolhera-o por isso mesmo. A temperança da idade e a longa experiência no domínio da espada acautelavam que não infligisse males maiores à jovem rapariga. Vencê-la-ia rapidamente e apenas com o mínimo de dor.
Alguns serviçais abriram alas para a passagem dos contendores, afastaram os artefactos e outros impedimentos que obstruíam o espaço, formando uma clareira imediatamente a seguir às mesas e ladeando a grande fogueira. Acenderam-se umas quantas tochas com linhaça e óleo, colocadas nos extremos e delimitando a área de combate. Ao centro, cravaram duas magníficas espadas.
Zímio reclamava baixinho com Rubínia. Prometera a seu pai protegê-la com a vida. Não poderia ficar quieto e presenciar serenamente o seu sofrimento, mau trato, ou pior, a morte. Rubínia, enquanto se despojava da capa e vestia uma couraça conjuntamente com uns punhos de grosso couro, assegurou-lhe que tinha tudo planeado. Afinal, não fora ele, o fiel Zímio, quem lhe havia ensinado tão diligentemente o uso das armas? Zímio resmungou e enquanto se sentava em lugar estratégico, sacou o punhal que manteve pronto e dissimulado entre os objectos que pejavam a mesa.
Rubínia avançou para a entrada na arena. Tomou um pouco de cerveja, derramou-a e dedicou-a à sua deusa predilecta. Arrebanhou um pouco de terra e evocou a Lua, que sobre si brilhava intensamente, majestosa e prenha. Urtize, de bons modos, dedicou aos seus deuses e preparou-se.
Chegaram-se ao centro, saudaram-se com respeito e pegaram nas espadas, para depois se afastarem um pouco. Colocaram as protecções de cabeça.
Gurri advertiu o seu delegado: - “Urtize, sê rápido e eficaz! Vence o teu oponente sem olhares às circunstâncias, mas tira-lhe apenas uma pétala de sangue. Segura o braço, então! Percebeste?” - (Urtize acenou afirmativamente) – “Alépio, da nossa parte, pode começar. Como anfitrião, deves ser tu a dar sinal de início do duelo.”
-“Eu também estou prestes.” Confirmou Rubínia.
Alépio levantou-se e ergueu o braço destro -“Que os meus antepassados me perdoem pelo que estou a um passo de dar ordem de principiar. Que me perdoe também Tongídio, camarada que tantas vezes me valeu em batalha. A vossa determinação é fraco unguento para apaziguar a maleita que me corrói o coração. Este estigma vai perseguir-me pelos dias que me restam. Preparem-se, ao meu sinal comecem!
Desceu o braço e os protagonistas movimentaram-se de imediato, colocando-se em guarda. Numa primeira fase, limitaram-se a corrigir posições e a analisar as características um do outro.
Confiante num desfecho rápido e na fraca oposição que adviria de Rubínia, Urtize investiu com força sobre a arma daquela. O som metálico ecoou, resultado do bom bloqueio da ofensiva. Seguiu-se uma sucessão de trocas de golpes. Quem diria que Rubínia se defenderia por tanto tempo?!
Esta resistência contrariava a estratégia de Urtize: queria desarmá-la em poucos movimentos, obter a sujeição voluntária ou provocar-lhe um ferimento superficial e inconsequente.
O que ele não sabia é que Rubínia fora criada como um varão. Sendo o seu único descendente, Físias preparou-a para assumir os negócios da família. A educação dos novos comerciantes incluía a habilitação para o uso de armas e a defesa em caso de assalto e pilhagem, tão comuns. Zímio, o pedagogo militar, não só tinha feito de Rubínia uma perita na destreza bélica como conseguira também transmitir-lhe o espírito e o discernimento próprios do guerreiro. Tongídio ensinara-lhe, mais tarde, a astúcia e o engenho.
Portanto, Urtize, ingenuamente, estava de facto a lutar com um par, bastante aguerrido. E da ignorância até ter a certeza de que a mulher seria um osso duro de roer, foi um ápice. O seguimento de ataques e contra-ataques tardavam um desfecho. O vacceu já dava mostras de transpirar e mais se envolveu no combate.
As armas chocavam cada vez com mais violência. Rubínia defendia-se mais do que atacava. Era esguia e ágil, equilibrando com a rapidez a menor compleição física.
Urtize procurava reduzir a distância entre ambos para suprimir o espaço de manobra da rapariga. Tanto tentou que finalmente conseguiu que as espadas se cruzassem próximo dos punhos. Tinha agora a oponente bem próxima e ao alcance do braço livre. Num gesto bem calculado acertou um potente soco no rosto de Rubínia. Esta, aturdida, no recuo provocado pela força da pancada, tropeçou numa pedra e caiu de costas. Sem contemplações, Urtize calcou lesto o braço da adversária, inviabilizando o manejo da espada. Fitou o rosto de Rubínia na expectativa da vitória. Porém, o lábio inchara, bem como aquela área da face, mas não rasgara. As fivelas almofadadas do capacete tinham absorvido grande parte da energia do embate.
- “Rendes-te, mulher?!"
 
