Quarta-feira , 22 de Abril DE 2015

Por Ti Seguirei... (2.15)

9.-corvus.jpg

 http://victoraguilarchang.com/el-corvus-el-gran-destructor-de-barcos-cartagineses-y-romanos/

 

Destacada na vanguarda, a embarcação controlada pelos cilícios tomou a iniciativa do ataque com o envio de uma repetida salva de flechas. Duas das trirremes romanas avançaram, uma em rota de colisão e a outra a descrever um semicírculo, procurando ganhar o flanco ao inimigo. A terceira galera latina colocou-se em linha de confronto com o navio principal dos piratas, mas à distância.

Intensificou-se o arremesso de projéteis entre os beligerantes, surgindo as primeiras baixas de parte a parte e o aparecimento de pequenos focos de incêndio. No meio da fumarada - que começava a tolher a visibilidade - percebia-se a intenção dos romanos: enquanto o inimigo se concentrava no embate com o navio que chegava de frente - já muito próximo do contacto entre cascos -, o movimento da segunda galera ganhava uma posição perpendicular ao adversário com a intensão de lhe ferrar o seu espigão demolidor no ventre.

No tombadilho inferior, afastados das escaramuças, os iberos tiveram imediata perceção das consequências dos acontecimentos que se adivinhavam. Agitaram-se, procurando, ingenuamente, libertar-se das correntes que os aprisionavam, mostrando sinais de pânico, levando alguns a autoflagelar-se com o esfacelar de pele e carne. Os grilhões de ferro começaram a ruborescer com a efusão de sangue.

Zlaton, ao longe, parecia distraído e negligente, permitindo a manobra tática do inimigo. Porém, para os que o conheciam, o pertenço descuido não era por acaso. Tinha o plano traçado…

A pertença inércia dos cilícios, e perante um risco elevado de desaparecerem nas profundezas do grande oceano, os iberos continuavam em luta desesperada por se soltarem de um destino agoirento, indiferentes às chicoteadas dos piratas que, em vão, os subjugavam à quietude e a manterem-se no controlo dos remos.

Tongídio esperou pelo melhor momento e, num balanço do barco que trouxe um dos piratas ao seu alcance, acertou-lhe uma vigorosa patada, atirando-o contra Caturnino. Este, por sua vez, apanhou o pescoço do desgraçado no cerco dos seus braços, apertando-o com a corda que lhe prendia os punhos. Asfixiou-o rapidamente. O outro cilício acorreu a socorrer o companheiro, mas levou com o peso do moribundo, arremessado por Caturnino, tombando e desmaiando de seguida, quando recebeu o embate do calcanhar de Tongídio. Conseguindo alcançar o punhal de um dos desfalecidos, os iberos acabaram por se soltar das cordas, despachando-se, depois, a libertar das amarras os demais que se encontravam aos remos.

Entretanto as embarcações colidiam à proa. O raspão corrediço dos bronzes dos esporões forçou ao encosto lateral dos cascos, entoando o som de lenhos deformados, estalados, também pela quebra dos remos não recolhidos. Imediatamente, os romanos deixaram tombar o corvus, espetando profundamente o espigão afiado daquela espécie de ponte levadiça no convés inimigo. Estava garantida firme passagem entre as embarcações, e a imobilidade da presa.

As escaramuças iniciaram-se sobre a tábua que prendia os dois navios, mas sem que os romanos – em número esmagador perante a tripulação adversária – forçassem a abordagem. Continham-se em espera pela chegada dos companheiros que ganhavam a posição tática pretendida.

Acelerada para o embate, a segunda trirreme latina investia perpendicularmente, direta à contenda e próxima de causar estrago irreparável.

Por Trebaruna, rebentem com a escotilha! Temos de fugir para a coberta! Vejam, já se vê o brilho do metal da quilha. Vamos ao fundo! – gritou Rubínia para os que esgalhavam nas madeiras que envolviam a grade que os fechava.

Os receios de Rubínia concretizaram-se. Num ápice, com grande estrondo, o casco de madeira cedeu à frieza bruta do metal. Arrombada e invadida no porão pelo ferrão inimigo, a galera dos iberos começou a engolir grandes quantidades da água salgada. A sua sorte estava traçada.

Redobrados os esforços, por fim, o alçapão cedia, deixando que os aflitos subissem para espaço, por enquanto, seco.

Com as galeras romanas, de uma maneira ou de outra, encaixadas e retidas na embarcação que premeditadamente fora enviada como chamariz, Zlaton decidiu, então, prosseguir com a etapa seguinte do plano. O navio principal dos cilícios arrancou veloz, determinado a alcançar a trirreme latina que acabara de levar a cabo a manobra de abalroamento.

