O Circo das Vaidades Perdidas

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Pão e Circo para distrair o povo: Supostamente para o embalar num contentamento aparente…

 

Se lacrimejo é porque já não posso reter as forças da angústia e do negrume da tristeza que faz transbordar o mar de águas cálidas que em mim remanesce em teimosa aparição.

Rompeu-se a corda que me mantinha na acrobacia da vida, tão verosímil, rectilínea e estável e, em queda, descubro que na distância que me separa da colisão com o chão da realidade… NÃO HÀ REDE de permeio e amparo!

Fechar os olhos e desejar sofregamente que tudo não passe de um truque ou um encantamento infeliz dos colegas da profissão de mágica que partilham este circo. Mas, até estes se afastam quando já não se consegue esconder ou contornar a verdade crua e nua.

E não há contorcionista que debele a dor que sinto: não há arte suficiente para rodar o necessário do pescoço, para que não assista ao meu infortúnio; não há elasticidade compatível para suportar a rigidez das minhas inexistentes soluções. Como gostaria de me dobrar sobre mim e caber no buraco mais pequeno que encontrasse. A mais célere fuga é o esconderijo da imobilidade.

É só que quero estar. Ou na companhia dos leões e tigres. Enjaulado, tenho a certeza que os males e os perigos do mundo ficam presos no exterior. No espaço das feras – as verdadeiras feras e não as falsas e simuladas – ascendo a um espaço de santuário, há muito perdido nas armadilhas do Homem.

E, como o autêntico artista que falhou redondamente o número circense e enjeitou os sonhos de tantos que o apreciavam e perdeu, num ápice, o saber experimentado que juntara ao longo de anos, contemplo as mãos nuas de objectivos e os sapatos rotos de esperança.

O que fazer com este VAZIO?

Arrenda-se espaço no coração, troca-se amizade e atenção, dá-se companheirismo, procura-se um abraço, uma palavra de alento…

Quando voltarei a subir ao trapézio e a roçar o céu da serenidade e bonança do manto macio da cobertura do Circo? Com as fracturas sofridas na queda, não é fácil assumir levianamente o risco…

Mas, a vida abre-nos tantos postigos… espreita-se?

 

A odisseia de todos os pedaços maus ou menos bons da existência… Uma homenagem aos que sofrem em silêncio.

 

XI : X : MMVI

Andarilhus “(º0º)”

música: Nick Cave: The Lyre of Orpheus
publicado por ANDARILHUS às 08:35