Sexta-feira , 27 de Julho DE 2012

Caminho Português de Santiago: Diário - Dia 4

 

 

 

Caminho de Santiago, Valença do Minho – Compostela, Julho 2012

Diário / Crónica

 

Padrón – Compostela; 16 de Julho de 2012

4º dia

 

A etapa derradeira não era longa em extensão, porém era exigente por motivo do tempo disponível para a cumprir.

Por isso, levantamos tão cedo que, mesmo ocupado algum tempo na higiene, no arrumar da mochila, e no pequeno-almoço (a Pizzaria abria às 5h30 para servir refeições aos peregrinos que partiam), quando nos metemos a caminho ainda a noite dominava. Aliás, tivemos mesmo dificuldade em encontra as primeiras referências de orientação… E o GPS do telemóvel que registava o percurso efetuado negou-se a cumprir a sua parte!!!!

Mas isso não era importante. Na verdade, recuperáramos o possível nas curtas horas de repouso, ao que acrescia a minha preocupação com a lesão e algumas dificuldades também do Luís, atormentado sobretudo pelas bolhas nos pés. Contudo, lá estávamos predispostos a cumprir o objetivo: alcançar Compostela pela hora da missa (12h) era difícil, mas não impossível. Havia cerca de 24 km que nos separavam do desiderato.

Pelas indicações que havíamos reunido, tratava-se de um percurso pejado por aglomerados humanos, uns mais rurais outros mais urbanos. A presença do casario seria uma constante. Assim como a N550 e o caminho-de-ferro.

A pouco mais de 2 km, enveredamos por um caminho antigo, de origem medieval, com inicio em Romeris e que seguia depois por uma sucessão de aldeias.

Passamos então pelo santuário de Escravitude, e aí começou a subida até Angueira de Suso. A descida correspondente levou-nos até Teo (onde existe um albergue) e às proximidades do Rio Tinto, percorrendo uma lata extensão da estrada nacional.

Entretanto, alcançávamos alguns dos peregrinos que também haviam saído de Padrón – o já referido grupo de italianos e um grupo de estudantes de arquitetura da Universidade do Porto -, bem como outros grupos que haviam iniciado jornada do dia, provavelmente, a partir de Teo.

O percurso por Francos e a passagem pelo Rio Tinto trouxe mais um momento de sombra, oferecida pela vegetação.

Por essa altura, adiantei-me ao Luís. A perna mostrava bem as sequelas da imprudência do dia anterior. Estava bastante inchada e fazia-se sentir no movimento de caminhar. Por isso, combinei com o Luís que iria aumentar o ritmo com receio de que o problema pudesse atingir tal proporção que me obrigasse a parar. Por sua vez, também ele se sentia algo indisposto e fazia intenção de ir ao albergue de Teo para se refrescar (acabou por não o fazer, por que começou a sentir-se melhor, entretanto). Faltavam cerca de 13 km para a nossa meta.

Num ritmo quase de trail de montanha, venci a distância até às portas de Compostela rapidamente. Atingido o Milladoiro, a descida para Compostela é bastante inclinada e por um trilho bastante apertado, mas muito bonito.

Entra-se na cidade do Santo junto ao hospital geral e em subida acentuada, logo após se ter atravessado o caminho-de-ferro e a ponte sobre o rio Sareja. Assim que a inclinação se reduz quase à planura, desaparecem as evidências do caminho e ficamos largados no centro de uma cidade com algum movimento.

Porém, o caminho é fácil (sei-o agora): é sempre para cima e a direito! Passam-se duas alongadas avenidas e entramos nas ruelas que enleiam a Catedral do Apóstolo Santiago.

Esta curta desorientação fez-me perder algum tempo, porém, tamanha aceleração desde Teo colocou-me no objetivo cerca das 11h20.

Tive, assim, folga para ir colocar último carimbo na credencial de peregrino. Dirigi-me, então, à Oficina dos Peregrinos, e lá recebi o meu diploma! Bebi ainda a cerveja da praxe, sentei-me no largo em frente ao templo, e pelas 12h entrei para acompanhar os ritos.

Não estava imbuído da fé que muitos carregavam sem peso, porém a sensação etérea e abstrata do dever cumprido, o encontro comigo e com todos aqueles que levava comigo, o diálogo interno e aquele ambiente quase celestial, transbordaram na sensação e vivência da paz e numa calma que já me fazia falta… há muito tempo. Recomendo, e pretendo repetir as vezes que forem possíveis. É um estado de espírito e de se ser humano, únicos e transcendentes.