(continua…)
 
Andarilhus “(º0º)”
XXII : I : MMIX

 

publicado por ANDARILHUS às 08:54
Segunda-feira , 19 de Janeiro DE 2009

Por Ti Seguirei... (5º episódio)

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Continuação de:
Saído do torpor, o vacceu respondeu então a Alépio: - “No meu povo há facções que simplesmente odeiam Aníbal e para quem os romanos – se destruírem os púnicos – são um mal menor. O que lhes interessa é mesmo acabar com um invasor, mesmo que para isso tenham de aliar-se a outro potencial invasor. Pensam que tratarão deste agora e mais tarde do outro. Há também aqueles que se aproximam da vossa causa e que suspeitam que os púnicos, comparados com os romanos, são até bem toleráveis. É por isso - por não haver consenso – que o caminho mais sensato encontrado na reunião do conselho dos chefes das tribos foi eleger um só comandante que respondesse por todos e mantivesse para já a neutralidade. Eu, de minha parte…”.
– “E não sabes tu da ignomínia dos romanos quando, conjuntamente com os seus aliados dos montes Pirenaicos emboscaram sem pudor ou honra as tropas desprevenidas de Aníbal?!” Atalhou abruptamente Rubínia, perdendo a sua postura de simples ouvinte e de recato.
Levantou-se um silêncio frio. Concentraram-se as atenções na agitada Rubínia. Os instrumentos calaram-se num ápice, mas retomaram quase imediatamente as melodias. Não era de todo normal que uma mulher dirigisse a palavra a um líder estranho e muito menos que o confrontasse naquele tom. Na ordem social celta as mulheres sempre tiveram um papel de paridade com os homens. Todavia, não lhes estava atribuído nem lhes era admitido a discussão da estratégia militar e a política, especialmente se fosse para esgrimir opiniões com as cúpulas do poder e decisão.
Alépio atravessou-se de pronto na conversa e tentou desanuviar a pressão: - “Calma Rubínia!” E virando-se para o chefe vacceu: - “Gurri, sê compassivo com as palavras de Rubínia. Tongídeo, seu marido e valoroso guerreiro, é um dos nossos que sofreu a cobardia romana com a captura. É cativo dos nossos inimigos, tanto quanto sabemos. E por isso Rubínia segue connosco, em busca da sorte do esposo e na esperança do seu resgate. Só uma mulher de grande coragem e persistência é que se empenhava em tamanha empreitada. Em boa verdade, Tongídeo é digno de ser invejado; é um protegido dos deuses por ter quem lhe queira tão bem”.
Gurri, embora já calejado pelas visitas da surpresa e do inesperado, apelou ao auto-domínio, tanto mais que era ali convidado, e ponderadas as circunstâncias, decidiu excepcionalmente responder a quem o interpelava, considerando também as palavras do seu anfitrião. Encarou aquela mulher invulgar - um pouco imprudente, mas intrépida – e disse-lhe: - “Tu, Rubínia de nome, tens a força do mais decidido guerreiro. Cumprimento-te pela tua dedicação a Tongídeo e reverencio a tua manifestação de querer. Conhecemos bem o episódio que relatas e eu não tenho qualquer pejo em reconhecer a infâmia dos atacantes escondidos. A honra de um guerreiro é demonstrada às claras, sem ardis ou premeditações infames. Porém, nós nada temos a conjugar com estes acontecimentos e queremos mesmo ficar distanciados destas lutas que não são nossas. Não somos causa e também não seremos solução”.
- “Acredito nas vossas intenções, sinceramente. Acredito sobretudo em ti, Gurri. Tenho-te escutado e julgo que és um homem de carácter e palavra”. Mais uma vez, Rubínia atraía as atenções.
– “Perdoa-me a irreverência. Sinto que ao fim de alguns anos à espera do regresso do meu marido e após conhecer o seu destino, só me resta procurá-lo, ir ao seu encontro. Ele também o faria por mim. As distâncias que percorri e terei de percorrer serão sempre pequenas se continuar a acreditar que voltarei a estar com ele. Tudo o que fizer para alcançar o meu objectivo, é pouco”. Fez uma pausa para controlar a emoção e manter o discurso em tom sereno.
Por esta altura apenas o som alegre da iluminada fogueira expressava algum respirar. Alépio, rendido, deixou que o incidente continuasse, ele também já curioso com o desfecho de tudo aquilo. Como diriam os malandros dos romanos: “Alea jacta est!”.
E Rubínia continuou: - “Assim como acredito na vossa sinceridade, também acredito que sabeis bem mais deste caso. Os vacceus são conhecidos pela sua omnipresença e mesmo hegemonia no nordeste ibérico. Nada vos escapa e nada acontece sem que tenhais conhecimento, prévio ou posterior. Sou filha de comerciantes e as notícias sobre vós sempre foram abundantes. Os vossos primos do nascente, os Arévacos, são uma pálida imagem do vosso poderio”.
As insinuações eram contundentes e o desafio evidente, granjeando olhares incrédulos de todos e os arreganhos maxilares dos vacceus, que ora olhavam para a mulher imoderada, ora olhavam para o seu chefe na perspectiva de algum sinal. Com o ambiente em crescendo de ansiedade e na iminência de vexar os convidados, Rubínia prosseguiu, mesmo reparando na confusão emocional de Alépio, efervescendo numa fusão de reprovação e de admiração. Estava disposta a tudo e sabia onde queria chegar.
-“Gurri, mesmo correndo o risco de enfurecer a ti e aos teus e desrespeitar o nosso bom líder Alépio, envergonhando-o perante vós, peço-te, pelas divindades que mais estimas, que nos dês conhecimento de tudo o que sabes sobre os romanos e sobre o destino que deram aos prisioneiros da cilada pirenaica!” Baixou a cabeça e quando a ergueu trazia um olhar que assustou até Zímio. Este, apesar de servo, tentou aconselhá-la com um quase imperceptível e negativo aceno da cabeça.
Todavia, a determinação acicatou a ousadia de Rubínia. Sem o menor tremor foi dura e directa: - “Disseste que eu tenho a força do mais decidido guerreiro. Pois bem, por Trebaruna - deusa por mim muito venerada -, estou até disposta a desafiar-te para um duelo até à sujeição, segundo a tradição de ajuste de contendas pessoais comum à ordem e lei natural dos nossos povos! Se te vencer, dir-me-ás toda a verdade e juntar-te-ás a nós e à nossa causa; se triunfares, farás comigo o que entenderes …
Desta vez ficou a impressão que até a fogueira respeitou o silêncio avassalador, senhor da suave colina que servia de patamar a jantar tão inusitado e de balcão central para as centenas de fogueiras do acampamento, semeadas pela planície abaixo.
 
(Continua…)
 
Andarilhus
XIX : I : MMIX
publicado por ANDARILHUS às 17:17
Domingo , 18 de Janeiro DE 2009

Por ti Seguirei... (4º episódio)

