Por Ti Seguirei... (48º episódio)
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Despediram-se de Freixeiro. Mais quatro dias de marcha ligeira e alcançariam Risbadânia. A jornada seria um pouco mais curta se a paisagem de montanha não obrigasse a alguns contornos, na demanda das portelas seculares para as terras atrás daqueles imponentes montes.
Começaram por seguir para Oeste, acompanhando a margem do Durius. Os poucos povoados que cruzaram estavam desertos. Não havia dúvida sobre a razão do abandono: os romanos haviam esvaziado de gentes e recursos todos os lugares que tinham topado no caminho. Assim, asseguravam que não restaria apoio para o inimigo.
Sendo aquela a via mais expedita para o destino traçado e não tencionarem alterar a rota, a comitiva de Talauto manteve uma cadência pausada, de modo a evitar contactos indesejados com as tropas daquela legião “fantasma”, oriunda de parte ainda desconhecida. Nesse esforço, a vanguarda ibérica, bem avançada, batia amiúde o terreno por onde passaria a longa coluna de guerreiros.
Já próximos das terras dos Lijós, encruzilhada dos caminhos que definem os 4 eixos da direcção, e por onde rumariam então a Norte, começaram a surgir evidentes rastos, algo recentes, da passagem de grande multidão e de cavalos. As pegadas eram todas muito iguais, o que poderia significar um calçado militar. O curioso era existirem outras marcas, diversas, e também em grande número, todas próximas, e que se diferenciavam das do outro conjunto mais numeroso.
Os sapadores confirmaram a presença do exército do Lácio e transmitiram imediatamente os sinais encontrados ao chefe vetão.
A presença dos romanos na rota de Lijós, que dava acesso ao Norte, aos contrafortes das terras altas do Maranus e Pardela, complicava irremediavelmente o curso da viagem: ou irrompiam sobre o inimigo, forçando a passagem e correndo o risco de muitas baixas, podendo mesmo provocar a perseguição da cavalaria adversária, o que faria estrago na hoste e atraso na chegada ao destino; ou aguardavam que os romanos se afastassem, e que talvez não fosse solução porque o mais provável seria que eles tomassem também a direcção de Ribasdânia.
O que subsistia por certo era a rápida e indispensável chegada de Talauto ao reduto da defesa, pelo que o recuo ou busca de outro caminho obrigava a um atraso que poderia ser muito pernicioso para a resistência dos patriotas ibéricos.
Os caudilhos debatiam este dilema no seu grupo mais restrito. Pardo participava na discussão, mas mantinha-se calado, fruto da sua maior reserva. Como não chegavam a uma conclusão efectiva, Pardo tomou então a iniciativa de propor uma solução:
-“Se quiserem escutar a minha opinião, talvez vos mostre uma saída, arrojada mas que poderá contornar esta dificuldade.
Conheço bem estas paragens. É zona rica em caça. Com os povoados amigos sempre fizemos por aqui grandes campanhas de captura de animais para salgar e fumar a carne e curtir as peles, e com eles encher os silos para os meses da provação do frio. A armadilha foi sempre a mesma e os resultados de grande sucesso. Podemos imprimir algumas pequenas alterações e emboscar os romanos da mesma forma. Vou explicar-vos…”
Pardo deixou os experimentados guerreiros admirados e com um sorriso irónico no rosto, após a descrição de um formidável ardil que certamente ficaria na memória da Ibéria. A proposta era digna de mestre – própria de alguém como Alépio, apontou Gurri -, embora, também pudesse transformar-se numa grande derrota para os iberos, caso os romanos dessem pela trama.
Conferenciaram mais um pouco, no apuro dos movimentos e acções a realizar. Talauto ficou convencido: era já tempo de afastar o inimigo do caminho e, de preferência, dar-lhe uma boa lição e provocar-lhe o maior número de perdas possível. A batalha final começaria já ali, em terras de Lijós. Deu ordens para colocar a estratégia no terreno.
Com excepção de cerca de trezentos cavaleiros, todo o corpo do exército ibero dirigiu-se para a floresta densa que se situava a Sul e próximo de Lijós. Era o local indicado por Pardo. A razão da escolha daquela floresta em particular estava no facto de no seu interior existir uma nascente de grande manancial de água, que enlodava literalmente o solo. Quanto mais para o interior da vegetação, mais encharcadas permaneciam os terrenos. Um verdadeiro pântano, que dificilmente secava, mesmo no estio, porque o Sol não conseguia furar as copas frondosas das árvores.
O segredo das grandes caçadas estava nessa armadilha, para onde conduziam as presas e, assim, facilmente abatiam javalis atolados até aos úberes ou corsas e veados que simplesmente, atascados, não conseguiam saltar e fugir…
Antes das zonas alagadas do bosque, os guerreiros esconderam-se longe dos caminhos e aguardaram que o chamariz lhes conduzisse os incautos inimigos.
Tongídio, à frente dos cavaleiros nomeados para provocar os romanos, avançou sobre as forças adversárias. Apareceram de rompante sobre os acantonados no exterior de Lijós e inflamaram as primeiras escaramuças. Enquanto se manteve a surpresa, levaram a morte e os suplícios das feridas a muitos legionários, desorganizados e desorientados. Mas, o inimigo recompôs-se num ápice. Mostravam-se soldados veteranos e muito experimentados.