O Luís entrou na catedral pouco depois da missa começar e o sorriso que cingia no rosto manifestava todas estas emoções, e provavelmente ainda mais.

Abraçamo-nos na paz do companheirismo. Conseguíramos, e em equipa!

 

Andarilhus

XXVII : VII : MMXII

publicado por ANDARILHUS às 21:27

Caminho Português de Santiago: Diário - Dia 3

 

 

 

 

Caminho de Santiago, Valença do Minho – Compostela, Julho 2012

Diário / Crónica

 

Pontevedra - Padrón; 15 de Julho de 2012

3º dia

 

Pelo 3º dia fomos dos primeiro a levantar, preparar a mochila e a arrancar do albergue de Pontevedra, testemunhando a transição entre o esboroar da noite no caldo da claridade tímida da luz matinal. Quando cruzamos a cidade mal se viam as indicações. Em contraponto, encontramos os derradeiros resistentes da boémia noturna, ainda com grande energia.

Atravessamos a famosa ponte que estava na origem do nome da cidade e deixamo-la ainda sonolenta.

A tarefa a que nos propúnhamos nesse dia era a de maior desafio de todo o plano. Com vista à recuperação do terreno adiado no dia inaugural, e para chegarmos a Compostela pelas 12h do dia seguinte, havia que cumprir os 42 kms que nos separavam de Padrón. Seríamos capazes, sobretudo depois do acumular das distâncias já percorridas? Pelo menos em vontade e esperança já nos sentíamos lá!

Para além do espaço a vencer, a nova etapa começava com um fator menos positivo: saíamos há hora em que alguns bares estavam ainda abertos, mas quanto a padarias ou cafés, todos se encontravam encerrados. Restava-nos umas peças de fruta, uma saqueta de bolachas e barras de cereais para o sustento da empreitada madrugadora.

E pior se tornou após a saída de Pontevedra, não surgindo qualquer estabelecimento com alimentos durante vários km.

Só depois de galgarmos mais de 10 km, passando por algumas igrejas/capelas de referência (Virxen Peregrina, Stª Maria de Alba, S. Caetano) e pequenas aldeias (Liborei, Castrado), sermos abençoados pelo bucolismo de um belo bosque (à imagem das florestas ancestrais), é que alcançamos a aldeia de S. Mauro, onde um oportuno café nos facilitou, finalmente, o pequeno-almoço. E o almoço, pois o bocadillo de queijo dava para várias refeições!

Mais confortáveis das entranhas, colocamos as mochilas às costas e retomamos por uma descida que dava ganas de correr (S. Mauro era o ponto mais alto do perfil topográfico até Caldas de Reis).

Por falar em correr, eu que usava umas meias altas e de pressão, próprias para corrida, acabei por criar uma lesão na ligação da perna esquerda ao pé, por motivo de utilizar inadequadamente as referidas meias, amarfanhando-as junto ao calçado e forçando assim, inadvertidamente, uma zona de garrote, que estrangulou a circulação sanguínea e me provocou um inchaço pronunciado na área afetada e a sua propagação pela articulação do tornozelo. No dia seguinte, o estado da lesão chegou a assustar-me, com receio de “morrer na praia”.

Durante a descida, e antes de entrar em mais uma zona arborizada, passamos numa fonte onde aproveitamos para reabastecer.

Seguiram-se alguns povoados, outros tantos cruzeiros e igrejas, até atravessarmos a ponte de Valbon. Até aí, e sobretudo daí até Caldas de Reis, cruzamos com muitos autóctones a dedicarem-se aos seus desportos matinais domingueiros – bike e corrida – e, claro está, trocaram-se as saudações próprias e amistosas: “Bon camiño!”, “Olá!”, “bons dias!”.

Depois de passarmos mais alguns troços da N550, nomeadamente junto a Briallos (onde há um albergue), cambiados com algumas paisagens rurais, e arribamos a Tibo, onde descansamos um pouco e abastecemos de água numa bonita fonte de 4 bicas, em metal.