Aproximaram-se pela popa, bloqueando o movimento daquela, retida à frente na galera que se afundava e entalada atrás pelo cerco de Zlaton, sendo de imediato abordada pelos cilícios. Os romanos, surpreendidos, passaram de atacantes a invadidos.

Entretanto, para evitarem o apoio das tropas da primeira galera inimiga, os piratas ainda presentes na embarcação dos iberos lançaram fogo à proa. Alimentado pelo inflamável óleo gorduroso com que haviam untado a madeira, o incêndio deflagrou rapidamente, propagando-se ao corvus e daí à trirreme latina. Em poucos instantes toda a ação concentrava-se no navio romano, com as investidas à vante e à ré dos guerreiros cilícios.

Já no convés, com a sua embarcação inclinada pela submersão nas águas e a arder (apenas à tona por estar suspensa nas duas trirremes romanas), Tongídio viu que o salvamento do seu séquito só seria possível se saltassem também eles para o palco da luta. E assim fizeram.

O som das armas, os gritos de raiva, os ganidos sofridos, misturavam-se com o intenso fumo negro que chegava das lavaredas crepitantes que consumiam os dois navios em chamas. Os iberos procuravam evitar os confrontos, guiados por Rubínia, que tinha como meta atravessar a embarcação latina e alcançar a dos cilícios. A fraca visibilidade ajudava, mas não evitava que Caturnino, Tongídio, ou outros guerreiros, tivessem de abater alguns opositores, independentemente da fação beligerante. Leuko, na vanguarda, ajudava a furar a cortina nebulosa, vigilante com o que ia surgindo pela frente.

- Vamos aproveitar a confusão e tomar o barco cilício. A maior parte dos piratas está entretida com os romanos. Precisamos retomar a nossa demanda; atrasamo-nos com estes loucos! – Rubínia entusiasmava os restantes, quando já se aproximava da amurada que buscavam ultrapassar.

Conseguiram-no. Primeiro pularam para o interior do navio cilício os guerreiros mais fortes, determinados a dominarem a tripulação que permanecia em vigilância. Os restantes foram passando entre amuradas, despercebidos aos que se encontravam envolvidos na batalha com os do Lácio.

Dominados os poucos guardas, os iberos cortaram as amarras e, com os longos cabos dos arpões, empurraram as embarcações entre si, deixando as duas fações beligerantes a disputarem a galera romana.

Do outro lado da confusão, acercara-se também a terceira galera romana. Apesar da fraca visibilidade provocada pelo denso fumegar das temperadas madeiras, as dificuldades dos camaradas percebiam-se bem à distância, nomeadamente, o perigo de afundamento de uma das embarcações da esquadra e o abandono em debandada da tripulação para as águas frias.

Às ordens do comandante, a galera intacta posicionou-se entre as outras duas embarcações latinas já envolvidas na batalha para, com a proa próxima do palco dos confrontos, permitir que os legionários lançassem as pranchas e reforçassem as linhas do combate. Enquanto, à popa, iam resgatando os companheiros náufragos que se haviam lançado ao mar para fugir das chamas.

Com a reorganização das hostes romanas, os cilícios sofriam uma crescente desvantagem numérica, e não tinham para onde recuar.

Aleutério observava todos os movimentos de Zlaton, completamente absorto ao que o rodeava e à manobra de afastamento que os iberos levavam a cabo. Rubínea, no meio da azáfama, encontrou-o como que refém do momento, e atentou no que o paralisava. Entendeu. Travou a passagem do marido, e disse-lhe:

- Tongidio, repara em Aleutério. Aquele amuleto de Zlaton aprisionou-o ao passado. Nunca soube o que sucedeu realmente com a família, e agora encontrou uma possibilidade de desvendar o mistério. E… Trebaruna sopra-me aos ouvidos alguns pressentimentos… Tongidio, temos de salvar Zlaton, para bem de Aleutério, e dos nossos próprios desígnios… sinto-o!

O Lusitano contemplou os acontecimentos, o envolvimento de Zlaton nos combates e a situação difícil dos cilícios. Ponderou o risco de se intrometerem na refrega e não aproveitarem para fugir. Mas, o contraste entre as faces lívidas de Aleutério e o fogo dos seus olhos, que ofuscavam as vivas labaredas dos incêndios que pejavam o palco da batalha, levaram-no a uma decisão. Estava-lhe no sangue e na natureza dos seus pares, ser indomável, suscetível e intrépido…

- Parem! Temos de fazer algo por Aleutério, e também por nós… Zlaton tem muito o que nos contar. Foi nosso cárcere, mas os deuses atravessaram-no no nosso destino por alguma razão – sorriu para Rubínia. Vamos resgatá-lo dos romanos e limpar o sebo a algum dos nossos inimigos. Não poupem nas lâminas das falcatas!