Rapidamente acudiu parte da cavalaria romana, começando a surgir baixas também entre os iberos. Tongídio não queria iniciar a fuga sem atiçar bem o adversário e conseguir cativa-los a todos para a perseguição. Por isso, e apesar do crescendo de camaradas caídos, manteve a refrega por mais algum tempo, até que teve a certeza que a maioria dos romanos estava já empenhada no combate.
O Lusitano deu então o sinal de retirada. A toda a velocidade, os cavaleiros iberos iniciaram uma corrida alucinante na direcção da floresta. Aí, os caminhos mostravam-se estreitos para uma grande massa de gente e a vegetação cerrada não permitia grandes ousadias de busca de outras passagens. Seguiram pelos labirínticos trilhos em longa fila e o mais rápido possível. A cavalaria romana vinha no encalço e não muito longe.
Numa das raras bifurcações, os companheiros aguardavam para camuflar o desaparecimento da maioria dos acossados. O grosso da coluna entrou no desvio à esquerda, o qual foi imediatamente tapado com vegetação cortada mas viçosa, ocultando a passagem, enquanto as pagadas eram varridas do chão com giestas, transformando por completo o lugar.
À direita - e agora único caminho visível - continuavam apenas uns trinta cavaleiros, que pareciam ser apenas a retaguarda do grupo fugitivo, aos olhos dos perseguidores. Os romanos seguiam-nos e nem tinham dado conta do artifício. À frente reduziam um pouco o ritmo e deixavam aproximar os predadores. Estes já sentiam o cheiro da presa e mais acirrados ficaram na caçada, embrenhando-se sem cautelas no coração da floresta.
O terreno começou a revelar humidade e logo a seguir as primeiras poças. Não demorou muito a entrarem na área de grande lamaçal e boa altura de água. Os cavalos perderam a cadência de corrida e passaram a andar apenas a passo rápido e finalmente a passo normal, já com grande dificuldade. Os cavaleiros iberos levavam o mínimo de armamento, conservando-se leves, enquanto os romanos, plenamente equipados, transmitiam um peso muito superior às montadas.
Por esse motivo, verificou-se que a progressão dos fugitivos passou a ser muito superior à dos perseguidores, desaparecendo de vista, ao fim de algum tempo.
Os romanos avançaram mais um pouco, até que a chefia tomou consciência da ineficácia da continuação da acção. Dadas as circunstâncias jamais capturariam os bárbaros. Ordenou então que recuassem e procurassem passagem em volta da floresta.
Assim tentaram, contudo logo perceberam que não eram eles os carrascos, mas antes as vítimas de uma engenhosa cilada montada pelo inimigo, que jamais esqueceriam.
Ávidos de sangue, de conquista e convencidos da sua superioridade, quase todos os efectivos da legião e aliados tomaram lugar na perseguição. Milhares de homens armados estavam agora entranhados nos acidentados e tortuosos carreiros do bosque, numa longa e serpenteante linha humana. Quando a cavalaria pretendia recuar, aproximava-se já a multidão de legionários de infantaria. Estorvavam-se e bloqueavam-se cada vez mais com a chegada de um número crescente de soldados. Cravados ao solo lodoso e sem poderem manobrar para retirar, estavam indefesos e à mercê do destino.
Talauto e os seus não desperdiçaram a ocasião favorecida pelos deuses. Saídos do esconderijo dissimulado, abateram-se sobre as franjas do exército inimigo, carregando sobre indivíduos que se sentiam entregues a si próprios, sem poderem levantar defesas colectivas. Foram-se apertando, procurando salvação da fúria dos autóctones, pressionando a massa humana para o interior do pântano. Os que tinham a infelicidade de escorregar ou cair morriam, em poucos instantes, espezinhados pelos amigos.
Os iberos atacaram em ondas, dado o diminuto espaço e sobre solo enxuto. A força montada trucidava duramente os peões legionários. Contavam-se já centenas de mortos e não havia forma de os romanos desapertarem o nó em que tinham sido atados. Desesperados, os soldados do Lácio mais próximos do calor da batalha, perderam o controlo e a disciplina e encetaram o debandar, furando pela vegetação, largando o armamento que atrapalhava a fuga, e não obedecendo às ordens dos oficiais, que a todo custo ainda tentavam organizar defesas rudimentares.
Generalizou-se a fuga do inimigo, o que permitiu aos iberos dispersar também na perseguição e no alcançar das tropas romanas que se mantinham ainda intactas. Tornou-se então num verdadeiro festim de matança. O lamaçal era já uma vasta área tinta de sangue, coberta de cadáveres e de estropiados que gritavam dilacerados por dores.
Terminada a contenda, Talauto perdera cerca meia centena dos seus guerreiros enquanto infligira quase dois milhares de vítimas no inimigo.
Com o inimigo destroçado e perfeitamente disperso e perdido pelos bosques intermináveis de Lijós, os iberos conseguiam a primeira grande vitória sobre os invasores e alcançavam a grata percepção de, em conjunto, os poderem vencer. Pardo era o herói do dia.
A viagem para Ribasdânia já não tinha, agora, entraves.
Andarilhus
XXVII : VI : MMXI