Crónicas do Deus Vilão II
http://www.lydiacristina.com/gallery1/00004-Caminho%20na%20floresta.JPG
(no seguimento de http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/25688.html)
E foram…
A luz ao longe era tão nítida como a dilatada distância que teriam de anular para lá chegar. Um saltitava, o outro rebolava. A conversa contínua serrava os limbos silenciosos da noite, enquanto os aproximava
-“A propósito, o meu nome é Pyrus, e o teu?” –“O meu é Gré. Sou do clã dos Granitos. E como é que vieste aqui parar, Pyrus?”.
O rapaz fez um gesto com os ombros que lhe encolhia o pescoço. Nascera e crescera numa zona de planícies, sem bosques densos nas imediações. Desconhecia as forças que o haviam ali colocado. -“Não sei, Gré. É um grande mistério. Não sei como aqui vim parar e muito menos os desígnios que os deuses me têm destinado nesta façanha.” Parou, em contemplação das copas das árvores.
-“Eu nasci nas terras de Aluvion, ricas pelas suas preciosas minas. Órfão desde muito pequeno, fui recolhido por Mestre Vulcame que me ensinou as artes do explorar e trabalhar os minerais…. Espera, eu… eu agora estou a entender: via o meu Mestre retirar à Terra a sua matéria-prima, extraía os metais e, estranhamente, preocupava-se em acumular delicadamente pequenas porções dos diferentes minerais na nossa gruta armazém. Afinal ele sabia que todos aqueles fragmentos – que pareciam inorgânicos – tinham vida! Mas nunca o divulgou… E depois dizia-me que as tinha vendido, quando eu dava pela falta colectiva de cada remessa! “.
- “Já ouvi falar do teu Mestre. Ele não é mais do que o deus Vulcano, enviado à Terra pelo concílio dos deuses, para minimizar o impacto da chegada do Homem. Os deuses aperceberam-se do seu erro: quando expulsaram os Homens do Olimpo não anteciparam o flagelo que iriam impor a outros seres. Vulcano está cá para nos ajudar a recuperar a vigília. Substitui-nos na continuação da espécie mineral com a gestação de novas gerações, que nos permitem preparar a revolta contra os humanos.”
Pyrus teve uma vertigem e viu-se necessitado do amparo da árvore corpulenta que o flanqueava. Grandes mistérios o envolviam e a ignorância sobre tudo quanto ouvira, sobre a sua presença nesta inusitada situação. Quais seriam as suas verdadeiras origens, a razão de ter sido acolhido por um deus e a sua missão nesta história intrincada?! Respirou fundo e disse em surdina: -“Continuemos. Continuemos pelo trilho e pelas inesperadas revelações que certamente se seguirão…”
Já se movimentavam há muito tempo e a manhã começava a corar o horizonte que escapava ao biombo do denso carvalhal. A alvorada ofuscava a luz que seguiam, porém o fumo marcava claramente o destino. Pyrus emudecera desde a última conversa e Gré respeitou o silêncio do companheiro. Deslocavam-se céleres e sem demonstrar cansaço. A azinhaga que atravessavam acabou por desembocar numa ampla clareira, onde desaguavam outros trilhos. Com olhares cúmplices, acordaram repousar por alguns momentos.
Após breves minutos ouviram alguns ruídos distantes que convergiam para a clareira. Como molas, esqueceram o relaxamento e ficaram atentos, em escuta e busca de sinais. Os sons eram cada vez mais nítidos e próximos.
Gré, que gostava de brincar mesmo nas ocasiões mais difíceis, sem olhar para Pyrus, disse entre dentes: -“Livra-te de me usares como arma de arremesso…”. O gracejo funcionou como unguento para a melancolia do companheiro, arrancando-o da modorra. –“Rápido Gré, ocultemo-nos naqueles arbustos!”. Assim o fizeram, pedindo cobertura a uma giesteira. Com todos os sentidos alerta, aguardaram pelo desenrolar dos acontecimentos.
E foi com grande admiração que os dois companheiros presenciaram a chagada quase simultânea de 4 estranhos, em pares, de caminhos diferentes. Da sua direito, entraram na clareira, uma jovem humana, alta e esguia, de farto cabelo ruivo, seguida por um gato – pasme-se! – que se deslocava apenas sobre os membros posteriores, elegantemente protegidos por botas altas. Usava chapéu e vinha a tagarelar com a parceira. Logo de seguida, igualmente em amena cavaqueira, surgiu de uma passagem (para a clareira) frontal à anterior, outro humano, rapaz de tez muito clara e de mediana estatura e - pasme-se novamente! – acompanhado por um azevinho estreito mas pujante, que usava as raízes como pés! Os dois grupos estacaram quando se viram e o ar calou-se.
(continua)
Andarilhus “(º0º)”
XVIII : VII : MMVIII