Leuko uivou, como se entendesse o que havia sido dito…

 

Andarilhus

XXII : IV : MMXV

 

publicado por ANDARILHUS às 21:29
Segunda-feira , 13 de Abril DE 2015

Por Ti Seguirei... (2.14)

rec-hist-2.jpg

 https://documentariofundeadouroromano.files.wordpress.com/2013/06/rec-hist-2.jpg

 

Quando retomou os sentidos, o líder lusitano viu-se no tombadilho inferior da galera, deitado numa esteira de palha, com Caturnino a seu lado, ainda tolhido por sono profundo.

Runaekoi, despido da parte superior do sago de lã, expunha o peito e o ombro esquerdo enfaixado, e o braço esquerdo suspenso por uma cinta em linho, suspensa pelo pescoço. Deambulava entre as laterais do casco, resmungando para si. Próximo, acompanhando com o olhar aquela deriva sôfrega, estavam as mulheres da expedição. Todos os homens sobrevividos ao ataque encontravam-se agrilhoados nos remos, aos quais iam dando movimento ritmado, às ordens de dois dos marinheiros cilícios.

No convés da embarcação estava mais uma vintena de piratas, atarefados na execução das reparações possíveis após a destruição superficial causada pelo incêndio. Com madeiras, cordas e um pano de vela trazidos do seu navio, iam remendando e remediando os estragos. Ao mastro chamuscado acoplaram uma nova cruzeta, estando a jeito para receber o velame. Limparam o sobrado e consertavam partes fragmentadas da amurada.

- O que se passou? Por Nábia, que sede! – ressoou Tongídio, com a voz cavernosa e rouca, acompanhada de um catarro grosso.

Ergueu-se desajeitado, tomado por náuseas e tonturas. Desequilibrado e sem dar tempo para que o amparassem, foi trôpego até bater e apoiar-se no costado. Deixou-se deslizar, acabando por se sentar.

Rubínia e as túrdulas acorreram, levando-lhe água. O guerreiro saciou-se, mas a voz continuou amarga:

- Só me lembro de ser picado por algo que me lançaram… áh, já me lembro: foi um destes vermes com uma espécie de cana! Vai engoli-la, mald…

- Calma. Foi um dardo com uma poção venenosa. Apenas vos adormeceu. Caturnino também já desperta. – disse Rubínia, virando-se para o lugar em que Caturnino começava a mexer-se – Até a picada já quase desapareceu do teu pescoço. De facto, é uma arma estranha, mas muito eficaz.

 

Pelo entardecer, Zlaton desceu ao tombadilho, acompanhado por alguns homens fortemente armados.

O seu porte e a presença firme e segura impunham respeito. Assim que entrou, concentrou a atenções. Mesmo Tongídio sentiu a aura de solenidade que emanava do chefe dos piratas, mantendo-se em silêncio e quieto, junto a Rubínia.

- Quis o destino que se cruzassem connosco. Pela embarcação, julgávamos que iríamos enfrentar romanos e garantir um novo arsenal de armamento. Afinal, não são latinos, e por isso sereis poupados. Mas servirão para engrossar o pecúlio da nossa arte, pela perda da liberdade e a desgraça da condição de escravo. Sereis vendidos nas costas de Cartago, daqui a poucos dias. – determinou, Zlaton, em tom calmo.

- Espera!... peço-te… - gritou, primeiro, para depois amaciar o timbre, Tongídio – Também nós somos inimigos dos de Roma e temos uma missão. Liberta-nos; deixa que a cumpramos…

- É da natureza do mester que escolhemos granjear riquezas e apropriarmo-nos dos bens e das vidas dos outros, sem exceção.

- E porque protegeste, então, as mulheres que capturaste?

Zlaton aprumou-se e fixou Tongídio com o olhar, sustendo a respiração ao longo do pensamento que o mantinha concentrado, enquanto remexia no amuleto de prata que cingia ao pescoço.

- Somos piratas, mas comigo há regras de conduta a respeitar.

Sem mais, rodou e saiu. Deu instruções para que distribuíssem água e alimento aos prisioneiros. Havia que os manter em forma até ao mercado de escravos.

Debruçado sobre o remo, Aleutério soprava e mostrava-se incomodado. Transpirava, bufava, e balbuciava algumas palavras, impercetíveis.

