O meu jardim presépio…

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Em homenagem aos meus “jOSÉ e mARIA”… que se poderiam chamar de Armindo e Carminda… tantos anos a porfiar por mim…

 

…Eu tenho um jardim… onde nasci. É o espaço primeiro que conheci! Dele irrompi do chão, dele vi pela primeira vez o céu.

Vinguei entre braços de toque suave de algodão, medrei embalado pelo toque tépido do amparo de mãos de nuvens; nutri-me pela habilidade de caça do milhafre e da raposa, sobrevivi pela vigília atenta do cuidado de garras do silvado.

Neste espaço de exuberância alegre de verde esperança, desenvolvi minha criança, experimentei minha adolescência, estabeleci o meu adulto. Sempre e sempre sob o farol da orientação e a torre de sentinela daqueles que plantaram o jardim… para me darem a liberdade da escolha, da determinação e da oportunidade.

Muito labutaram as formigas da minha génese, muito construíram as abelhas do meu crescimento: Tudo o que sou é uma amálgama de cuidados, carinho, amor e apoio, aos quais acumulei a aventura e a busca da sorte.

Curioso – ou talvez não -, conquanto hoje caminhe com asas próprias, sem necessidade de auxílios ou mais aulas de voo, continuam, os criadores de meu jardim, ainda determinados em sustentar-me a paz do sono… sem desistências ou fragilidades de vontade. Alcançaram já provecta experiência e sabedoria; Poderiam agora descansar um pouco, fruir a suavidade do jardim e relaxar na guarda deste seu fruto. Todavia, são como os mangustos, determinados e mesmo sadiamente obstinados! Quando darão repouso aos seus trabalhos? Quando reconhecerão que terminaram e cumpriram exemplarmente a sua função?! São os melhores cultivadores da criação que uma semente pode ter!...

 

Mas sei que, pelas veredas destes jardins dos milagres, nem tudo são encantos…

 

Ao longo do tempo, as flores, tratadas com esmero, lançam sorrisos de viço e alegria, refrescadas pelos orvalhos saltitantes das fontes matriciais. Irrompem as águas, faz-se, com condimentos simples, a vida. Do botão ao corpo maduro, tudo se transforma, acompanhado de perto pela nascente fresca. Os renovos espalham-se sem que percam memória da sua génese e, como lágrimas de saudade, os regatos sempre vão ao encontro dos filhos, para os alimentar com a energia e o substrato revigorantes.

…Mas, nem tudo são encantos…

Toda a felicidade construída e partilhada em cumplicidade encontra o momento do seu ocaso, o momento da despedida. Acompanha o crepúsculo dos jardineiros diligentes, convocados que são para outros agros.

Porém, são já as flores impregnadas da arte do cultivo, em próprio jardim, responsáveis por outros novos rebentos.

Eu tenho um jardim e já sou jardineiro. Devo seguir o exemplo… e o importante é não deixar definhar o jardim presépio onde me fiz para sentir e escrever isto… E, pelo desaparecimento de um jardineiro, não deve um jardim transformar-se em floresta desordenada e dissipar-se no matagal do esquecimento e da tristeza definitiva…

As memórias são adubos; as vozes são alfaias imateriais…

 

… também para ti, Brain…

 

XV : XI : MMVI

Andarilhus

“(ª0ª)”

Aura:
música: The Mission: "Garden Of Delights"
publicado por ANDARILHUS às 08:39