Quinta-feira , 26 de Julho DE 2012

Caminho Português de Santiago: Diário - Dia 2

 

 

 

Caminho de Santiago, Valença do Minho – Compostela, Julho 2012

Diário / Crónica

 

Porriño – Pontevedra; 14 de Julho de 2012

2º dia

 

Ao segundo dia, as perspetivas climáticas não eram muito abonatórias. Pelas previsões meteorológicas iríamos encontrar mais chuva, embora com tendência de redução da sua intensidade. E, de facto, S. Tiago deve ter dado uma palavrinha a S. Pedro. Felizmente, apenas aos primeiros km nos foi exigido envergar os impermeáveis, e por pouco tempo. Passamos isentos dos tormentos provocados pela água dos céus no dia anterior.

Porriño ficava para trás e apontamos a Redondela como etapa intermédia do dia.

Após alcançarmos Mós e o seu belo palácio, e transposto a subida do monte que se lhe seguia - o Monte Cornedo – o ponto mais levado até às redondezas da própria Compostela – tomamos o pequeno-almoço nas proximidades da capela de Santiaguinho de Antas. Comemos “tostadas e café com leche”, servidos com grande simpatia!

A partir de então a presença ocasional da chuva desapareceu definitivamente.

Daí até Redondela o percurso assumiu uma tendência descendente e rápida. Repousamos alguns minutos junto às portas do albergue dessa localidade (onde tencionávamos passar a 1ª noite, segundo os planos iniciais), aproveitando para conhecer mais alguns peregrinos.

À saída de Redondela, e após mais alguns atravessamentos da N550 e do caminho-de-ferro, abraçamos a subida para o Alto da Lomba, parando num pequeno parque de merendas, já a breve curso do cume. Aí almoçamos e reabastecemos de água fresca na fonte do Outeiro de Penas. Enquanto repousávamos, passaram pequenos grupos de peregrinos, sempre em salutar saudação: “Bon camiño!”

Retomamos. Vencido o pendor ascendente, magnífica se transformou a descida com vistas para a formosa Ria de Vigo e a Ilha de S. Simon. Dado o tipo de trilho e da sua verticalidade, dei pernas ao gosto pela corrida na montanha, apesar do “anormal” peso que carregava na mochila. Ao fundo aguardava a já velha conhecida N550!

Surgiu-nos depois Arcade e, um pouco mais à frente, a famigerada ponte “Puente Sampayo”, que faz a passagem sob o rio Verdugo, e onde os espanhóis travaram as invasões francesas.

Entramos então numa extensão prolongada de caraterísticas rurais, com alguma aldeias, muitos campos lavrados e uma das zonas de floresta mais belas e antigas do caminho. Realce para os cruzeiros – outro dos sinais do caminho – tão caraterísticos, apresentando uma iconografia que representa, de um lado, a imagem de Cristo na cruz e, no outro, a imagem de Sua mãe em zelo pelo seu sofrimento.

Passadas algumas paisagens mais urbanizadas, encontramos a Capela de St. Marta. Templo pequeno, singelo e que disponibiliza ao peregrino acolhimento e o carimbo para apor na credencial.

Após mais alguns povoados, entramos em Pontevedra. Depois de nos registrarmos no albergue e tomarmos um banho, bem como o proceder à lavagem de camisolas e meias, empreendemos nova caminhada ao centro da cidade, o qual ainda distava mais de 1 km. Bonito, por sinal.

Eu e o Luís partilhamos uma tábua de “pulpo à feria” e saboreamos a boa cerveja Galega.

No regresso, compramos fruta e eu, como o pulpo não me bastava, ainda fui em busca de mais um petisco, assentando num “tasco” junto ao Albergue, onde comi tortilha e apreciei o excelente vinho das “rias baixas”. Acabei por embrulhar metade da tortilha em pão, preparando assim o almoço do dia seguinte. E que dia seria esse!

O albergue de Pontevedra tinha excelentes condições, dentro do que é a modesta condição destes estabelecimentos, os quais, de uma maneira geral, disponibilizam uma área para cozinhar, outra para lavagem/secagem de roupa, uma sala de convívio e refeição, os banhos e o dormitório, que é comum, organizado em beliches.

Por esse dia, fisicamente estava bem, apenas com algum cansaço na planta dos pés e o início de uma lesão na perna esquerda, na junção com o pé, a qual se agravaria no dia seguinte por descuido meu.

O Luís, apesar das bolhas nos pés, mostrava que as sequelas e padecimentos do primeiro dia haviam sido resultado de condições anormais. Estava ali para chegar ao fim, ao objetivo.

Mas o dia seguinte seria realmente a grande prova!

 

Andarilhus

XXVI : VII : MMXII

 

publicado por ANDARILHUS às 21:16

Caminho Português de Santiago: Diário - dia 1

 

Caminho de Santiago - Valença do Minho – Compostela; Julho 2012

Diário / Crónica

 

 

Porto, Valença, Tui - Porriño; 13 de Julho de 2012

1º dia

 

Pelas 6h57 do dia 13 de Julho de 2012 entrava, enfim, na composição de Metro, que me levaria à estação de Campanhã. Chegado aí, encontrei-me com o Luís Miguel e embarcamos no comboio internacional para a Galiza. Partimos pelas 7h55 e arribamos a Valença do Minho cerca de 2 horas depois.

Em Valença colocamos o primeiro carimbo na credencial de peregrino e iniciamos a missão que nos trouxera ali.

Avançamos um pouco ainda em terras lusas, até atravessarmos a ponte internacional e entrarmos em Espanha. Na ponte começamos os registos fotográficos e acabei por perder o meu chapéu de aba larga. Não chegou a internacionalizar-se! “Perdíamos” também 1 hora. Estávamos próximos das 11h30, espanholas.

