Por Ti Seguirei... (32º episódio)
http://bloguehistorico5.files.wordpress.com/2009/03/get_image1.jpg
(Continuação de http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/53121.html)
…
Talamo era o chefe supremo dos Vetões e pai de Talauto. Recebeu o filho e acompanhantes com a maior das alegrias de comandante e de progenitor, ordenando que se cumprissem todas as honras solenes previstas para acolhimento dos mais ilustres visitantes e convidados.
A cidadela engalanou-se, enchendo-se de música, dança e de refinados e deliciosos odores. Preparava-se o banquete para essa noite. Havia que comemorar e enaltecer de glória a chegada do primogénito e sucessor da linhagem, e hospedar condignamente os seus amigos.
Uma vaca foi sacrificada, e após queimarem o quinhão dos deuses em altar próprio, preparam, entre outras vitualhas, o animal para repasto das gentes.
Talauto narrou à assembleia de ilustres Vetões todos os acontecimentos que tinham ocorrido entre os Celtas e os Romanos, a importância das circunstâncias em curso para o futuro da Ibéria. Comunicou igualmente que se havia adiantado em decisões que responsabilizavam todo o seu povo. Não o fizera por rebeldia aos seus superiores ou por pretensiosismo, mas porque era urgente convocar as tribos Ibéricas para concílio e escasseava o tempo para apresentar o seu plano e pedir autorização perante o seu chefe e o Conselho de Anciãos de Obila. Explicava agora, ali, o seu estratagema táctico para persuadir os chefes dos clãs a reunirem-se e assim debaterem o futuro em conjunto.
Ouvidas as suas palavras, com a atenção de assombro dos seus conterrâneos, Talamo fez-se ouvir, vigoroso e imperativo: -“A sabedoria e atitude de Talauto são exemplos a seguir! Na necessidade imperiosa de decidir, assumiu esse encargo, expondo-se às consequências. Não só no campo de batalha, como também na arte de assumir responsabilidade política, este guerreiro demonstra a maior das coragens. É esta a natureza dos chefes. Valido a sua decisão – uma excelente estratégia diplomática – e assim se fará: seremos o centro da Ibéria, pelo solstício do estio!”
Ouviram-se vivas e elogios à genialidade de Talauto. Os copos encheram-se rapidamente, para se esvaziarem ainda mais depressa. Os presentes queriam saber todos os pormenores das refregas com os Romanos, incitando os do grupo de Rubínia a partilharem as suas façanhas. Alépio, bem humedecido pela cerveja e com uma alegria contagiante, cativou as atenções, entrando pela noite com o esmiuçar dos acontecimentos, sem deixar de lhe juntar alguns pozinhos de exacerbação e fantasia. Os amigos perdoaram-lhe os pequenos exageros e divertiram-se todos com o contador de histórias.
Talauto instalou os amigos em duas câmaras amplas da fortaleza, com todas as comodidades. Ai repousaram até acordarem com o galo a cantar o aparecimento da claridade.
No seguimento de uma refeição ligeira, o hospitaleiro Vetão encaminhou o grupo para uma visita à cidade. Tongídio já conhecia os encantos de Obila e foi logo adiantando que queria ir aos banhos públicos, magníficos, por sinal.
-“Certamente, temos o dia de hoje e todos os que se seguirão. Veremos todos os recantos da minha muito estimada citânia”, disse Talauto, acompanhando com um longo sorriso.
Desceram por uma das ruas que ligava a parte alta e a parte baixa da urbe. Enquanto caminhavam, puderam apreciar as admiráveis vivendas da classe dos notáveis, de pedra bem aparelhada e telhados perfeitos de lajes e colmo, para a seguir lhe ser dada oportunidade para comparar com a humildade e simplicidade das casas dos menos abonados. Em alguns casos eram mesmo rudimentares habitações criadas sob portentosos penedos de granito, ou mesmo lúgubres buracos escavados nas encostas de saibro, a jeito de tocas. O rosto da pobreza estampava-se nos panos rotos que serviam de portas e janelas. E não faltavam frinchas por onde entrava o vento e a água. A realidade ali não tinha nada de especial: era assim um pouco por todos os povoados. As ruas eram percorridas constantemente por pessoas e animais domésticos e silvestres adestrados. Por isso também, a limpeza não prosperava por aqueles sítios.
