A Culpa Sublime

 

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Sim, mea culpa…
Moldar a realidade
Pelo feitiço da utopia,
Deixar a crueldade
Aveludar na fantasia
Como as dores da idade
Em panaceia de óleos e mimos
De profecia propícia.
 
Sim, já fiz de tudo
Para esconder
O que não quero ver;
Para inventar
O que não existe.
Fico mudo
E estático
De tanto gritar
De tanto correr,
Por campos fecundos
De maleitas que dão saúde
De desertos que são nascentes cristalinas
De aleijões que dão virtude
De insípidos pântanos que são salinas.
...De tanto libertar o paraíso na Terra…
 
Sim, mea culpa…
Acreditar na revolução
Do universal amor
Na elevada solução
Da verdade nua remendar
Com os tecidos da mágica
Ternura do labor
De novo mundo idealizar.
 
Sim, suspirei por empenho
Sempre esperançado
Por te encontrar
E não te perder.
Da vida,
Tracei florido desenho
E, como Quixote alucinado,
Arquitectei pórtico para entrar
No teu abraço, e nele colher
Os afectos com que me saudaste
Sobre a colina do meu contentamento.
 
Sim, mea culpa…
A cegueira, a sede, a precipitação.
A tolice da credulidade
De poder atar a felicidade
Com o cordel de balão
Que nos acompanha,
Esvoaçante sobre nossa aura.
A ingenuidade não é pecado;
O sonho não é delinquente:
São, afinal, obras solitárias
Que criam rugas, e olhares perdidos.
Estou cansado, estou velho,
De me enganar, de fugir.
 
Sim, entrego-me
Ao juiz de toda a gente
Confesso o disparate
Desta minha culpa … sublime.
 
Andarilhus
XXVIII : I : MMX
publicado por ANDARILHUS às 17:10