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Continuação de:
http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/33345.html
Embrulhada em tanta melancolia, acabou por adormecer, cerrando os olhos hipnotizados pelo bailado crispado das labaredas da fogueira que lhe tornava a noite mais tépida e confortável.
Zímio agasalhou-a com o manto de lã e assumiu a sua habitual condição de vigília. Os ditames de uma juventude aguerrida e belicosa trouxeram-lhe a escravatura e a impossibilidade de formar família. Sentia por Rubínia - a quem vira crescer - aquilo que supunha ser o equivalente ao amor de pai. Com toda a naturalidade, daria a vida por ela, se tal lhe fosse exigido.
A manhã seguinte arrastava consigo um sol formidável e sorridente. Os temores de Rubínia enfraqueceram com o descanso e desapareceram completamente incineradas por tão excelsa luz matinal.
Todos os dias novos elementos engrossavam o contingente de Alépio. Espalhada a notícia, algumas centenas de astures, uns mais jovens e imaturos outros mais velhos e com experiências diversas de combate, somaram-se à força. E quanto mais numerosa e mesclada de povos diversos, mais disciplina exigia ao seu comandante.
Estranho era o silêncio e a ausência dos Vacceus. Já se encontravam bem perto da fronteira do seu território e nenhum sinal daquelas gentes. Os batedores avançados relatavam ver apenas a população civil. Parecia que a terra havia engolido os homens-de-armas vacceus. Alépio começou a suspeitar de alguma má recepção dos chefes daqueles lugares e deu ordens para que se redobrasse a atenção, ao mesmo tempo que reforçou a vigilância da caravana em movimento e dos acampamentos.
Já com dois dias decorridos e bem entranhados nos domínios vacceus, surgiu uma coluna de guerreiros – cerca de 20 – que confrontou Alépio e os seus. Vinham a cavalo, bem ornamentados e profusos de armas. Ostentavam longos cabelos loiros, algo entrançados, com uma fita a apertá-los ao nível da testa. Tinham uma tez bem marcada pelo calor estival, uns olhos entranhados e pouco expressivos, de estatura mediana, mas robustos.
Um deles adiantou-se: - “Sou Gurri e venho em nome de Erizeu, comandante eleito de todas as tribos vacceias. Estou aqui para vos dar salvo-conduto de passagem entre as nossas fronteiras. Iremos acompanhar-vos até ao marco que divide a nossa da terra dos Arévacos”. Enquanto o dizia, estendeu a mão para saudar o interlocutor.
Alépio respondeu ao cumprimento e retorquiu: -“Sou Alépio, responsável por esta hoste que entregarei ao Grande General. Estamos empenhados em entabular negociações com os vossos líderes e exortá-los a combater os romanos…”. Foi interrompido, pela calma mas forte presença de Gurri: - “Sabemos dos conflitos que assolam a Ibéria, porém, de momento, entendemos ficar neutros. Os futuros acontecimentos e os sagrados druidas ditarão talvez outras decisões. As minhas instruções são bem claras. Prossigamos a jornada; amanhã já vereis os planaltos dos Arévacos. Pelo que sei, também eles aguardam a vossa passagem”.
Retomaram a marcha.
A já estendida expedição percorreu uma boa extensão de chão nesse dia. Gurri e os seus, à frente, imprimiam um ritmo vigoroso, que poucos momentos deixava para conversas ou repouso.
Alépio, sem se dar por satisfeito com os argumentos dos vacceus, decidiu – e porque a cortesia assim também o ditava – providenciar para essa noite um jantar especial, para o qual convidou Gurri e os seus homens mais próximos. Decidiu igualmente que aos seus oficiais presentes se juntariam as respectivas mulheres – mulheres aguerridas que acompanhavam os companheiros na arte da guerra –, bem como Rubínia e, claro está, Zímio. Os autóctones aceitaram e agradeceram.
