Por Ti Seguirei... (2.13)

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Apesar do sobressalto, a reação foi rápida e bem coordenada. Entre os resíduos em tição e sebo derretido que juncavam o tombadilho, os iberos acorriam aos focos de incêndio com mantas e água.

Taer movimentou o leme procurando uma posição perpendicular à nave agressora. Desta forma, reduziriam a exposição ao armamento de arremesso. Contudo, dada a limitada presença de remadores, a manobra não foi tão lesta quanto o desejado.

Após uns zumbidos a cortar o ar, o som cavo de grilhões a ferrarem na madeira interior das amuradas embebeu-se nos estalidos da combustão e no frenesim geral dos ocupantes. Os atacantes acercaram-se prontamente, iniciando o assalto e preparando a abordagem. Quando a distância o permitiu, começaram por lançar as fateixas, com as quais prenderam a presa e, a força de braços, foram puxando as cordas que afivelavam os dois navios. Em breve, obrigariam ao encosto total dos cascos com o apoio dos arpões.

No meio da fumarada, Taer conseguiu enxergar o pavilhão que sacudia no alto do mastro do inimigo.

- São Piratas! Cilícios! A grande irmandade de pirataria que agrega guerreiros de todo o Mar Interior.

- Comigo! Temos de cortar as amarras que nos lançaram. Caturnino, reúne os mais fortes e formem uma linha de defesa junto à amurada, para rechaçar o assalto que aí vem! – ordenou Tongídio, ao mesmo tempo que deitava mão a um machado de dois gumes.

Enquanto Caturnino organizava os túrdulos e kalaedónios como um escudo à aguardada investida, Tongídio, Runaekoi e mais dois possantes guerreiros brandiam as armas para rasgar os grossos cabos de fibra que aprisionavam a galera aos braços dos agressores. No convés inferior, os menos afeiçoados a combates esforçavam-se nos remos, tentando romper o abraço de ferrolho do navio atacante. Aí, também, Rubínia, Aélcio e Aleutério mantinham-se em prevenção ao socorro da linha avançada, protegendo a área de controlo da embarcação e as mulheres túrdulas. Leuko andava por parte incerta.

Na amurada, as cordas decapitadas das fateixas saltavam como os tendões de um arco. Já poucas restavam a evitar o afastamento entre os barcos, porém, os piratas logravam alcançar a presa com os longos cabos de madeira dos arpões, anulando o esforço dos iberos.

Os aguerridos assaltantes começavam, então, a abordagem, com a colocação de pranchas. Os primeiros não chegaram a entrar a bordo da galera ibera. Os braços certeiros que governavam as fundas asseguraram golpes líticos fatais, que os derrubavam em mergulho no mar frio, amassando os corpos contra os duros remos, na queda.

Todavia, a torrente de invasores avolumou-se e os fundibulários não tinham cadência suficiente para deter a todos. Tongídio teve de largar o machado - que ficou impossível de descravar do esterno de um opositor - logo ao primeiro golpe, para sacar a fiel falcata, passando o seu punho firme a ser o sono de morte para aqueles que lhe iam surgindo pela frente. Rodeado de inimigos, renovava de sangue a lâmina da arma a cada movimento giratório. Já sem conseguirem travar a passagem dos piratas sobre os singelos passadiços, os iberos da formação defensiva acabaram envolvidos em combates diretos, estendendo-se a peleja a todo o sobrado da galera.

Runaekoi, pela sua ferocidade e a grande mortandade que ia provocando, também concentrava para si múltiplos oponentes. Em seu redor amontoava já uns quantos piratas, mortos ou feridos. Começou a recuar para espaço mais aberto e onde poderia movimentar-se melhor, aproximando-se da zona do mastro. Quiseram os deuses – talvez para alterar o rumo que levava o espetáculo da guerra, que tanto apreciavam - que o infortúnio se abatesse sobre ele. Queimado o velame, as laçadas que prendiam a cruzeta ao mastro arderam também, fazendo com que a viga de madeira se precipitasse e atingisse Runaekoi entre o rosto e o ombro, tombando-o e deixando-o aturdido, sem reação.

Caturnino, seguido de Tongídio, reagiram rápido em socorro do amigo, atirando-se aos vários inimigos que se preparavam para golpear aquele espírito funesto que os aniquilava sem se cansar. A refrega intensificou-se enquanto Runaekoi estrebuchava pelo chão, na tentativa de recuperar total consciência. Embora tivessem uma vantagem numérica arrasadora, os piratas demoravam em dominar a situação. Pelo contrário, as baixas eram manifestas, em contraste com os iberos.

Mas havia outra razão que justificava o atraso na conquista. O chefe dos piratas queria aprisionar os iberos, evitando a sua morte. Eram uma mercadoria de grandes réditos nos mercados de escravos.

Ainda a bordo da embarcação atacante, o líder dos assaltantes percebeu que a resistência dos atacados se devia, sobretudo, à força e arte de guerra exemplares de alguns deles. O carisma destes eleitos pelos deuses da guerra instigava os restantes a uma defesa acirrada. Se anulasse os líderes, os demais seriam meros cordeiros. Assim fez.

- Nassir passa para a galera romana e coloca aqueles dois fora da batalha – ordenou, Zlatan, chefe dos piratas, enquanto apontava para Tongídio e Caturnino.

Nassir, egípcio, cumpriu de imediato as instruções. Leve e ágil como um gato, atravessou a prancha e colocou-se em boa posição. Com a zarabatana apontada, primeiro acertou em Caturnino e depois, quando Tongídio se virou para si, procurando a origem do dardo que acabava de se cravar no pescoço do amigo, acertou-lhe com igual precisão.

O veneno imobilizador começou a fazer efeito, descoordenando os movimentos dos atingidos. Os piratas afastaram-se e deixaram que o vigor abandonasse completamente os dois iberos. Caturnino ajoelhou e caiu junto a Runaekoi. Tongídio ainda tentou alcançar Nassir arremessando a falcata, mas o discernimento fraquejou: não atingiu o alvo e acabou por cambalear até tombar.

Inerte no chão, nos momentos em que os sentidos e a mente se mantiveram em vigília, Tongídio viu Rubínia, seguida dos que aguardavam no porão, correr em seu auxílio, reclamando a vida àqueles que lhe obstruíam a passagem. Nos lentos piscar de olhos, ainda assistiu a Leuko saltar do alto da torre da embarcação sobre o pirata que conseguira agarrar a sua mulher. As presas do lobo branco perfuraram a jugular do inimigo, fazendo o sangue jorrar em esguicho, atemorizando, por breves instantes, os piratas.

Porém, Tongídio, que procurava encontrar forças para se erguer, sem o conseguir, ainda assistiu ao aprisionar de Rubínia e Leuko com redes e à rendição de todos aqueles que estavam sob seu comando. Ouviu o riso dos piratas e as suas vozes excitadas, vexatórias e obscenas, dirigidas às mulheres.

Antes de adormecer, já com os olhos semicerrados, conseguiu escutar um dos agressores, que se destacava pelas vestes refinadas, a chicotear os homens que já avançavam para a satisfação das lascívias carnais. Estranhamente, parecia indignado com o comportamento dos subordinados e exigia-lhes respeito pelas mulheres e restantes prisioneiros, sob pena de morte para os infratores. Era Zlatan.

Tongídio adormeceu…

 

Andarilhus

XXVI : XI : MMXIV

publicado por ANDARILHUS às 19:29