Por ti seguirei... (2º episódio)
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Depois, encarou Alépio e, no entusiasmo de outro sorriso, interpelou-o: “Aníbal não ficará certamente parado e derrotado. Alépio, serão teus desígnios regressar para junto do grande general? Sabes quais são os seus planos?”
“Pela formosura das minhas terras que voltarei! Vamos continuar os nossos projectos. Para Aníbal as circunstâncias são apenas o resultado de alguns contratempos. Vai reunir o exército e retomar a façanha que arquitectou. Perdeu parte da surpresa mas os Romanos não imaginam os planos inauditos que lhe ocupam o pensamento. O revés já está ultrapassado e Aníbal aguarda reforços vindos directamente de África. Depois de reunidos
Também eu – tal como outros delegados enviados a todos os povos Ibéricos amigos – tenho como missão a colecta de guerreiros e recursos para o esforço de guerra. O vosso concílio irá decidir se irá contribuir e como o poderá fazer.
Passarei por cá na próxima Lua Cheia e espero ter boas notícias”.
Rubínia apertou o antebraço de Alépio e recomendou-lhe:”Vai Alépio, não te retenho mais. Cumpre bem e com sucesso o teu dever. Quando voltares, aqui encontrarás pelo menos um companheiro de viagem”.
Fez uma saudação de despedida e tomou célere o caminho de casa. Havia muito a fazer, havia muito a preparar, apesar de ter ainda uma mão cheia de dias até ao regresso de Alépio.
Físias, mercador de uma pequena cidade portuária a Oeste das Colunas de Hércules, arriscara um dia fazer uma viagem de descoberta de novas oportunidades de negócio por terras lusas. Avançou para Norte e rapidamente encontrou as primeiras tribos, umas mais primitivas e rudes, outras já um pouco mais evoluídas socialmente.
Com o seu séquito, Físias conseguiu embrenhar-se profundamente na Lusitânia, conhecer os costumes, os hábitos, os deuses e as lavras materiais e mesmo artísticas daqueles povos. Com uma saudável empatia, facilidade de trato e comunicação, logrou superar alguns momentos muito sensíveis e potenciadores de conflitos. Soube alimentar a confiança, a segurança e, finalmente, ganhou mesmo a amizade de muitos autóctones.
E tanto se entrosou com as populações do setentrião que acabou por se apaixonar por uma nativa: Edúnia. Da união dos dois nasceu Rubínia, uma menina que se transformou em bela rapariga de olhos verdes amendoados e de cabelo castanho claro, frisado, rosto esguio e de pele entranhadamente morena. A mais esbelta criação entre um Cónio, de traços fenícios, e uma Lusitana plenamente ibérica!
Físias estabeleceu-se em Tongóbriga, construiu família e viu os negócios florescerem exponencialmente. Aproveitava a proximidade do rio Durius para carregar as suas mercadorias em barcos próprios. Estes, através da via fluvial passavam ao Atlântico e daí, sempre ao longo da costa, faziam a rota até à cidade de Balsa, já com as costas de África muito próximas e o Mediterrâneo a espreitar. No regresso os barcos traziam outras mercadorias apreciadas e necessitadas a Norte.
Bafejado pela prosperidade, o mercador era generoso com todos aqueles que o auxiliavam nos empreendimentos e reconhecia a benevolência dos deuses adorados pelas gentes que o haviam adoptado. Tinha por costume visitar os santuários dedicados a certas divindades e agradecer com fartas ofertas. Tinha especial afeição pelos lugares sagrados junto à serrania do Maranus. Era igualmente presença assídua no monte onde se acreditava habitar Larauco, pelos dias das suas festividades. Dizia que vinha de lá com sábios conselhos: sentia a omnipresença de Larauco, inspirando-se para tomar boas decisões e iniciativas.
Rubínia, alcançada a sua maioridade de 15 anos, recebeu a autorização e a respectiva bênção para poder acompanhar seu pai na peregrinação próxima. Naquele ano, calcorreariam o périplo do costume e passariam pelo santuário de Panoia onde, entre outros, a rapariga gostaria de venerar a Trebaruna, pedindo-lhe protecção para a sua muito estimada casa e família.
A manhã erguera-se de bom prenúncio, com uma neblina fina que encorajava os viandantes. Físias preparara a jornada com o cuidado que só um mercador domina. O agasalho, a montada, a escolta, o alimento, os animais e outras oferendas aos deuses e – não fosse surgir o ensejo – algumas mercadorias para transaccionar nalgum eventual bom negócio. Partiram.
A viagem decorreu com normalidade e sem sobressaltos. Pela segunda noite já armaram o acampamento próximo de Panoia. No dia seguinte estariam perante a solenidade do sagrado.
Sem acessórias demoras e ainda sem deixar o majestoso rei Sol raiar a sua primeira candura, Rubínia, numa ansiedade de noiva, fez erguer todos e colocou-os em movimento antes que tivessem tempo de abrir as sacolas do sustento. Queria ser madrugadora por respeito à deusa que ali a conduzira.