Escolhido o local do acampamento para essa noite, logo Alépio deu ordens para que se improvisassem mesas e bancos rudimentares para o banquete frugal que se seguiria. Acendeu-se fogueira pujante. Sacrificaram-se 3 cordeiros e um javali incauto, respeitando as libações e as oferendas aos deuses. Rapidamente se montou o estadulho de salgueiro em dois tripés sobre o fogo, para a carne assar lentamente, perfumada pelo tempero. Das carroças dos mantimentos resgataram-se alguns odres de cerveja e o indispensável pão de bolota. Estando a logística do repasto bem encaminhada, Alépio mandou chamar os convivas.
Todos se acomodaram segundo as hierarquias. Alépio fez questão de ter a seu lado Gurri, intercalando depois os seus homens com os daquele. Rubínia e Zimio encontravam-se em semelhante proximidade do comandante, mas da parte oposta.
O jantar começou quente no repasto mas morno no convívio. Os vacceus comiam mudos, mostrando inclusive alguns sinais de desconfiança e agitação miudinha.
Alépio iniciou então os seus planos: tinha quase a certeza que, mesmo que os vacceus tivessem uma sincera vontade de manter a neutralidade, eles já sabiam ou estavam envolvidos de alguma forma nas circunstâncias que marcavam a Ibéria, agora ou talvez no futuro.
- “Gurri como é que o vosso povo suporta a ameaça romana e decide ficar quieto, não apoiando as forças que pretendem manter a Ibéria livre?” Puxou do copo e desviou o olhar para diluir a tensão e dar à questão um tom espontâneo e despreocupado.
O vacceu fitou Alépio, encheu os pulmões e, por breves momentos em que parecia que ia explodir, suspendeu a respiração, expirando depois para tomar uma verbalização calma e equilibrada: - “Da mesma forma que todos vós suportastes a invasão da mãe pátria pelos de Cartago e a subsequente exploração dos nossos recursos, sem que alguém os cá chamasse”. E pegou também no copo. Gurri, apesar de ser sobretudo um formidável “engenho bélico”, demonstrava que tinha arte na política e na diplomacia e que não fora por acaso o escolhido para estar ali em representação dos vacceus.
Alépio retorquiu: “Tens a tua razão Gurri, admito-o. Porém é abissal a diferença entre púnicos e romanos. Os púnicos vieram para a Ibéria porque foram perseguidos e desalojados dos antigos domínios precisamente pelos romanos. De cá querem apenas relações de negócio. O comércio está-lhes no sangue. Não querem dominar pelas armas a nossa terra. Pelo contrário, os romanos são mordazes e insidiosos. Querem tomar os territórios da civilização e tudo e todos conquistar. Se Aníbal não os travar, não demorará muito que todos nós estejamos sob as presas da águia romana. Os vacceus tal como os outros povos da Ibéria serão meros prisioneiros na sua própria terra. Acredita no que te digo”.
Gurri deixou-se inclinar para atrás e ajeitou-se no soberbo roble que lhe servia de encosto. Cerrou os olhos por poucos segundos e depois fixou o olhar no grupo de músicos que, em frente, tangiam as melodias de saudade e de exaltação de antigas façanhas da nação galaica. Aliás, a grande maioria dos presentes prestava mais atenção aos afamados gaiteiros galaicos do que à conversa entre os dois caudilhos.
Após algumas modas mais líricas, a música tornou-se mais marcial e dois guerreiros possantes iniciaram um espectáculo de luta livre, um costume de longa memória nas reuniões festivas celtas.
 
