In Vino Veritas
… A verdade também pode ser o espelho quebrado da realidade…
Por dias sem noite, serviu-se o vinho da protelação. O saborear arrastara-se trago a trago. As gotas do néctar acumularam-se no cálice da boa fé, adornado com a pega da ingenuidade.
Já se via a luz do entendimento a transbordar pela soleira da porta e, daí, o horizonte do prado da saída.
E quando tudo parece nas mãos do alegre Dionísio, nas Bodas de Canã da minha incredulidade, do vinho se fez pó do deserto. Os cântaros, prometidos como relicários do esforço das melhores uvas, ultrajam a crença de quem trouxera a bandeira da concórdia. O tratado encapotara-se com as vestes da hipocrisia.
A canícula não dá trégua, após alguns dias de bagos de chuva morna, de sustento da sofreguidão dos organismos vivos, mais ou menos vegetantes.
A sombra, outrora fria e gélida é, agora, amparo e santuário a cristão e maometano. Toleram-se os olhares feros de ódio e inimizade. Se necessário fosse, encostavam-se uns com os outros para albergar mais almas no acolhedor oásis.
Entro em fronteira entretanto fechada, com a complacência de quem a fechou. Há que amordaçar o calor em chamas tépidas. Não se afasta para longe, no entanto, a chispa que tudo pode incinerar…
O fogo consome lento e sem se ver… como o amor do ilustre lusitano. Mas, desta vez e após muitos anos, alimenta apenas a tolerância e o respeito essenciais à manutenção da comunicação. E a espera… a amaldiçoada espera, retesa a paciência e dá conta da sua força. Áh!... Noutros capítulos da história, como seria a medida da pachorra?! Certamente tão grande como a experiência fugaz de um engenho pirotécnico: um silvo, uma aceleração fulminante e a explosão destruidora e aniquiladora de qualquer trato harmonioso ou descanso!
Resta adoptar o comportamento astuto do mercador, dissimular as pedras do jogo do negócio. Partida de dados no lúgubre recanto da adega da verdade azeda, onde olhares atentos afastam para longe a sinceridade…
Como gostava que terminasse o baile de máscaras para retomar plenamente o meu EU, sem derivações… Fere a terra, espada do acerto e da verdade!
[30 Agosto 2006]
Andarilhus “(º0º)”