O Sagrado e o Profano
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Faço os meus votos, ao som das campânulas líricas da devoção e da rendição da vontade singular; Penso fazer reverência em teu encontro e espero augúrios favoráveis. E quem espera…
O vento fustiga as copas das árvores. Dobram-se e rangem pelas cepas. Escangalham-se os equilíbrios; força a vénia dos galhos…
Espero por ti junto ao velho santuário da ara granítica, já gasta pelos rituais e sortilégios aí dedicados. O pequeno monumento pagão irradia a luz pálida do entardecer, morno pelo Sol que se apaga e em arrefecimento rápido pela presença acirrada do movimento eólico.
Os deuses do lugar são testemunhas da minha devoção… por ti. Agarro-me à capa para esquecer os abanões do companheiro aéreo, enquanto passam as horas pela minha espera estática. A entidade profana favorece o meu viajar pelas memórias das nossas andanças. Sem perder a hirta posição, atiro-me ao passado, tocando aqui e ali nos momentos mais significativos – tantos! – que contigo partilhei. E, em curtos minutos, configuro dias sem conta… e espero. Espero pela revelação, pelo sinal do sagrado.
Aqui, junto ao cipreste, na orla da clareira, enquanto aguardo, rasgo em dois o meu coração e, como o meu antepassado Martinho, convoco a ideia de te entregar uma das partes para teu agasalho e companhia. Estarei assim sempre contigo. Partirei contigo, sempre que te afastares; ficarei incompleto na tua ausência. Será doce sentir-te a cada reencontro, porque terei o privilégio da tua presença e cumprirei o momento sagrado de juntar as duas porções mais marcantes do meu SER.
Conheço-te em múltiplas dimensões. Sempre te admirei como pessoa, exaltei como companheira e senti-me desejado na tua condição de mulher.
Mas, o tempo passa e corrompe o perfeito, oxida-o! Espero que não tente ou seja persistente na dispersão da tua presença de esposa ou adormeça a tua fogosidade e encanto. Procuro-te sempre. Aproximas-te. A espaços vislumbro-te ao longe, em curtos géisers que irrompem e espreitam acima da tua companhia. Vejo-te quando alcanças os cabeços dos montes, perco-te quando vagueias entre colinas.
Espero-te, do alto da minha atenção; anseio pelo nosso encontro ao entardecer…
Vou fazer uma libação à entidade do lugar e oferecer-lhe a flor da paz, sobre o seu altar… que nos conceda a felicidade e a fortuna…
Neste frio da ventania, aqueço-me com a perspectiva e o horizonte branco… na terna e serena espera que o pintor dedique a sua arte…
X : XI . MMVI
Andarilhus “(º0º)”