Por Ti Seguirei... (59º episódio)
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Sem saberem da tragédia que se abatera sobre os seus camaradas, os esquadrões romanos mantinham a distância curta para a fugitiva cavalaria ibérica. Talauto e os seus, melhores conhecedores do território, conseguiam assegurar um espaço de permeio necessário e constante para não serem alcançados, mas sempre atentos para que o inimigo também não perdesse a peugada ou o interesse na perseguição.
As planuras da meseta que se abria nas cercanias de Montes Negros tremiam à passagem dos milhares de equídeos, denunciando a pressa e a crispação. O solo, duramente castigado, revolvia-se, desfazendo-se o equilíbrio natural, ao ponto dos lugares ficarem irreconhecíveis.
No decurso da correria, a vegetação bravia começou a dar lugar a outra realidade, marcada por um novo e progressivo mundo, onde se testemunhava a presença humana, na sua fecunda manifestação de criação. Particularmente naquele quinhão da península, extensos campos de castanheiros desenhavam a paisagem e acusavam uma das principais actividades de produção dos autóctones.
Por essa época do ciclo da vida, os castanheiros estavam já bem desenvolvidos, frondosos e com os ouriços a ultimar crescimento, tornando os soutos muito cerrados. Os perseguidos aproveitavam para atravessar os campos, desaparecendo e aparecendo à vista dos soldados latinos.
Surgiu então uma clareira entre dois pequenos outeiros afastados. Com o inimigo bem visível, os legionários atiçaram ainda mais as montadas para reduzir o intervalo que separava as duas forças… acelerando irremediavelmente para a emboscada.
Os topos das duas colinas coroaram-se de guerreiros, principalmente pelos famosos arqueiros cartagineses enviados por Aníbal. Uma descarga de flechas abateu-se sobre os cavaleiros romanos, completamente a descoberto e numa situação inferior, oferecendo-se como alvos fáceis. Tombaram bastantes à primeira bateria de projécteis.
Caídos, homens e animais acabavam por morrer sob o andamento alucinado da restante coluna militar. Os oficiais, assim que perceberam a cilada, em desespero, incitaram ao máximo os cavalos, dirigindo-se para a protecção de mais um dos muitos soutos da região. Aí, julgando-se a salvo, abrandaram e entranharam-se no lato bosque de castanheiros, determinados em reunir a hoste e decidir a continuação da operação; a cavalaria ibérica sumira-se e a alternativa, conjugada com o regresso ao centro do exército, poderia passar por uma incursão punitiva sobre os bandos de bárbaros que, atrás, acabavam de os atacar, deixando-os com sérias baixas.
Face ao terreno, organizaram-se na formatura possível e iniciaram a manobra de retorno. Acelerariam em investida para os cimos dos outeiros assim que saíssem para campo aberto. De fronte para o inimigo, não seriam miras tão fáceis para os arqueiros.
Os intentos saíram novamente gorados. Os peninsulares voltavam a perturbar os projectos dos romanos, reaparecendo na orla do souto com a sua cavalaria e patenteando ordem para combate, pela disposição das unidades numa extensa frente alinhada.
Predispostos para a batalha e mesmo ansiosos, estavam também os do Lácio. Da mesma forma que o adversário, cerraram fileiras alongadas.
“Provavelmente, aqueles cães vão dar meia volta e fugir quando os tivermos quase ao alcance. Devem querer levar-nos para mais uma armadilha. Veremos a reacção que terão; desta vez não cairemos no logro. Avançar, em marcha de passo… para já!” Avalizou o tribuno, chefe em comandante, primeiro em tom baixo, para os mais próximos e depois em vozeirão alto, para se fazer ouvir entre os soldados.
Estendidos pelo campo de castanheiros, contornando-os, o exército romano progredia e ganhava confiança com análogo avanço da força oposta. Desta vez haveria confronto! De ambas as bandas, a passada estugava-se paulatinamente, até ser necessário um controlo mais autoritário para conter os rasgos individuais e manter a organização.