Daí a Caldas de Reis foi um pulinho. Entramos na malha urbana, acercamo-nos das famosas águas calientes - sem parar -, e atravessamos a belíssima ponte romana sobre o rio Umia (ponte Bermaña), logo após a qual, numa sombra e confrontando o albergue (onde inicialmente planeáramos passar a noite anterior), almoçamos. Estava finda a fase inicial da etapa do dia, com os seus 23 km. Faltavam agora cerca de 20 km, até Padrón…

Para a digestão da singela refeição (mas bem acompanhada por uma Mahou) esperava-nos o vale do Bermaña.

Este segundo momento do dia não deixou muitos registos de memória. Desde logo, é uma fase algo “árida” na paisagem (apesar de acompanhar os rios Bermaña e Valga), agravado pelo tórrido calor suportado. Por outro lado, foi percorrido a forte cadência (havia muita distância a tragar e o tempo escoava-se).

Apesar disso, ficaram retidos na recordação alguns troços da N550, o frondoso bosque junto ao rio Valga e a verdadeira “montanha-russa” que foi vencer o traçado da sua margem. Atingido S. Miguel de Valga, foi reconfortante a frescura da sombra e da água da fonte local.

Por essa altura, eu ia adiantado em relação ao Luís Miguel. Tínhamos combinado que, dada a dureza da etapa, eu seguiria a um ritmo mais forte, por forma alcançar Padrón o mais breve possível, e conseguir assim lugar no albergue e reservar também para ele. O Luís seguiria ao seu próprio ritmo, de modo a concluir a etapa.

Atravessei depois algumas povoações e a paisagem passou a ser cada vez mais urbana, ligando Cimodevilla, Fontello, Condide, até Pontecesures. Seguiu-se a passagem sobre o rio Ulla e entrei em terrenos de Padrón.

Segui junto à margem do rio Sar, até que cheguei ao terreiro da feira. Foi fácil perceber isso pelos múltiplos sinais do evento que ocorrera poucas horas antes. Os papéis, plásticos e caixas estavam espalhados pelo chão, ao sabor das forças eólicas, conjuntamente com outro tipo de lixo, mais odorífico...

Desmontavam ainda as tendas de “comes e bebes”, nomeadamente uma “pulporia” que me despertou um sorriso e um pensamento: “Se tivesse chegado a tempo, sei bem onde teria almoçado ou merendado!”.

No jardim subsequente, uma “estrella galicia” aliviou-me da ânsia de paladares…

Uma última subida com piso medieval, de uns 40 mt, apresentou-me perante a funcionária do albergue. Só havia 6 vagas e não me permitiu fazer a reserva pelo Luís. Fiquei um pouco angustiado e a contar os peregrinos que entretanto chegavam e se inscreviam.

Antes que o corpo percebe-se que havia chegado o descanso, avancei para o banho e regressei pronto para o varandim do edifício granítico. Já o Luís entrara no albergue e procedia à inscrição. Descansei enfim e só então me dei conta da lesão e do agravamento daquela. Tinha a perna e o pé bastante inflamados.

Em Padrón busca os pimentos. E mesmo com a perna e pé a reclamarem, após lavar as t-shirts e as colocar a secar, calcei as sandálias e lá fui conhecer a localidade, e em prospeção de jantar. Percorri Padrón, mas acabei por comer numa Pizzaria próximo do Albergue. A comida tradicional era bem-vinda, mas o esforço exigia hidratos de carbono e… gordura.

Acabei surpreendido com uma Pizza enorme (tamanho familiar, em Portugal), por 7,50€ e muito saborosa. Eu que ficara de levar algo para o Luís jantar (preferiu ficar no albergue), não precisei de comprar nada diferente: a massa discada italiana chegou bem para os dois.

A noite no albergue mostrou-se muito agitada, por motivo diversos, e o descanso de pouca dura. E foi mesmo com agrado que seguimos o grupo de italianos no acordar pré alvorada. Urgia aproveitar bem a manhã.

Andarilhus

XXVII : VII : MMXII

 

publicado por ANDARILHUS às 07:51

BI

pesquisar

 

Julho 2012

D
S
T
Q
Q
S
S
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
28
29
30
31

posts recentes

últ. comentários

  • Cara Otília Martel,agradeço a visita, a saudação a...
  • Há anos que aqui não entrava. Ou antes, tinha perd...
  • Obrigado!Depois, publicarei os dados/relatos das j...

mais comentados

Tombo

Visitas

Viagens

Chegar-se à frente

subscrever feeds

blogs SAPO


Universidade de Aveiro