Sacerdotes ensonados receberam o grupo. Mais alguns loucos que não tinham palha na cama, pensavam… Na verdade, a comitiva de Físias não tinha sido o grupo inaugural do santuário naquela bonina manhã. De qualquer forma, tanto movimento matutino não era do agrado dos ociosos acólitos do recinto. Com poucos agrados receberam o cabrito e o galo que seriam imolados e lá foram explicando como decorria o processo cerimonioso a cumprir.
Junto ao flanco esquerdo do grande rochedo que representava simbolicamente Trebaruna existia uma fossa de dimensões generosas, com um ferro bem estacado de um dos lados, confrontado por duas fossas menores e uma pequena protuberância escavada na horizontalidade granítica que desembocava num canal igualmente rasgado no afloramento rochoso e que seguia por este, serpenteando, até se debruçar sobre um buraco entalhado no solo e onde cabia uma pessoa de pé e aprumada. Do lado contrário e rodeando o corpo maciço e frio de Trebaruna, encontrava-se uma pequena construção, muito rudimentar, com capacidade para apenas dois a três indivíduos, onde os devotos formulavam os ritos próprios e elevavam as suas preces à entidade divina. Foi para aí que orientaram Rubínia, enquanto preparavam os sacrifícios.
Trebaruna era deusa da casa e família, mas também protectora nas circunstâncias de guerra e morte. Quando Rubínia afastou a grossa manta de lã que tapava a entrada do humilde templo surpreendeu-se com a presença de uma figura humana absorta nas suas orações. Estava de costas para a entrada e pela magra luz do cubículo parecia ser um homem jovem e robusto, de longos cabelos louros, pele clara, alguns adornos metálicos e um urso tatuado em tons azuis ao longo do braço direito, que suportava o corpo reverente contra o grande rochedo. Rubínia, naquele espaço de sortilégios e naquele instante mágico, encontrara Tongídio e a sua vida iria mudar por completo.
É certo e sabido que terminada a introspecção cerimoniosa, Tongídio, virando-se para sair, julgou estar perante a própria deusa do lugar e a viver um daqueles excelsos momentos que só alguns têm o privilégio de alcançar. Todavia, mais feliz ficou por saber que afinal Rubínia de divindade só tinha a beleza! Já no exterior e enquanto assistiam ao abate dos animais, na fossa maior, à queima das vísceras nas duas fossas menores e ao corrupio do sangue pelos canais da fraga, trocavam olhares e sorrisos… promessas.
Desde então, conheceram-se, enamoraram-se, visitaram-se e Tongídio, como varão de uma família nobre de Tanábriga, no momento em que teve de anunciar esponsais, esqueceu as raparigas do seu clã e foi em busca de Rubínia. Físias fez o seu papel de pai duro e grave mas, chegado o momento oportuno, decidiu-se a presentear o genro com as vírias da aprovação, simbolizando a sua confiança na vontade de Tongídio em proteger a sua filha e capacidade para fundar e dedicar-se ao advento de uma nova família.
Rubínia acompanhou o seu marido para Tanábria e prometeu sempre segui-lo e por ele sempre seguir…
Causas exógenas começaram a afectar a vida dos dois. As potências do mundo – Roma e Cartago – propagavam rancores recíprocos e aguçadas pretensões sobre a rica Ibéria. Embora as ambições de domínio e expansionismo se fizessem sentir bem longe, nas costas do Sul, as escaramuças e diferendos já se espalhavam por toda a Península. Tanto mais que emissários procuravam exaltar as populações a tomar partido por um dos campos da contenda e pretendiam formalizar alianças com os povos e os seus clãs. Os cartagineses, graças à sua maior tradição e presença no extremo Oeste do Mediterrâneo, tinham vantagem na amizade e coligação com os povos nativos.
Com a chegada de Aníbal Barca a Cartagena e a decisão de fazer guerra aos romanos, os cartagineses activaram as suas alianças e recrutaram inúmeros iberos para as fileiras dos seus exércitos. Tongídio também foi, nas incorporações oriundas do Noroeste. Rubínia, no dia de partida do marido, foi a primeira ferida de guerra, das batalhas que Tongídio teria pela frente. No derradeiro beijo lembrou-lhe que por ele seguiria a vida dos dois, por ele todos os dias seguiria em guarda daquele caminho que agora o levava e do qual ansiava já que o trouxesse de volta.
Até à chegada de Alépio com as notícias, Rubínia passou longas horas, todos os dias, no mesmo sítio do promontório onde acenara pela última vez ao seu amor, vigilante por meses que pareceram anos.
Pela fase de Lua Cheia, Rubínia estava pronta para partir. Oferecera aos deuses um gordo cordeiro e consagrara as súplicas e as libações segundo os seus respeitos. Visitara os seus pais
Ainda que estivesse disposta a fazer qualquer jornada sozinha ou com um pequeno grupo que contratasse, tal não seria necessário. O Conselho dos Ilustres de Tanábria preparara um corpo expedicionário de guerreiros para seguirem Alépio. Não eram muitos; eram os possíveis, dadas as circunstâncias. Ela seguiria com eles…
Alépio chegou a meio da manhã seguinte, com um vasto contingente.
(continua…)
Andarilhus “(º0º)”
V : IX : MMVIII