Já a galope, e praticamente em choque, Talauto fez soar a corneta, provocando uma divisão da hoste ibérica em duas metades, as quais se desviaram para o respectivo lado, imprimindo maior velocidade, para caíram em cima dos extremos da formação inimiga. A manobra provocou a desagregação das fileiras romanas, forçadas a acudir os camaradas atacados e a perseguir os celtas.
Com a desordem fomentada, a batalha decorria dispersa pelo souto, através de confrontos entre inúmeros grupos e muitas lutas isoladas. Apesar de significativa diferença de efectivos, penalizante para os nativos, estes conseguiam suster o primeiro embate dos adversários e persistir no combate. E não o faziam por acaso.
Absorvidos na peleja, a superioridade latina e consequente vislumbre de vitória destrambelhou-se e desapareceu quando, das ramagens dos castanheiros - como ouriços maduros e afiados -, começaram a saltar centenas de guerreiros ibéricos sobre os legionários.
Deslocados da guarnição de Montes Negros e ocultos no arvoredo, segundo os planos esquadrinhados na ardósia de Alépio, a comitiva de turdetanos, cónios e túrdulos rapidamente inverteu o equilíbrio de números e a tendência da batalha, que acabou por se tornar nefasta para as tropas de Quintus. Incrementando-se o poder dos opositores, que lhes pulavam para as garupas dos cavalos, lhes trespassavam couraças, tendões e artérias com punhais ou os tombavam das montadas, os do Lácio não suportaram ou conseguiam contrapor a múltiplos e diferentes golpes.
Tal como a maioria dos efectivos da cavalaria romana, da força conjunta de 5 legiões, Graccus Negro não lograria cumprir a promessa de apresentar a cunhada Metella ao seu camarada Pôncio Mirtilio… Menos de meio milhar de cavaleiros teve sucesso na fuga e regressou à base do exército, no vale, já com a tarde adiantada.
Com o ocaso, obscureciam também as perspectivas dos romanos. Quintus Scipius não perdia a ambição ou a certeza na vitória. Tal era inconcebível para a sua mente e personalidade. Todavia, já assumia também que para fazer dobrar a espinha aos bárbaros e conquistar a Ibéria iria custar muito caro em vidas de patrícios e em favores e justiça do Senado. Não previra resistência tão acérrima; aqueles rudes montanheses deveriam saber que estavam vencidos logo à partida: porque lutavam?!
No souto, e após limpeza dos moribundos (acudir aos camaradas e finar os inimigos) e recolha de despojos, um núcleo reduzido de guerreiros recolheu a Montes Negros, enquanto os restantes acompanharam o grupo montado do chefe vetão, formando assim um pequeno exército, de infantaria e cavalaria. Acamparam na floresta para passar o período nocturno.
A dada passagem dos socalcos que acumulavam o desnível até Ortas, Fábio Fúlvios assistira, à distância e amargurado, ao desafio inimigo e à subsequente grande desgraça que se abatera sobre as coortes de assalto enviadas pelo Cônsul, chegando a escutar os gritos sofridos dos que ficavam esmagados pela fúria destravada dos troncos. Parou então, indeciso de retornar ao vale ou prosseguir para a sua missão. Pelas suas contas, com Quintus, sem considerar os aliados, estariam agora o equivalente a duas Legiões, compostas praticamente somente de infantaria, com o grosso da cavalaria ausente (ainda não tinha conhecimento da derrota que também flagelara esse corpo do exército), o que poderia ser pouco se os iberos atacassem.
Aguardou e como não presenciou movimentos de Ribasdânia, fez-se ao caminho para Ortas. Ao seu dispor, tinha agora cerca de 6500 legionários, prontos para atacar o grande baluarte do inimigo. Acantonou para passar a noite. A campanha recomeçava com o alvorecer seguinte.
(continua)
Andarilhus
IX : XVIII : MMXI