Rubínia correu para o ancião:

- O que se passa Aleutério. Pareces com febre… Mas, o que dizes? O que dizes?!

- … O amuleto. O amuleto que ele tinha… Só há um amuleto assim… Fui eu que o fiz, há muito tempo, batendo a prata com o cinzel… Fui eu que o fiz…

Ninguém entendia o pobre do homem, que pensavam endoudecer, doente e em estado febril.

Mas, Monda recordou-se da conversa que tivera com Aleutério e aproximou-se:

- O que dizes faz parte dos lugares e dos tempos do teu passado?

Aleutério despertou da visão que lhe tomava o espírito, apossou-se da razão e resolveu contar o que o afligia, com sobriedade.

- O amuleto que Zlaton ostentava, e que tanto apertava na mão, foi feito por mim. Não tenho qualquer dúvida. É uma peça única, feita pela arte do amor que um pai tem pelo seu filho. O meu filho, Tudérico. A quem perdi, conjuntamente com a minha mulher Estefala, após um assalto de cartagineses. Durante o ataque os meus queridos desapareceram. Procurei-os e esperei longos dias para os voltar a ver. Acabei por encontrar apenas as vestes de Estefala no extremo de uma falésia. Julguei-os os mortos. Chorei-os, perdi a vontade de viver. Acabei por abandonar aqueles lugares, deambulando para Norte.

- Sossega Aleutério: ainda teremos uma oportunidade para recuperar o teu amuleto e as memórias que guarda, cortando o pescoço ao pirata. – à sua maneira, Tongídio tentava confortar o companheiro de infortúnio.

- Quão pueril era Tudérico quando o perdeste?

- Caminhava há pouco tempo… - respondeu Aleutério a Rubínia, deixando-a a pensar enquanto esboçava um sorriso sustido.

 

Pelo início da tarde seguinte, o ritmo da deslocação dos navios foi acelerado. Os cilícios mostravam-se atarefados e inquietos, fazendo grande rebuliço no convés. Ouviam-se as ordens dos oficiais e a pronta movimentação dos marinheiros.

- Devemos estar próximos do Grande Mar Interior. Estão a ajustar a cadência para passarmos as Colunas de Hércules durante a noite. É aí que se concentra uma grande força da marinha romana, controlando todos os navios que avistam. – explicou Taer.

Próximos do entardecer e já a vogar para Este, agora a bordejar a costa, acompanhando os seus contornos para não serem tão percetíveis às vigias de Levante, as galeras seguiam perfiladas, com as velas recolhidas e com os remos a tocar as águas plenos de pujança. Muitos dos piratas dormiam, preparando-se para a longa vigília noturna. Só se mantinha ativo o pessoal necessário para assegurar a viagem. Zlaton facilitava, para depois tirar o proveito máximo das capacidades dos seus homens nos momentos mais delicados, que se previam.

Como o destino gosta de zombar e enviesar os cálculos dos Homens, desta vez, os romanos provocavam a falência da estratégia militar de Zlaton, surgindo inesperadamente com 3 galeras de guerra, de grande porte, assim que os piratas contornaram um pequeno cabo.

Sarapantados pelo alerta vigoroso das vigias, os cilícios acorreram aos postos de combate, quando já as embarcações latinas cresciam na aproximação, alinhando-se numa formação que servia de barreira, obstruindo a passagem. O combate era inevitável: qualquer manobra para voltear, procurando a fuga em sentido inverso, deixaria as embarcações dominadas pelos piratas completamente expostas ao abalroamento pelos esporões das galeras romanas. Assim constrangido, Zlaton deu instruções. A galera capturada e com os reféns a bordo serviria de isco. Mandou avançá-la, enquanto preparava a embarcação principal, com a maioria da sua guarnição, para atacar as ilhargas dos navios romanos que se adiantassem para combate.

 

No tombadilho inferior da galera de engodo, enquanto alguns piratas se apressavam a amarrar com cordas todos os iberos que não estavam ainda agrilhoados a um remo, outros vibravam chicotadas sobre os remadores, instigando-os a aumentar a cadência, que permitisse à embarcação assumir a frente da frota.

Entre os agrilhoados no porão, o nervosismo aumentava com o avistamento das quilhas de bronze dos adversários. O drama do abalroamento e consequente afundamento do barco a que estavam presos passava na mente de todos.

Concretizada a manobra, ficaram apenas dois cilícios no tombadilho, enquanto os restantes subiram ao convés, para atrair e enfrentar os romanos.

 

Andarilhus

XIII : IV : MMXV

publicado por ANDARILHUS às 19:33

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