Beati Pauperes Spiritu
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O que é a realidade? Diz-me…
Nós caímos de Deus? Diz-me que os teus sonhos se podem realizar…
Como estás tão só no jardim, neste Domingo de calor familiar.
As pessoas passam como pequenos enxames. Riem, correm, abraçam-se e destilam carinho. Mas tu, na tua caverna íntima, de portas e janelas fechadas, trancas-te em torno dos teus braços escondidos, apertado pelo frio e pela humidade de espaço tão vazio… Afinal, enquanto os outros já regozijam com a Primavera, tu estás no mais lúgubre Inverno, gélido…
As gentes que passam aportam novas tonalidades odoríficas aos agentes etéreos que te envolvem, movimentam a aragem que te embala no rio ondulado da brisa. E tu, estático ao estímulo, repreendes o olfacto, suspende-o de reconhecer seres de carne e osso ou o seu mero espectro.
Alguém te iludiu. Alguém te prometeu a eternidade de um momento. Feriram-te e roubaram-te a confiança e a alegria nas tuas crenças. Quando de uma parte se transpõe o vestíbulo do templo do amor com um fogo maior, decerto que esse coração imenso ilumina muito mais. Todavia, é certo também, que corre o risco de se incendiar mais rapidamente e perecer derretido sobre a cera da paixão.
Neste pequeno deambular de Domingo não vais ao encontro de coisa alguma. O banco de jardim que resguarda o teu corpo, por alguns centímetros, por alguns minutos, de cair no mesmo abismo onde já anda a tua alma perdida, é paragem de repouso na tua fuga. Os outros passeiam pelas azinhagas da comunhão; tu arrastas o que resta de ti pelas penedias da solidão.
Afinal, como foi a tua realidade, como é a tua realidade?
Já soubeste o que é a alegria, já conheceste a partilha e a união entre irmãos, os de sangue e os de sorte. Entregaste, a seu tempo, o que de mais nobre havia
Procuraste uma existência maior, um mundo pejado de amigos, uma casa pintada de amor. Como não entraste na porta certa do destino, desistes de a procurar, desistes de te procurares.
E, os teus olhos despojados da cor e da forma, apenas miram a escuridão interior, apaladando com gosto o teu próprio definhar e a extinção dos teus sonhos. No nada consegues ser tão complexo na decisão do difícil…
Levantas-te do banco do jardim, transpões os portões da condição humana e partes para nenhures… pleno de inexistência de convicções…
Bem-aventurados os simples e os pobres de espírito, pois esses não interrogam a realidade…
VI : XI : MMVI
“(ºoº)” Andarilhus