Chegados à zona plana, percorreram as ruelas labirínticas até se deparem com as áreas mais amplas, abertas e algo arborizadas. Alcançavam então o espaço central da vida pública de Obila. Aí o ambiente era outro, tanto mais que era o lugar mais nobre para a população. Tratavam-no com cuidado e esmero, esforçando-se por o manter limpo e desobstruído.
Uma fonte bem colocada criava, em conjunto com uma pequena mancha de castanheiros, um recanto fresco e bucólico que convidava ao repouso e à conversa calma. Numa outra ala do largo concentraram o buliço da manufactura e do comércio. Lojas de muitas especialidades artesãs produziam e vendiam os seus artigos. As tabernas conviviam em simbiose com a actividade mercantil.
Do lado contrário e em extensão para o eixo do terreiro, encontrava-se o templo principal e pequenos santuários dedicados às divindades mais veneradas. O Templo era sóbrio e, como construção, não era mais do que um altar formosamente talhado, sobre um pódio que exigia 4 degraus de escadaria, ladeado por paredes suficientes para suportar um coberto leve em estrutura de madeira, forrado a colmo. A parte da frente do pequeno edifício religioso tinha apenas uma manta trabalhada em tear, profusamente decorada com motivos naturais, animais e geométricos circulares, ostentando a figura de um radioso Sol, ao centro.
Decidiram então ficar um pouco por ali e tomar uma bebida, enquanto contemplavam as redondezas e a agitação da passagem dos transeuntes.
O taberneiro trouxe as canecas de cerveja e uma caçarola de barro com pequenas porções de carne fumada, para acompanhar. Deixou tudo sobre o bloco de pedra afeiçoado que fazia de mesa, em volta da qual se sentou o grupo, sobre troncos de carvalho, cortados à medida.
-“Bem, agora vou aniquilar os vermes e fungos que tenho atraído nos últimos tempos. Vou aos banhos, ali em frente, ao lado da fraga da fecundidade. Já sinto que trago uma túnica de lesmas agarradas à pele, hehhehhe!!!”
- “Acompanho-te Tongídio. Sempre quero ver se as termas são tão admiráveis como as vacceias.”
- “E iam sem mim?! Nem pensar. Quero também expurgar a pele dos pesos que tenho vindo a acumular desde Bracara.”
Levantaram-se os três caudilhos, aguardando a manifestação de intenções de Rubínia e de Talauto. Porém, ela declinou, dizendo que ficaria por ali a desfrutar do lugar e do repouso. Introspectivamente, Rubínia recordava e sonhava.
O Vetão, embora tivesse vontade de ir aos banhos, por cortesia, ficou a fazer companhia à convidada. Face à recusa dos companheiros sentados, os três guerreiros e líderes de tropas, como catraios, fizeram uma competição de corrida para ver quem chegava primeiro às termas.
O complexo termal era verdadeiramente uma obra de arte. Destacava-se de todas as outras construções do lugar. Parecia que Obila tinha nascido naquele ponto e dali crescera perifericamente. A imagem não era de todo descabida. Obila atingira o seu expoente urbano, em boa parte, devido às águas sulfurosas e quentes que brotavam espontaneamente do interior da terra.
Em tempos ancestrais, naquele ponto recôndito do interior da Ibéria, começaram a surgir acampamentos nómadas, que mais tarde se configuraram em sedentários, em torno das poças de água borbulhante. Construíram-se depois uma rude fonte e um tanque tosco iniciais para retenção e acumulação das águas dos deuses. Já então o assentamento humano se propagara.
Criado o espírito de comunidade e a necessidade de protecção perante visitantes hostis, elevaram-se as primeiras defesas e, dentro dessas surgiram primitivas experiências de organização social. Nascera o povoado.
Mesmo não sendo a primeira impressão, Tongídio extasiou tanto como os dois companheiros, quando voltou a cruzar a antecâmara de recepção do recinto termal. As paredes testemunhavam, de forma elevada, a força artística e criativa dos artesãos que talhavam a pedra. Os motivos geométricos repetiam-se com grande perfeição, intercalados com a representação zoomórficas e vegetais, num equilíbrio que cativava à contemplação. Talvez fosse uma visão do mundo seguinte, onde humanos conviviam com os deuses; talvez fosse uma mensagem epigráfica codificada que indicava o caminho para uma nova e melhor existência. Talvez fosse tanta coisa, mas desfeito o feitiço inicial, havia que retemperar forças nas afamadas águas.
(continua…)
Andarilhus
XVI : XI : MMX