Os ciclos da (des)construção do Erro

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Dizem que o ser humano nasce predisposto para a bondade. Não é difícil concordar com tal preceito quando conjugamos a pureza, a espontaneidade, a terna ingenuidade presente e dominadora nas idades de uma criança. A sua simplicidade, desapego das coisas materiais desmesuradas. A sua despreocupação e o seu equilíbrio com a realidade que conhece, independentemente do seu mundo ser evoluído ou arcaico, ser farto e abundante ou carente dos níveis básicos do conforto, ou mesmo da sobrevivência. Aliás, a tenra idade não vive num tempo específico, não pensa num tempo cronológico sequencial: o que é, o que poderia ser, o que poderá vir a ser… Na verdade, os dias passam, mas não se contam!

Embora generalizando, é plausível assumir que é o espaço e a envolvência das suas vivências que ocupam a atenção das crianças, numa perspetiva de que o Mundo é, exatamente - e corretamente! -, apenas aquilo que conhecem como normalidade.

Mas, a consciência muda quando a socialização na comunidade exige ao juvenil que passe a inteirar-se e a intervir nas atividades comuns, e assuma novas configurações comportamentais. Uma após outra, caem as fantasias da inocência, sucumbem os mundos de refúgio, e começam os rituais de iniciação para a aquisição dos valores (moldar o caráter), dos dogmas e credos, das obrigações e dos direitos, das decisões e opções, dos preconceitos, da competição, dos sentimentos cruzados. Aparecem os primeiros inimigos e começam a subtrair-lhe os amigos. Olha para si e vê, pasmado e desperto, que está nu; que sempre assim se manteve, desavergonhadamente, nu! A criança que, até então, não fazia – ou pensava em - juízos de valor (pelo menos, precisos e explicitamente marcados), descobre a presença do ERRO! Se nascera com o timbre da bondade, conhece agora, e assimila, com maior ou menor apego, a ruindade. Entra, enfim, no emaranhado novelo de contradições entre o Bem e o Mal.

Quando chegados a adultos, pela dominância da aculturação social, mesclada com a resiliência da grandeza da ingenuidade que retemos (escondida) da criança que fomos, assim vamos sobrevivendo entre os infortúnios e os bons momentos, com gradações de ânimo e de esperança no advir.

Num baloiço contínuo, pendulamos algures entre os extremos do Bem e do Mal, ao longo de escalas que nos empurram de comportamentos inertes, suaves, moderados, até, eventualmente, aos limites da bondade ou da maldade, alternado, consecutivamente, entre os pratos da balança, entre o avançar ou o recuar do lanço do baloiço.

Após reflexão gerada na tomada de consciência deste ondular entre os dois lados opostos, que vai ajustando o equilíbrio possível de uma experiência de vida, e deitando mão a um punhado de anotações, reuniu-se a panóplia de perceções e sensações, escritas e acumuladas sobre esta temática, germinadas de forma espontânea na natureza humana do sujeito que aqui as liberta,  ponderando a sua forma de estar em reação às circunstâncias que o enredam nas métricas morais e éticas, do correto e do incorreto, do acerto e do erro… enfim, sobre os dilemas da empatia emaranhada entre as “forças” do Bem e do Mal.

A jeito de rescaldo, parece-me que não somos absolutamente puritanos, virtuosos e “santos”, assim como não seremos obcecados paladinos do errar, da incorreção, ou “pecadores”. Cada um de nós, por força das suas vivências, encontrará nos cambiantes dos opostos a medida, a realidade… a verdade, assumida (ou não).

Aqui, descerro os portões para a catarse que medita alegoricamente na simbiose entre as recaídas e as reabilitações do ser-se humano, na vida… que narra a (des)contrução do ERRO.

Que alenta a esperança no ensejo de ressuscitar sem morrer.

 

Nota: esta será a Introdução (provisória) de um - eventual - novo livro. O “4”. Com o provável título “O ensejo de ressuscitar sem morrer: parábolas e rezas na transumância entre o Bem e o Mal”, e dividido em três partes (ou capítulos), interligadas:

Os ciclos da (des)construção do Erro

1 – A consciência do ERRO: esconjuro da obra do Mal

2 – A redenção ao ERRO: louvar e honrar o Bem

3 –A recaída no ERRO: o eterno retorno ao Erro

 

A ver no que dá…

 

Jorge Pópulo

Maio de 2023

[editado em junho de 2023]

música: Love will tear us apart
publicado por ANDARILHUS às 19:08