(Continua…)
 
Andarilhus
XVIII : I : MMIX

 

publicado por ANDARILHUS às 22:39
Quinta-feira , 15 de Janeiro DE 2009

O Tesouro

http://nicholasandrade.atspace.com/images/alma.jpg

 

Anunciou-se pela manhã
Vestido de punhal fero
Queimando no olhar de morte.
Buscou o cajado da partida.
Trincou a fortuita romã,
Esqueceu costumado esmero
E rasgou a ladainha da sorte,
Sem mais, tossiu a despedida.
Não chorou ou riu.
Cobriu-se de libertador véu,
Sem festa, sem exéquias,
Simplesmente saiu…
 
Puxou o céu,
Enrolou-o
Sem vinco ou esquina.
Espremeu o Sol,
Tirou-lhe o ar e dobrou-o
Como fole de concertina.
No baú de couro
Juntou algumas nuvens
Para melhor acomodar
O seu tesouro…
Todos guardou com afeição.
E neles espetou anzol,
No ensejo de reencontrar
O isco do coração.
 
Atrás de si, bateu a porta
Derrubou a casa e aniquilou a rua.
E não contente,
Extraiu aquele pedaço de mundo,
Como se fora dente estragado,
Triturou-o e purgou-o no fogo.
Às escuras aventurou
Só com noite e um pouco de Lua
Hirto como cardo indolente,
Sem topo nem fundo,
Vulto aleijado
Mas, sem lamento ou rogo…
 
Solitário de alma,
Desprovido de rumo,
Segue a direcção do vento,
Descrente do semelhante,
Sem fé de cristão ou mouro.
Virá manhã que salva
Lírica de rouxinol de fumo
Trovando o fim de tormento
E de novo, o infante,
Partilhará o baú do seu tesouro…
 
Andarilhus “(º0º)”
XV : I : MMIX
música: Heroes del Silencio: "Tesoro"
publicado por ANDARILHUS às 14:23

BI

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