Se em Portugal a chuva ameaçou mas não perturbou, logo que entrados em Tuí, começou o aguaceiro, que nos iria acompanhar todo o dia. Tratou-se imediatamente de colocar os impermeáveis, cobrindo o corpo e a mochila.

Com as paisagens acinzentadas e cobertas pela borrasca, mergulhamos nas entranhas de Tuí, tomando contacto com os diferentes instrumentos de indicação do caminho – as vieiras, os marcos e as setas pintadas a amarelo. Atravessamos o casco velho da cidade e alcançamos os primeiros troços rurais do caminho, trocando o cimento e o betão pelas pedras e terra, bem mais próximas do mais antigo assentamento do caminho, serventia de muitas gerações e povos e que, agora, seguíamos também: a via romana XIX.

Acabamos igualmente por conhecer outras vias de comunicação que estariam sempre presentes no percurso, quer pelo seu uso ocasional, quer pelo seu cruzamento constante. Refiro-me à estrada nacional N-550, o caminho-de-ferro e, com menos frequência, a auto-estrada.

A chuva fez-se persistente, pelo que, após uns 10 km percorridos, quando paramos para almoçar junto à Igreja de Santa Columba de Ribadellouro, a humidade já deixava as suas marcas.

Reforçadas as energias e trocadas as camisolas, retomamos. Passamos mais uma ponte medieval e chegamos àquela que é a pior parte do caminho: a Zona Industrial de Las Gándaras de Budiño. São alguns km a subir e descer passeios, ladeados por fábricas e parques industriais e com muito movimento de camiões. Algo deprimente.

À pressão da chuva somava-se uma extensão ampla de estrada nacional, com as mesmas condições desagradáveis da Zona Industrial. Parámos para animar um pouco com uma cerveja e tomou-se, então, a decisão de não cumprir o previsto – avançar até Redondela – mas antes ficar por Porríño.

Os níveis de entusiasmo decaíram um pouco com os contratempos desta fase inicial da jornada. O Luís ressentia-se de um joelho e ganhou bolhas nos pés, pela pouca drenagem da água pluvial nas meias e botas. Entendeu que, por segurança e precaução para os dias seguintes, não deveria avançar mais.

Tínhamos planeado juntos a empreitada e projetado realizá-la e finalizá-la em conjunto. Por isso, reformulou-se toda organização do espaço a vencer pelo tempo disponível. De acordo com a implantação dos albergues no trajeto, recalculamos os percursos diários, por forma a recuperarmos as perdas do dia e tentarmos chegar a Compostela no dia 16, pela hora da missa: 12h.

Ficamos no Albergue de Porriño, com 24 km cumpridos (quando se previa fazer 34/36 km). Ficamos também algo apreensivos, sobretudo na expectativa de recuperação do Luís para o dia seguinte. Se durante o repouso noturno não conseguisse corrigir o desgaste que havia acumulado, dificilmente seguiria viagem. Mas, o Luís foi um herói, vencendo a adversidade. Apesar de algum sacrifício - mas já bem melhor­ -, no dia seguinte arrancou para uma etapa de 32 km!

Porriño acolheu-nos com grande simpatia, e num albergue com excelentes condições, dentro da austeridade que os carateriza. Com um banho, a reformulação dos planos e muita esperança na melhoria das circunstâncias, ficamos mais animados.

Tive, então, a “malvadez” de convencer o Luís a calcorrear mais umas largas centenas de metros no reconhecimento da localidade. Jantamos uma pratada de zorza (carne em vinha de alhos) com batatas fritas, plena de calorias, sal e melhor disposição. No supermercado garantimos alguns bens para o dia seguinte.

Fomos descansar. A roupa estava a secar em espaço próprio, as botas/sapatilhas recheadas de jornais para secar a água acumulada da molha, e nós a ocupar um beliche de uma longa camarata, quase cheia, com portugueses, espanhóis e gente de outras nacionalidades.

E é no contacto com estes companheiros de fado, desconhecidos, na sobriedade do albergue, e nos registos da memória das vicissitudes e das emoções vividas durante o dia, recuperados no silêncio da penumbra, que atingimos aquilo que para mim são os entendimentos e os sentimentos associados à peregrinação. Percebemos a alegria do caminho – o já percorrido e o que há a percorrer -, o despojar de tudo o que é acessório, reduzindo a nossa existência material ao essencial, a importância do apoio de conhecidos e desconhecidos, a camaradagem, a amizade, o sentimento de fazer parte de algo simples mas bom e de bem. E, sobretudo, a partilha coletiva não só das condições possíveis, desprovidas do conforto habitual, mas também a partilha do indivíduo com tantos outros com que se cruza.

Descansamos, e antes da alvorada já nos erguíamos e arrumávamos os pertences nas mochilas.

O Luís reagia bem e predispunha-se a continuar. Fiquei feliz por conseguirmos manter o projeto; fiquei orgulhoso pelo companheiro de vontade tenaz e que não desistia, mesmo que tal significasse algum padecimento.

Com a luz tímida que inaugura o novo dia, saímos com destino a Pontevedra.

 

Andarilhus

XXV : VII : MMXII

publicado por ANDARILHUS às 08:10

BI

pesquisar

 

Julho 2012

D
S
T
Q
Q
S
S
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
28
29
30
31

posts recentes

últ. comentários

  • Cara Otília Martel,agradeço a visita, a saudação a...
  • Há anos que aqui não entrava. Ou antes, tinha perd...
  • Obrigado!Depois, publicarei os dados/relatos das j...

mais comentados

Tombo

Visitas

Viagens

Chegar-se à frente

subscrever feeds

blogs SAPO


Universidade de Aveiro