Caminho Português de Santiago: Diário - Dia 4
Caminho de Santiago, Valença do Minho – Compostela, Julho 2012
Diário / Crónica
Padrón – Compostela; 16 de Julho de 2012
4º dia
A etapa derradeira não era longa em extensão, porém era exigente por motivo do tempo disponível para a cumprir.
Por isso, levantamos tão cedo que, mesmo ocupado algum tempo na higiene, no arrumar da mochila, e no pequeno-almoço (a Pizzaria abria às 5h30 para servir refeições aos peregrinos que partiam), quando nos metemos a caminho ainda a noite dominava. Aliás, tivemos mesmo dificuldade em encontra as primeiras referências de orientação… E o GPS do telemóvel que registava o percurso efetuado negou-se a cumprir a sua parte!!!!
Mas isso não era importante. Na verdade, recuperáramos o possível nas curtas horas de repouso, ao que acrescia a minha preocupação com a lesão e algumas dificuldades também do Luís, atormentado sobretudo pelas bolhas nos pés. Contudo, lá estávamos predispostos a cumprir o objetivo: alcançar Compostela pela hora da missa (12h) era difícil, mas não impossível. Havia cerca de 24 km que nos separavam do desiderato.
Pelas indicações que havíamos reunido, tratava-se de um percurso pejado por aglomerados humanos, uns mais rurais outros mais urbanos. A presença do casario seria uma constante. Assim como a N550 e o caminho-de-ferro.
A pouco mais de 2 km, enveredamos por um caminho antigo, de origem medieval, com inicio em Romeris e que seguia depois por uma sucessão de aldeias.
Passamos então pelo santuário de Escravitude, e aí começou a subida até Angueira de Suso. A descida correspondente levou-nos até Teo (onde existe um albergue) e às proximidades do Rio Tinto, percorrendo uma lata extensão da estrada nacional.
Entretanto, alcançávamos alguns dos peregrinos que também haviam saído de Padrón – o já referido grupo de italianos e um grupo de estudantes de arquitetura da Universidade do Porto -, bem como outros grupos que haviam iniciado jornada do dia, provavelmente, a partir de Teo.
O percurso por Francos e a passagem pelo Rio Tinto trouxe mais um momento de sombra, oferecida pela vegetação.
Por essa altura, adiantei-me ao Luís. A perna mostrava bem as sequelas da imprudência do dia anterior. Estava bastante inchada e fazia-se sentir no movimento de caminhar. Por isso, combinei com o Luís que iria aumentar o ritmo com receio de que o problema pudesse atingir tal proporção que me obrigasse a parar. Por sua vez, também ele se sentia algo indisposto e fazia intenção de ir ao albergue de Teo para se refrescar (acabou por não o fazer, por que começou a sentir-se melhor, entretanto). Faltavam cerca de 13 km para a nossa meta.
Num ritmo quase de trail de montanha, venci a distância até às portas de Compostela rapidamente. Atingido o Milladoiro, a descida para Compostela é bastante inclinada e por um trilho bastante apertado, mas muito bonito.
Entra-se na cidade do Santo junto ao hospital geral e em subida acentuada, logo após se ter atravessado o caminho-de-ferro e a ponte sobre o rio Sareja. Assim que a inclinação se reduz quase à planura, desaparecem as evidências do caminho e ficamos largados no centro de uma cidade com algum movimento.
Porém, o caminho é fácil (sei-o agora): é sempre para cima e a direito! Passam-se duas alongadas avenidas e entramos nas ruelas que enleiam a Catedral do Apóstolo Santiago.
Esta curta desorientação fez-me perder algum tempo, porém, tamanha aceleração desde Teo colocou-me no objetivo cerca das 11h20.
Tive, assim, folga para ir colocar último carimbo na credencial de peregrino. Dirigi-me, então, à Oficina dos Peregrinos, e lá recebi o meu diploma! Bebi ainda a cerveja da praxe, sentei-me no largo em frente ao templo, e pelas 12h entrei para acompanhar os ritos.
Não estava imbuído da fé que muitos carregavam sem peso, porém a sensação etérea e abstrata do dever cumprido, o encontro comigo e com todos aqueles que levava comigo, o diálogo interno e aquele ambiente quase celestial, transbordaram na sensação e vivência da paz e numa calma que já me fazia falta… há muito tempo. Recomendo, e pretendo repetir as vezes que forem possíveis. É um estado de espírito e de se ser humano, únicos e transcendentes.
O Luís entrou na catedral pouco depois da missa começar e o sorriso que cingia no rosto manifestava todas estas emoções, e provavelmente ainda mais.
Abraçamo-nos na paz do companheirismo. Conseguíramos, e em equipa!
Andarilhus
XXVII : VII : MMXII